Quanto tempo de vida tem uma pessoa depois de receber o diagnóstico de Alzheimer?

É uma receita composta por carinho, compreensão e amor. Não é feitiço não, é real, testada e aprovada aqui em casa. Mainha, com base nessa receita, depois do diagnóstico, foram 17 anos de estórias narradas nos livros O Alemão Veio Nos Visitar e O Alemão Pegou o Bonde.

Rosana Leal (*)


Algumas perguntas são fáceis de responder: quantos anos você tem? Onde nasceu? É casada ou solteira? Quantos filhos tem? Onde mora?, essas perguntas mamãe tira de letra e me deixa sossegada, não é Alzheimer… Mas aí o doutor faz a pergunta mais fácil de todas:

– Responda, Dona Hildete, essa moça bonita que acompanha a senhora, ela é formada em quê?

– Ora, pergunte a ela.

– Dona Hildete, quero ouvir da senhora, não se afobe, pense sem pressa, essa moça trabalha em quê? O que ela faz?

Mamãe olha pros lados, pra mim, pro médico e penso, otimista, não vai falar só de birra. E não fala mesmo, não fala porque não quer, pois o maior orgulho dessa mulher é dizer para Deus e o mundo que tem uma filha engenheira, mas como não gosta de dar o braço a torcer, manda o médico perguntar pra mim.

– Pergunte a ela.

Achei foi bom. Ele me pede para levar mamãe até a sala de espera e retornar.

– Viu, doutor, mamy não tem é nada…

– Rosana, sua mãe pode está com começo de Alzheimer, você precisa ficar de olho no comportamento dela, mas o melhor seria arregaçar as mangas e trabalhar, levá-la para participar de grupo de convivência, incentivá-la com a hidroginástica, introduzir exercícios para a memória que já começa a falhar…

– Doutor, mamãe se orgulha do que faço, sabe que sou engenheira, não falou porque é birrenta… 

– Sabe por que não perguntei quem é essa moça? Porque a decepção seria maior…

Doeu. Uma mãe não pode jamais esquecer uma filha. Isso não é possível. Ela pode esquecer a palavra filha, esquecer que me concebeu, mas esquecer que me criou, que convivemos a vida toda, eu hein, esse doutor pirou.

Mas o doutor estava certo. O Alemão é sorrateiro, entra de mansinho e quando se vê está todo prosa a tomar café na sala de onde não sai mais. E vai sarrafando as memórias, desnudando o cérebro de suas lembranças, até as mais enraizadas, formadas quando os neurônios eram fortes e saudáveis, acabam indo embora e chega uma hora que a pessoa sequer reconhece sua imagem no espelho.

– Quem é essa?

Tornei-me colecionadora de histórias de Dona Hildete, Detinha para os íntimos. Algumas hilárias, outras difíceis de engolir como purgante. Quando vi, havia histórias para contar que não acabavam mais. E são boas porque quem tem um parente na mesma situação pode se espelhar nelas. Quem não tem, se diverte, se emociona, passa a conhecer melhor o Alemão.

Quanto a pergunta inicial, a resposta não é nada simples. Tomara que não caia no vestibular, mas se cair é melhor dar uma enrolada para garantir pelo menos meio ponto.

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Primeiro, depende muito da aceitação dos familiares. No meu primeiro livro conto como penei por não aceitar de imediato. Se você aceita rapidamente e age com precisão, esse tempo pode se estender bastante.

Ah, mas tem um elemento que altera demais no resultado. Aliás, é uma receita composta por carinho, compreensão e amor. Não é feitiço não, é real, testada e aprovada aqui em casa. Mainha, com base nessa receita, depois do diagnóstico, foram 17 anos de estórias narradas nos livros O Alemão Veio Nos Visitar e O Alemão Pegou o Bonde.

É muita história. É uma vida na companhia do Alemão. Com essas estórias vocês terão um panorama completo de vivência com uma pessoa com a Doença de Alzheimer, do primeiro ao último momento, porque hoje mamãe teve que ir e só passou para deixar um beijinho.

Desculpem, mas mamy teve um compromisso inadiável, pelo que entendi, esperam por ela já há algum tempo, pois de acordo com as contas que me apresentaram ninguém vive mais do que dez anos depois do diagnóstico…

E só me contaram agora? Mamy viveu 17, e na maior parte deles interagindo, fazendo birra, aprontando das suas. É, mas agora teve que ir, mas vai no momento dela, não no do Alemão. Mamy vai muito tranquila, missão cumprida, sem pendências, filhas e netas criadas e ainda deixa, na vida e nos livros, inspiração para muitas famílias.

A Doença de Alzheimer não é um castigo, é um caminho como tantos outros, pode ser longo (ou não), tortuoso (ou não), doloroso (ou não), depende muito da aceitação, insisto.

Tudo o que tem um começo tem um fim, já vou encerrar essa conversa, lembrando que temos que estar atentos e nos prepararmos da melhor forma possível para a hora da partida, para que seja tranquila, porque uma hora todos temos que ir, não é mesmo?

Mamy teve que ir. Com a aceitação de todos aqui em casa, ficou bem mais fácil. Arestas aparadas, conflitos superados, nada no balcão de reclamação. As meninas todas prontas.

Mamy viveu o que tinha que viver. 91 anos de história (1928 – 2020). Mas agora teve que ir. Com tanta gente a espera dela, não tinha por que se demorar mais, e pontualidade é sinal de educação.

Quero agradecer ao Portal do Envelhecimento por acolher nossa história e proporcionar, por meio dos livros, novos amigos, virtuais, espirituais, fãs… Olha só o que Dona Hildete apronta, a “gostosa” vai mesmo ficar pra história.

Mamy, hoje é minha vez de dizer, Deus lhe acompanhe.


(*) Rosana Leal é baiana de Salvador, graduada em Engenharia Civil, mestre em Análise Regional, especialista em Administração e em Engenharia de Segurança do Trabalho, professora universitária e empresária, autora do livro A Alavanca Quebrada: Aspectos da Construção Habitacional em Salvador – sob a ótica da administração de material e dos livros que mudaram a forma de se olhar o idoso com Alzheimer: O Alemão Veio nos Visitar – Acolhendo o Visitante Indesejado e O Alemão Pegou o Bonde, ambos pela Portal Edições. E-mail: [email protected]


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