Velho Pai

Velho Pai

Ao meu pai, o meu amor eterno e infinito. Meu caminho se faz ao seu lado, por hoje e por toda minha vida. Tenho tanto que aprender com ele que tanto ainda tem a me ensinar. Neste segundo domingo de agosto o dia é de quem fez e faz a diferença na vida de seus filhos.


Eu era muito pequena quando percebi a imensidão do meu amor por ele. Durante a semana, pouco ficávamos juntos, já que ele emendava o trabalho do dia com as aulas que dava à noite nas diversas faculdades que lecionava. Pude logo perceber que ser professor não era apenas um ofício, era uma maneira de pensar, entender e ensinar a vida. E meu pai foi nosso professor, já que com ele, eu e meu irmão aprendemos os valores que carregamos conosco até hoje. Não tenho dúvidas de que, minha mãe, a grande mulher que sempre o acompanhou, foi o esteio da casa e uma influenciadora perfeita dos tantos ensinamentos dados à nós.

Morávamos em um sobrado com uma escada que fazia curva e recordo os momentos que ele me levava para dormir jogada em seu ombro enquanto perguntava cantarolando: Quem quer comprar porquinho na feira? Uma inocente brincadeira que carrego na memória sempre com um sorriso.

Durante muitos dias da semana dormíamos antes dele voltar das aulas, mas consigo me lembrar dos beijos que recebia quando ele chegava tarde da noite. Tinha então a certeza de que estávamos seguros.

Minha mãe ficava mais tempo conosco e enquanto ela nos educava, ele nos mimava. Na banca de jornal ela comprava 3 pacotinhos de figurinhas para mim e 3 para meu irmão. Torcíamos para ir com nosso pai à banca, pois o ouvíamos sempre perguntar ao jornaleiro quantos pacotinhos ele tinha. Quero todos, dizia ele. Era uma farra, a farra das figurinhas.

Nos fins de semana dávamos um certo descanso para nossa mãe para matar a saudades do nosso pai que trabalhava muito. Adorava andar pisando no peito dos seus pés e assim juntinhos ficávamos caminhando. Meu pai me ensinou a caminhar pela vida e também a desviar daquilo que não faz bem.

O desvio tem que acontecer rápido, nada de remoer problemas, dizia ele e, até hoje, tenho me esforçado para fazer jus à este ensinamento. Confesso que não sou muito boa nisso, já que às vezes demoro um pouco para me recuperar dos tombos. Na soneca da tarde, lembro de observar sua respiração para tentar igualá-la à minha. Achava que se respirássemos no mesmo ritmo, morreríamos juntos. Coisa de criança, mas gostava da sensação de pensar a vida sempre com a presença do meu pai.

O tempo passou, cresci, virei mãe e ele avô, aliás não têm como imaginar um avô melhor para meus filhos. Recordo um determinado aniversário seu que resolvi perguntar aos meus meninos uma dica de presente para o avô. A resposta eles tinham na ponta da língua: Um troféu de campeão. E assim foi feito e os netos, com a solenidade que o momento pedia, entregaram uma enorme taça para ele. Mais um lindo momento gravado na memória.

Avô e netos

E a vida seguiu seu curso e hoje sou quase uma velha filha, com um velho pai, que soube construir relações afetuosas com todos que cruzam seu caminho.

Hoje, com 82 anos, ele colhe os frutos de todo amor cultivado. Sem dúvida alguma uma das pessoas mais generosas e agradáveis que já conheci e que viu sua velhice, de fato ser instalada, aos 81 anos quando seu corpo lembrou, de mostrar à ele, que o tempo havia passado.

Mas remoer problemas não faz parte do seu repertório e atualmente tenho observado, enquanto procuro aprender, seus métodos eficazes para contornar alguns contratempos impostos pela idade.

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Meu pai continua a desenvolver o gosto pela vida e este parece ser o seu segredo. Estuda filosofia e a Divina Comédia, cujo percurso ao paraíso passa pelo inferno e purgatório. Será da velhice que Dante Alighieri se refere ou o próprio viver? Quem nunca viveu o inferno de Dante? Quem nunca adoeceu o corpo e a alma? Quem não?

Estuda História da Arte para entender o mundo sob a ótica da sensibilidade. Leituras infinitas são companhias constantes e através dos livros o mundo para ele se abre e ele pode continuar sendo, como velho, a pessoa que sempre foi.

Há quem desista de si, se entrega e se estraga. Espera o fim sem viver o começo de cada novo dia.

Tenho tanto que aprender com ele que tanto ainda tem a me ensinar.
Neste segundo domingo de agosto o dia é de quem fez e faz a diferença na vida de seus filhos, dos que desejam consertar o que possa ter sido danificado e dos que amam acima de qualquer dessabor.

Ao meu pai, o meu amor eterno e infinito. Meu caminho se faz ao seu lado, por hoje e por toda minha vida.

P.S. Meus sinceros agradecimentos à toda equipe do CELMI – Centro de Educação e Lazer para Melhor Idade, de Jundiaí -SP pelo trabalho de extrema qualidade que desenvolvem para os idosos da cidade. Às professoras Elaine, Angélica, ao professor Douglas e ao professor de filosofia Hildon Vital de Melo, que tive o prazer de conhecer na exposição da Tarsila, pela grandeza dos ensinamentos, o meu pedido: Continuem resistência. A magnitude do trabalho e dos conhecimentos de todos os professores do CELMI dignificam as inúmeras velhices tão desprezadas em nosso país.


Inscrições: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/intergeracionalidade-potencias-de-um-conceito-inexplorado/




Cristiane T. Pomeranz

Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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