”Velhos do Brasil, uni-vos!”

Tenho muitos amigos que se apaixonaram por aquelas duas letrinhas, PT, criança promissora quando nasceu, quem sabe um Messias. Para não magoá-los impus-me um “silêncio obsequioso”, por medo de que minhas idéias pudessem abalar nossa amizade. Mas, por vezes, o “silêncio dos in­telectuais” é o mesmo que falta de in­tegridade.

Rubem Alves

 

Fatos políticos trouxeram da min­ha memória uma fábula escrita por George Orwell, “A revolução dos bichos”. Vou recordá-la. Os bichos, li­derados pelos porcos, fizeram urna revolução na fazenda em que viviam para se livrar da opressão do fazendeiro que os explorava. Os porcos tinham razões de sobra para serem os líderes da revolução. Eram os animais mais sacrificados. Eram engor­dados para se transformarem em lingüiça, torresmo, toucinho, lombo, leitoa assada, pernil assado…

Acon­teceu, entretanto, que no decorrer do processo revolucionário uma im­portante mudança aconteceu: os porcos começaram a ver que o fazen­deiro e seus empregados não eram tão ruins quanto pareciam.
Na ver­dade; havia interesses comuns que permitiam que com eles se fizessem proveitosas alianças. A última cena do livrinho é assim: a bicharada, do lado de fora, olha através da janela da casa do fazendeiro. Lá dentro acon­tecia urna festa para celebrar um no­vo pacto político de cooperação en­tre fazendeiro e porcos.
E os bichos, perplexos, olhavam para o fazendei­ro, olhavam para os porcos, e não conseguiam saber quem era quem: o fazendeiro tinha focinho de porco e os porcos fumavam charutos como o fazendeiro…

Essa história, me veio à mente quando vi uma foto em que o presi­dente Lula, sorridente, abraçava o sr. Orestes Quércia. Chegou-me agora uma informação assombrosa: a de que o PT apóia o sr. Newton Cardozo, como candidato ao senado por Minas. Aí fiquei como os bichos, sem sa­ber quem era quem…

Mas agora fui diretamente atingi­do pelo presidente. Comentando o apoio de Itamar Franco ao sr. Geral­do Alckmin ele zombou do aconteci­do sob o argumento de que Itamar Franco, por ser um velho de 76 anos, não merece ser levado a sério. Não merece ser levado a sério não por ­incompetência ou corrupção mas por ser um velho de 76 anos. Então, to­dos os velhos não merecem ser leva­dos a sério. Os velhos pertencem ao grande grupo dos excluídos!

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Quem diria! Há cerca de algumas semanas Lula foi recebido com ho­nras pelos idosos que participavam de um “Encontro Nacional de Terceira Idade”, em Brasília. E ele está sorridente… Velhos podem votar…

Acontece que sou velho. Tenho 72 anos. Excluído do círculo dos inteligentes pela minha idade, o que pen­so e escrevo não merece ser levado em consideração.

A opinião do Lula sobre os veIhos, é ela produto de ig­norância? Tudo indica que sim. Para afirmar o que afirmou ele teria de ter ignorado, o Millôr, a Cora Coralina, D. Felix de Casaldáliga, Oscar Nie­meyer, Jorge Amado, Dorival Cayrnmi, a Mãe Menininha de Gantois… Ou terá sido por preconceito?

Ignorância ou preconceito, não importa. Para mim, uma das qualidades fundamentais do presidente da República terá de ser o respeito pelos velhos.

Os velhos têm a lucidez daqueles que nada têm a perder por­que já estão vivendo no tempo de morrer. Por isso, lanço aqui o meu grito: “Velhos do Brasil! Uni-vos!”

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Fonte: Folha de S. Paulo, C10, 8/8/06. Disponível Aqui

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