“É constrangedor ser chamado de velho até deixarmos de ter vergonha disso” 

“É constrangedor ser chamado de velho até deixarmos de ter vergonha disso” 

O imaginário coletivo sobre a velhice ainda é carregado de preconceitos, mitos e ideias errôneas. Por isso temos vergonha de nossa velhice, e assim reproduzimos os preconceitos de idade.


Desde que me envolvi com os estudos sobre o processo de envelhecimento, há mais de 20 anos, observo que a disseminação do preconceito à velhice, ou seja, a discriminação e estereótipos baseados na idade, é frequente e sempre presente na mídia e no nosso imaginário. Recentemente teve uma campanha municipal chamada “Orgulho Prateado 2019” contra o preconceito e da qual participei, junto com Ruth G. da Costa Lopes e alguns alunos de Iniciação Científica, no dia 30 de outubro. Estavam presentes nesse evento que realizamos na PUCSP diversas pessoas, entre elas a fonoaudióloga, aluna de doutorado, Ana Carla Oliveira Garcia, que acabara de chegar do Canadá de uma bolsa sanduíche e que queria trabalhar justamente com esta temática, entendendo o preconceito como uma grande barreira de acesso aos serviços, especialmente pelos idosos com dupla perda sensorial (auditiva e visual).

Trazer à tona esse tema, seja em artigos, em rodas de conversa, em diversos eventos, é muito importante para o futuro de nosso envelhecer, pois sensibiliza as pessoas para esta questão que envolve todos nós, assim como pesquisadores que percebem como o impacto psicossocial e ambiental no processo de envelhecimento é muito mais forte do que imaginamos, que foi o que acabou descobrindo a aluna de doutorado no evento realizado na PUC.

Mas quem faz muito bem isso é a ativista Ashton Applewhite, autora do livro This Chair Rocks: A Manifesto Against Ageism. Ela não se cansa de falar que não é a passagem do tempo que torna tão difícil envelhecer, mas sim o preconceito de idade que nos coloca contra nosso futuro, e um contra o outro. No TED intitulado Vamos acabar com o preconceito de idade, Ashton diz que o estranho sobre o preconceito de idade é que esse outro somos nós. O preconceito alimenta-se da negação, da relutância em reconhecer que nos tornaremos essa pessoa mais velha… E assinala que “é constrangedor ser chamado de mais velho até deixarmos de ter vergonha disso, e não é saudável passar a vida temendo nosso futuro. O quanto antes sairmos desta roda de negação da idade, melhor estaremos”.

No seu TED ela enfatiza: o que a maioria de nós não percebe é que a experiência de atingir a velhice pode ser melhor ou pior dependendo da cultura em que ocorre. E explica: não é ter uma vagina que torna a vida mais difícil para as mulheres. É o machismo. Explica mais ainda, não é amar um homem que torna a vida mais difícil para os gays. É a homofobia. E conclui seu pensamento: não é a passagem do tempo que faz envelhecer ser muito mais difícil do que deveria. É o preconceito de idade. 

Não é só Ashton Applewhite que vem falando sobre o preconceito de idade. Uma breve pesquisa na revista mais60 do Sesc São Paulo (antiga A Terceira Idade: Estudos sobre Envelhecimento), da qual sou leitora assídua e a super recomendo, mostra como esta revista que está online e é totalmente gratuita vem chamando a atenção desta temática no Brasil de diversas maneiras. Já em 2002, José Carlos Ferrigno (v. 13, nº 24) em seu artigo “O estigma da velhice: Uma Análise do Preconceito aos Velhos à Luz das Ideias de Erving Goffman” dizia que “a discriminação aos velhos é o resultado dos valores típicos de uma sociedade de consumo e de mercantilização das relações sociais. O exagerado enaltecimento do jovem, do novo e do descartável além do descrédito sobre o saber adquirido com a experiência da vida são as inevitáveis consequências desses valores” (p. 49).

Dez anos depois, encontramos no artigo Piadas de “mau gosto” sobre pessoas idosas: a disseminação do preconceito à velhice (v. 23, no 54), Marília Viana Berzins e Elisabeth Frohlich Mercadante falando sobre o preconceito embutido nas propagandas, músicas, histórias infantis e piadas carregadas de discursos subjetivos e discriminatórios, e os preconceitos que elas apontam. Quem não conhece uma? Ou melhor, quem nunca viralizou alguma delas?

As autoras deixam bem claro que o interesse delas não está em censurar ou acabar com o humor, mas chamar a atenção para um “humor que ressalta características fortes, negativas, desrespeitosas”. Eu, como portuguesa, sei bem disso, pois não faltam piadas de português por aí. Mas voltando às autoras, elas classificaram as piadas sobre a velhice que reforçam os mitos e preconceitos a respeito dessa etapa da vida, nos seguintes temas: dores do corpo, memória, sexualidade, aposentadoria. Observem na sua roda social e verão que os temas continuam os mesmos, talvez acrescentando tecnologia.

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Em 2017, a revista mais60 traz outro artigo, “Precisamos discutir sobre o idadismo” (v. 28, no 67), em que Gisela Castro dá prosseguimento ao debate sobre a velhice iniciado por Berzins e Mercadante, colocando em questão o idadismo (ageism), como uma nova maneira de se falar sobre o preconceito baseado na idade que “ocasiona a discriminação contra as pessoas vistas como idosas e contribui para a sua marginalização e eventual exclusão social”.  

Nessa edição, Castro nos diz que “o idadismo é uma das formas insidiosas de preconceito que acarreta a discriminação por idade. Apesar de disseminado, é ainda muito pouco discutido tanto no meio acadêmico quanto nos meios de comunicação” (p. 48). Diz ainda que o preconceito do idadismo nem sempre comparece de modo explícito nas atitudes e discursos em relação aos mais velhos. Pode estar presente, mesmo que de modo velado, “tanto na esfera cotidiana das interações interpessoais quanto nas produções midiáticas que circulam nas diversas telas” (p. 48). Segundo Castro, o preconceito precisa ser discutido e combatido de “modo incisivo, persistente e criativo”.

É esse convite que faço a todos aqueles que nos leem, que possamos ser incisivos, persistentes e criativos para desmontar o preconceito de idade, assim como nos convoca ao final do seu TED Ashton Applewhite, afinal, a longevidade veio para ficar e o movimento para acabar com o preconceito já começou há alguns anos pela revista mais60. Vamos aderir? Que tal colocar como desafio pessoal para 2020? Eu já estou no movimento e não tenho vergonha de minha velhice nem de ser chamada velha, pois velha sou e com muito orgulho!

Serviço
A revista mais 60: estudos sobre envelhecimento é uma publicação multidisciplinar, editada desde 1988 pelo Sesc São Paulo, de periodicidade quadrimestral, e dirigida aos profissionais que atuam na área do envelhecimento. Tem como objetivo estimular a reflexão e a produção intelectual no campo da gerontologia, seu propósito é publicar artigos técnicos e científicos nessa área, abordando os diversos aspectos da velhice (físico, psíquico, social, cultural, econômico etc.) e do processo de envelhecimento.
ISSN 1676-0336
A revista aceita artigos de forma contínua
Para saber mais enviar e-mail para: [email protected]


Legalmente, os 60 anos de idade representam um marco, a entrada em uma nova fase de vida, que de forma alguma é de menor interesse que as outras. É importante se falar em manter o protagonismo conforme os anos passam. Acreditamos que ele está nas escolhas que fazemos ao decorrer da vida, mas que escolhas? de que forma? como mantê-lo com o passar dos anos?

Inscrições: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/workshop-60-como-manter-o-protagonismo-da-vida/

Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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