Vem aí o “Faça Memórias em Casa”! É a arte para libertar velhices

Vem aí o “Faça Memórias em Casa”! É a arte para libertar velhices

Dia 14 de abril, a Loja do Faça Memórias em Casa estará no ar com Kandinsky, Monet, Flores da Arte, Van Gogh dia e noite e Van Gogh Girassóis. Este texto explica a minha intenção com a loja, de produtos de “intervenção não medicamentosa”. Nela, você encontra nossos kits para comprar e usar em casa. Aproveite!

 

Não sei nada de italiano, mas ainda hoje chego a escutar minha bisavó declamando uma poesia folclórica nesta língua. A melodia e a gesticulação que ela fazia ao declamar aqueles versos me encantavam e ao ouvir o poema, se desenhava no meu pensamento as cenas que ela narrava. Eu era pequena, mas me recordo o quanto era aflitivo imaginar a borboleta com as asas presas na mão da menina dos versos recitados por ela.

Aflição que durava pequenas estrofes e que tinha um desfecho final mágico e libertador, pois, a garota do poema, compreendia seu ato e soltava o inseto numa cena deliciosa de ver minha bisavó representar com seus braços enrugados e já flácidos pelo tempo.

Após o aprisionamento, a borboleta volta a voar, ganha novamente os céus e a liberdade espalhando sua alegria para a menina do poema, para minha bisavó de oitenta e poucos anos e para aquela garotinha sonhadora que um dia eu fui.

A vida me mostrou caminhos que eu não imaginava trilhar.

Foi assim com a Gerontologia que veio como consequência de um percurso que procurei seguir buscando proporcionar, através da arte, a oportunidade de libertar as pessoas aprisionadas pelos contratempos da vida.

Como na poesia da minha bisavó, somos todos merecedores de novos voos.

A Minha escolha foi a Arte. Todo o resto me parecia entediante e apenas nas atividades criativas eu encontrava uma alegria bem semelhante a que eu sentia, quando criança, ao explorar um mundo cheio de fantasia e fértil na imaginação.

Ao escolher a Arteterapia, abracei a Arte como um acalanto de almas conturbadas, ou por angústias, ou por situações de vida desfavoráveis a um viver sadio.

Sempre fui interessada nas pessoas. Crianças, jovens e velhos: Pessoas. De todos os tipos e idades.

Profissionalmente, fui escolhida pelos velhos e eu os abracei com todo meu coração. A demência apareceu em minha vida como consequência das velhices fragilizadas que cruzaram meu caminho. O Alzheimer é cruel. Ele rouba não somente as memórias, já que nesta degeneração, vemos as pessoas perderem-se de si. Mas algo me instigava, afinal eu oferecia a Arte aos idosos com demência e conferia, ali diante de meus olhos, a gostosa sensação de calmaria que eles experimentavam em meio à angústia da doença. A cada dia fica mais clara a necessidade de olhar o sujeito além da patologia para poder oferecer temas pertinentes à pessoa ali existente. A Arte me ajuda a vê-los.

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Faça Memórias, em casa

A vivência adquirida nesses quase dez anos do Faça Memórias, projeto que acontece em museu de São Paulo e que faz uso da obra de arte como estímulo cognitivo aos idosos com problemas de esquecimento, me fez vislumbrar a possibilidade de replicar a experiência adquirida nos lares dos idosos que sofrem os transtornos causados por essas velhices esquecidas socialmente.

Perder a autonomia e a memória já me parece duro o suficiente, o que me leva a crer que se faz urgente oferecer a esses idosos estímulos cognitivos que sejam engrandecedores.

Resolvi então criar o Faça Memórias, em casa, como um meio de oferecer aos idosos com Alzheimer e outras demências a oportunidade de vivenciar os grandes nomes e temas da História da Arte.

Minha aposta é que ao envolver essas velhices com assuntos relevantes, a sensação trazida por Monet, Van Gogh, Kandinsky entre outros, reverberará na rotina de cada um. Trata-se de uma maneira sensível de proporcionar aos idosos, em seus lares, um meio de trabalhar a cognição pela arte ao mesmo tempo em que é dada a chance de fortalecer os vínculos entre o cuidador e o idoso envolvido no fazer artístico proposto.

Esta foi a maneira que encontrei de ajudar essas borboletas, amarradas por circunstâncias da vida, a voar.

E voem alto! Grandes nomes da História da Arte guiarão este voo.

Quanto a minha bisavó, sei que ela segue comigo neste percurso e é no coração que ela me ajuda a libertar todas aquelas borboletas aprisionadas. São dedos que apertam as asas por não entenderem que segurar com força e impedir o voo, não amenizará a doença.

É preciso deixar voar. A Arte, e tudo o que constantemente aprendo no Faça Memórias, me ensina a conduzir esses voos e ajudar essas borboletas a preservarem a liberdade o máximo de tempo possível, para poder, então, continuar, sutilmente existindo além da patologia.

Essa é a minha maneira de pensar a vida sem esquecer de quem esquece e de quem é esquecido. É preciso voar e voar. Cada vez mais alto enquanto envelheço e envelhecemos.

De mãos dadas, eu e minhas borboletas.

Cristiane T. Pomeranz

Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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