Velhices: experiências e desafios nas políticas do envelhecimento ativo

Envelhecimento ativo: para onde rumar nessa invenção?
Ainda vivos, eis a palavra importante. Depois, mais isto: o que ocupa a capacidade de pensamento ainda preservada não é a preocupação com o que existe depois da morte, mas a mobilização dos recursos mais profundos da vida para continuar se afirmando.

Tereza Etsuko da Costa Rosa¹, Áurea Eleotério Soares Barroso², Marília Cristina Prado Louvison³

velhices-experiencias-e-desafios-nas-politicas-do-envelhecimento(“Vivo até a morte”. Paul Ricoeur)
O conteúdo do presente livro é uma expressão dos trabalhos desenvolvidos, no enfoque “amigo do idoso”, no contexto das cidades, bairros, equipamentos de saúde e de outras instituições bem como uma expressão dos trabalhos desenvolvidos em diversas entidades instituições de atendimento a idosos. A importância desta produção reside na possibilidade de, por meio dela, identificar, dar visibilidade, catalisar iniciativas empreendidas no âmbito dos governos, da sociedade civil e da iniciativa privada em favor da pessoa idosa.

¹Tereza Etsuko da Costa Rosa ([email protected]) é Psicóloga, mestre e doutora em Saúde Pública. Pesquisadora Científica e professora do Programa de Mestrado Profissional do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

²Áurea Eleotério Soares Barroso ([email protected]) é Pedagoga, Mestre em Gerontologia e Doutora em Serviço Social pela PUC-SP. Membro da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e da Pastoral da Pessoa Idosa.

³Marília Cristina Prado Louvison ([email protected]) é Médica, doutora em Saúde Pública. Pesquisadora do Instituto de Saúde. Assessora Técnica do Gabinete do Secretário e membro do Comitê de Referência em Saúde da Pessoa Idosa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 14 § Velhices:
experiências e desafios nas políticas do envelhecimento ativo.

São 32 artigos que versam sobre o histórico, sobre as ações, sobre os resultados e sobre as perspectivadas práticas, refletindo com maior ou menor clareza suas bases teóricas norteadoras e suas motivações para o desenvolvimento delas. Em que pese o nosso posicionamento favorável em relação ao quadro referencial do envelhecimento ativo e, portanto, ao do enfoque amigo do idoso, no geral, os textos focalizam aspectos variados da atenção ao idoso, expressando a amplitude temática, teórica e de gestão das ações na área do envelhecimento, e por isso não necessariamente expressam os posicionamentos específicos dos organizadores da coletânea.

Algumas considerações éticas e políticas

Ao longo do tempo as sociedades atribuíram significados diversos à velhice, o que implica dizer que não é possível compreendê-la apenas na sua dimensão biológica, mas como um fenômeno histórico,social e cultural. Em alguns lugares, os velhos foram preteridos, em outros acolhidos e até honrados, como nos mostra Beauvoir na obra A Velhice∗. Na passagem do século XVIII para o XIX, após o advento do processo de industrialização, os velhos passam a ocupar um lugar marginalizado na existência humana, “ não tendo mais a possibilidade de produção de riqueza, a velhice perde também o seu valor social”∗∗. A partir desse entendimento, os velhos são compreendidos como uma massa de iguais,dotados das mesmas qualidades, dos mesmos atributos, das mesmas potencialidades e não distintos uns dos outros, únicos, singulares. No entanto, a representação geral de velho é uma abstração, nas palavras de Frolich Mercadante∗∗∗: “existem diversos velhos, diferentes possibilidades de viver a velhice. A velhice não é uma situação homogênea e os velhos não são iguais”.

Embora um aprofundamento ou maiores fundamentações sobre temas tão complexos como ética e política fujam ao escopo da apresentação de um livro que visa dar um panorama das práticas e das políticas.

∗Beauvoir S. A Velhice: o mais importante ensaio contemporâneo sobre as condições de vida dos idosos. Tradução Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

∗∗Birman J. Futuro de todos nós: temporalidade, memória e terceira idade na psicanálise. In: Veras, R. (Org). Um envelhecimento digno para o cidadão idoso do futuro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.

∗∗∗Mercadante EF. A contrageneralização. Kairós, São Paulo. v.7, n.1,p.197-199, jun.2004

Envelhecimento ativo: para onde rumar nessa invenção? 

No campo do envelhecimento realizadas em âmbitos locais, pensamos ser oportuno assinalar alguns pontos com vistas a suscitar possíveis reflexões críticas ou, no mínimo, algumas indagações problematizadoras quanto ao cuidar no âmbito do envelhecimento e do relacionamento com os velhos; deixando também algumas indicações quanto a nossas intencionalidades. Acreditamos que algumas considerações éticas se fazem necessárias, na medida em que o cuidar, sempre subjacente às ações de atendimento a demandas apresentadas pelos idosos, caracteriza uma atitude bem delimitada quanto à ética e suas implicações políticas, por conseguinte, envolve uma escolha que merece ser explicitada. A razão das considerações políticas advém do desejo das organizadoras desta coletânea de influir no desenvolvimento de ferramentas de ação dentro de políticas públicas baseadas nos princípios de direito e de justiça social, voltadas para o bem-estar e de proteção social dos indivíduos em processo de envelhecimento.

Daí a necessidade de dar visibilidade aos diversos modos de fazer da infinidade de sabedorias práticas, que se atualizam nas intervenções com idosos aqui evidenciadas. Para ilustrar alguns pontos do nosso raciocínio partiremos da conhecida fábula de Higino∗, bastante utilizada quando se trata do tema cuidado: Certa vez, ao atravessar o rio, Cuidado (Cura) viu um pedaço de terra argilosa. Ocorreu-lhe então a ideia de moldá-lo, dando-lhe forma. Enquanto pensava sobre o que acabara de criar, interveio Júpiter. Cuidado pediu-lhe que insuflasse espírito à forma que ele havia moldado, Júpiter o atendeu prontamente. Cuidado quis, então, dar um nome à sua criação, mas Júpiter se opôs, exigindo que ele, que lhe dera espírito, fosse também quem devia dar-lhe o nome. Enquanto Cuidado e Júpiter (Zeus) disputavam sobre quem lhe daria o nome, apareceu a Terra que, tendo cedido parte de seu corpo para o que foi criado, queria também dar-lhe o seu próprio nome. Diante de tamanha contenda, decidiram que Saturno seria o juiz da disputa.

∗Higino viveu em Roma entre os séculos I a. C. e I d. C., escravo liberto pelo imperador Augusto, como filósofo se ocupou de todas as áreas do saber e como escritor sintetizou, a partir de mitos gregos e latinos, diversas fábulas, entre elas esta sobre o cuidado.

16 §

Velhices: experiências e desafios nas políticas do envelhecimento ativo

Saturno tomou então uma decisão equânime, proferindo a sentença: “tu Júpiter, por teres dado o espírito, deves receber na morte o espírito de volta; tu, Terra (Tellus), que cedeste do teu corpo, receberás o corpo de volta”. Mas como foi Cuidado quem o formou, a ele pertencerá enquanto viver. E havendo entre vós disputa insolúvel sobre o seu nome, eu nomeio: chamar-se-á ‘homem’, pois foi feito de húmus (terra fértil). Entre as diversas leituras possíveis da fábula, escolhemos esta que é a do tempo de vida (Saturno como deus do tempo que define o que é vida e morte) ou da duração do homem e seu destino irremediável, a morte, quando deixará de ser homem decompondo-se nas partes distintas (húmus e espírito). Enquanto dura a vida, o privilégio é de Cuidado, o criador. O homem pertence ao Cuidado,é sua condição de vida. A vida está em função do Cuidado e, por sua vez, o Cuidado em função do homem vivo (o que é redundante, porque homem morto é, segundo essa interpretação, só húmus e espírito, partes distintas do universo), pois somente assim, ele (Cuidado) o terá em suas mãos.

Paradoxalmente, a iminência da morte anunciada é que impulsiona o retorno do Cuidado, desta vez pela vida e o desejo da sua mais extensa duração. Mas o homem é transitório, a vida dura, é a própria duração, por isso enquanto há vida o homem é o próprio Cuidado. Conforme podemos notar, de imediato, estão presentes dois sentidos do cuidar. Boff, em sua obra Saber Cuidar∗, com base na mesma fábula, busca o sentido de cuidar na filologia da palavra cuidado, e nos chama a atenção para os diversos significados nela contidos. Conclui: “Por sua própria natureza, cuidado inclui, pois, duas significações básicas, intimamente ligadas entre si. A primeira, a atitude de desvelo, de solicitude e de atenção para com o outro. A segunda, de preocupação e de inquietação, porque a pessoa que tem cuidado se sente envolvida afetivamente ligada ao outro. … Quer dizer: o cuidado sempre acompanha o ser humano porque este nunca deixará de amar e de se desvelar por alguém (primeiro sentido), nem deixará de se preocupar e de se inquietar pela pessoa amada (segundo sentido).”.

Nos sentidos expostos pelo autor parece transparecer o dueto Cuidador-Outro a ser cuidado: um agente do cuidado e um objeto do cuidado. Escolhemos, propositalmente, um percurso de raciocínio incluindo as duas dimensões do cuidado para dar visibilidade, de um lado ao velho, “objeto do cuidado” e, de outro, ao “agente do cuidado” que expressaríamos como o cuidador em sentido amplo, isto é, todos os agentes junto aos sujeitos na situação de envelhecimento. Questionamos: afinal, quem é esse “outro”, objeto do cuidado?

Lançamos mão da Antropologia e da noção de alteridade para nos auxiliar a pensar a questão do Outro, para conhecer e refletir criticamente a questão do Outro como tudo aquilo que não é o Eu. Em suma, a diferença e o diferente. Em geral, na nossa experiência cotidiana as imagens do outro são criadas por nós mesmos, e tendemos a classificá-las como iguais a nós. Aquelas que não são iguais a nós, visto que outro é um diferente, necessitamos enquadrá-las empregando arsenais propícios em seus diversos contextos possíveis; sejam eles pedagógicos, assistenciais ou terapêuticos. Essas imagens enquadradas do Outro, como dizem Larrosa e Lara∗∗, “têm como função fazer os loucos entrarem em nossa razão, as crianças em nossa maturidade, os selvagens em nossa cultura, os estrangeiros em nosso país, os delinquentes em nossa lei, os miseráveis em nosso sistema de necessidades e os marginalizados e deficientes em nossa normalidade. ”A História tem nos mostrado que as sociedades conhecidas parecem permanecer fundadas essencialmente na força física e no vigor corporal, condições que são a priori desfavoráveis para a velhice.

Nas sociedades contemporâneas mais tardias, no entendimento da velhice coexistem, tanto imagens positivas de uma fase privilegiada para a realização pessoal dos indivíduos, quanto imagens pejorativas em que a relação entre decadência física, fragilidade e velhice as torna quase sinônimas, permitindo fazer a vinculação imediata entre aposentadoria e velhice com suas imagens depreciativas de improdutividade, imobilidade, pobreza,invalidez e quase-morte. De forma semelhante, no Brasil, a base das iniciativas tradicionais voltadas para a população idosa ainda consiste nas obras sociais de amparo à velhice, fundadas na preocupação com o desamparo e a solidão, associados de modo direto ao envelhecimento.

∗Boff L. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra, Petrópolis: Vozes, 1999.
∗∗Larrosa J, Lara NP. (org.) Imagens do outro. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

Velhices: experiências e desafios nas políticas do envelhecimento ativo

Não é tão difícil vislumbrar ao fundo, como uma aura, que se trata de uma relação entre agentes que, sentindo-se supridos, tentam suprir o outro,o carente, o objeto a ser cuidado. É importante frisar que essa observação não tem qualquer paralelo com uma atitude de desqualificar a importância da garantia dos direitos do idoso e das medidas para a sua proteção legal. No entanto, tem-se evidenciado que, tanto a Política Nacional do Idoso, instituída em 1994, quanto o Estatuto do Idoso, promulgado em 2003, ainda incluem em seus textos, de forma repetida e incisiva, referências a peculiaridades de enfraquecimento ou de depauperamento atribuídas à velhice, como condição geral∗.

Por conseqüência, também não é difícil de imaginar a natureza do conjunto e a tônica de várias das ações e programas formulados em decorrência da “força de lei”. No entanto, quanto a nós como agentes e sujeitos dessas políticas, se quisermos seguir na direção de práticas inovadoras em relação aos modos instituídos dominantes será preciso reconhecer a necessidade de reposicionar-se nessa relação com o outro, e no que diz respeito à própria noção de alteridade. Ora, o cuidado em qualquer de suas perspectivas, consiste em relações entre sujeitos. Desse ponto de vista, antes de tudo deve-se situar o cuidado como a capacidade de “inverter o olhar e compreender a imagem do outro não como a imagem que olhamos, mas como a imagem que nos olha e que nos interpela”∗∗.Portanto, além da atitude de desvelo e atenção para com o outro, é preciso incluir a dimensão do cuidado que é inerente e sempre acompanha o ser humano.

Nesse encontro com o outro, serão necessários, portanto, o compromisso e a responsabilidade com o outro percebido em circunstâncias que, por mais críticas, não tiraram dele por completo a capacidade de cuidar-se que é atributo essencial da humanidade do homem. A conseqüência minimamente necessária dessa percepção do outro implica numa performance do cuidador como capaz de discriminar as situações em que é o próprio outro que demanda ser cuidado, por hipótese predominantes, em que é a própria determinação do cuidar-se que precisa ser percebida e implementada.

Aqui colocamos o grande desafio de se incluir no horizonte do cuidado, no âmbito do envelhecimento, uma ética orientada no sentido de “ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença”, como na definição de alteridade de Frei Betto∗∗∗, que, ademais, não perca de vista que cuidar-se é um atributo essencial do sujeito que se apresenta em situações difíceis que o impelem a demandar ser cuidado. Paradoxalmente, em tempos de tão intensa produção de conhecimentos e de tecnologias para intervenções em prol do bem-estar físico e mental das pessoas que demandam cuidados, deparamo-nos também com uma profunda desconfiança em relação às suas finalidades e aos seus efeitos realmente pretendidos.

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Não seria justamente o nosso modo de fazer ciência um dos importantes fatores que determinam os limites para o que podemos enxergar como reais necessidades? Voltemos à alegoria de Higino, que nos serviu de ilustração para o desenvolvimento do tema e para problematizar a posição do agente do cuidado a fim de considerar mais alguns aspectos necessários. Na leitura que fizemos da fábula está indicado que o nome homem não nos remete à amplitude de seu ser (que inclui ar em movimento, respiração, psiquê), mas tão somente a um dos elementos de que consiste (húmus) e que apenas Cuidado o revela com o ser humano que lhe pertence no tempo de sua duração, portanto o homem é Cuidado e Cuidado é o homem.

∗Rozendo A, Justo JS. Sentidos e espaços da velhice na legislação brasileira. In: Trench B, Rosa TEC. Nós e o Outro: envelhecimento, reflexões,práticas e pesquisa. São Paulo: Instituto de Saúde, 2011. p. 35-58.

∗∗ Larrosa J, Lara NP. (org.) Imagens do outro. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

∗∗∗ Definição de alteridade de Frei Betto, disponível Aqui. In: Deslandes SF. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2006. P. 49-83.

20 §

Velhices: experiências e desafios nas políticas do envelhecimento ativo

Podemos interpretar que, se na alegoria parece haver um duplo (Cuidado e homem), a realidade a que a fábula se remete inclui homem-cuidado como um único ser, no qual ambos estão inextricavelmente ligados. Para José Ricardo Ayres, que também utiliza o mito em seu ensaio sobre “Cuidado e Humanização das práticas de saúde”,“Cuidar não é só projetar, é um projetar responsabilizando- -se; um projetar ‘porque’ se responsabiliza. E não é por outra razão que Saturno concede ao cuidado a posse da sua criatura ‘porquanto e enquanto se responsabilizar’ por sua existência”. O autor emprega o termo projetar no sentido do movimento de criação e de geração do ser vivente, e ao mesmo tempo ser ‘curador’∗ do projeto. Projeto de que é autor e, portanto, responsável por ele.

Entrando no jogo lúdico de Higino, poderíamos dizer que, mais do que nunca, estamos numa era de descolamento do “homem cuidado” para vislumbrar o Homem-Cuidado, projeto sem responsável unilateral. Para concluir, assinalamos que nas políticas do envelhecimento ativo que temos em nosso horizonte, ainda que em forma de utopia (no bom sentido), estão incluídos valores capazes de guiar ações que considerem o “responsabilizar-se por sua existência”, contido na fábula. Parece oportuno traçar um paralelo entre as práticas históricas com as crianças e as práticas contemporâneas com o envelhecimento e os velhos.

Se no cuidado à criança temos que deixar aflorar um devir-criança-em-nós sem deixarmos de ser os adultos cronológicos que somos, mantendo a nossa responsabilidade como adultos, algo homólogo é necessário quando se trata de cuidar na situação do envelhecimento, ou seja, é preciso igualmente parar de negar um devir-velho-em-nós∗∗. Somente a partir de seu reconhecimento nos poderá ser possível vislumbrar um sentido da alteridade que inclui o Homem-Cuidado a que nos referimos acima. Em outros termos, se não há dois lados no cuidado, talvez nunca possamos fazer melhor como cuidadores do que tentar nos inserir como intercessores-cuidadores∗∗∗ nos processos do cuidado que parecem demandar nossas ações.

∗Na interpretação de Heidegger (1998), em sua obra Ser e Tempo, acerca da fábula de Higino, emprega o termo Sorge que foi traduzido como “cura”, daí o termo curador utilizado por Ayres.

∗∗Ceccim RB & Palombini AL. Imagens da infância, devir-criança e uma formulação à educação do cuidado. In Maia MS. Por uma ética do cuidado. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. p. 155-183.

∗∗∗Intercessor, neste caso, foi empregado como uma designação diferenciada para os diferentes agentes que podem influenciar na situação de envelhecimento, tanto para reafirmar o instituído quanto para catalizar transformações. Potencialmente qualquer um de nós; mas contemporaneamente, esse papel está na alçada, sobretudo de geriatras e gerontólogos, de pesquisadores e críticos do envelhecimento, e de cuidadores de idosos, entre outros. Para melhor entendimento ver Costa-Rosa A, Rosa TEC. Envelhecimento, tempo e desejo na hipermodernidade. In: Trench B, Rosa TEC. (orgs) Nós e o Outro:envelhecimento, reflexões, práticas e pesquisa. São Paulo: Instituto de Saúde, 2011. p. 320-44.

Organização e conteúdo do livro

Esta publicação pretende, por um lado, dar visibilidade e voz a atores do Executivo e a atores de instituições do ensino, de organizações, de programas e de projetos, cujo entrelaçamento se dá por meio do fio do interesse e do envolvimento comuns com a população idosa. Por outro lado, visa apresentar elementos concretos capazes de propiciar o debate e a reflexão crítica problematizadora acerca de questões e práticas sociais relacionadas a esse segmento etário.

Em boa parte dos capítulos, por respeitarmos ao máximo o texto manuscrito dos autores, encontraremos uma linguagem quase coloquial, mantido propositalmente, para dar expressão à espontaneidade dos seus relatos. Nesse sentido, esses artigos não obedecem à formatação das normas tradicionais de apresentação de textos técnico-científico acadêmicos redigidos, normalmente, por especialistas. A obra foi estruturada em duas partes, onde na Parte I – Experiências no enfoque amigo do idoso, os autores dos artigos são, em sua maioria, gestores públicos do setor Saúde e Assistência Social, ou seus respectivos técnicos, e como protagonistas da implementação de políticas públicas, revelam suas práticas.

Esse conjunto de artigos atinge o objetivo de intercambiar experiências e modelos bem sucedidos que atuam com idosos sob a lógica do marco da política do envelhecimento ativo e do conceito de “age friendly” ou “amigo do idoso”, o seu equivalente em nossa língua, embora com a tradução o seu sentido seja questionável. De fato, a maioria dessas experiências foi impulsionada no contexto da Rede Paulista de Cidades Amigas do Idoso, coordenada pela Área Técnica de Saúde do Idoso da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e pelo Instituto de Saúde.

Cabe lembrar que a estrutura política destinada ao envelhecimento ativo baseia-se nos Princípios das Nações Unidas para Idosos, que são independência, participação, assistência, auto-realização e dignidade∗. O termo envelhecimento ativo e concepção subjacente foram adotados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no intuito de ampliar a noção de envelhecimento saudável, reconhecendo que além dos cuidados com a saúde, outros fatores afetam o modo como os indivíduos e as populações envelhecem. “Envelhecimento ativo é o processo de otimização das oportunidades para a saúde, a participação e a segurança, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem”. Esta ideia se fundamenta no pressuposto de que o modo como as pessoas mais velhas continuam a participar ativamente nas questões sociais, econômicas, culturais, espirituais e civis, mesmo depois de terem encerrado suas atividades de trabalho, determina a sua maior ou menor qualidade de vida.

E mais, essa ideia é extensiva também àquelas pessoas que apresentam alguma doença ou vivem com alguma necessidade especial, mas que devem continuar a contribuir ativamente para seus familiares, companheiros, comunidades e nações. “O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são frágeis, in- capacitadas fisicamente, e que requerem cuidados”. Outro pressuposto subjacente à concepção de envelhecimento ativo é a perspectiva de curso de vida,onde se “reconhece que os mais velhos não constituem um grupo homogêneo e que a diversidade entre os indivíduos tende a aumentar com a idade. Intervenções que criam ambientes de apoio e promovem opções saudáveis são importantes em todos os estágios da vida”. Tomando-se a capacidade funcional como uma função do curso de vida em uma linha contínua desde o nascimento, vida juvenil, vida adulta e velhice, tanto a forma da curva da capacidade funcional quanto a velocidade do seu declínio serão desenhadas conforme as influências que promovam mais ou menos opções saudáveis em todos os estágios da vida.

Seguindo essa abordagem, Alexandre Kalache, à frente da OMS em Genebra, Suíça, e Louise Plouffee coordenaram a experiência do Projeto Mundial Cidade Amiga do Idoso. Para entender as características de uma cidade amiga do idoso os próprios interessados, os idosos, foram ouvidos em entrevistas de grupos focais. Nas 33 cidades onde o projeto foi empreendido, foi solicitado aos idosos que apontassem as vantagens e as barreiras que eles encontravam em relação a transportes,moradia, participação social, respeito e inclusão social, participação cívica e em- prego, comunicação e informação, apoio comunitário e serviços de saúde e espaços abertos e prédios∗∗. Com base nos relatos sobre as características amigáveis ao idoso, as barreiras e as falhas existentes foi desenvolvido um checklist das principais características de uma cidade amiga do idoso e divulgado por meio da publicação do Guia Global: Cidade Amiga do Idoso.

A publicação do Guia objetivou,fundamentalmente, “mobilizar cidades para que se tornem mais amigas do idoso, para poderem usufruir o potencial que os idosos representam para a humanidade.”. Dessa forma, neste livro, registramos as experiências de cidades do estado de São Paulo, que são do nosso conhecimento, que incluíram em sua agenda programas e ações norteadas pela política do envelhecimento ativo e do enfoque amigo do idoso, não necessariamente, aquelas que adotaram rigorosamente a metodologia empregada no Projeto Mundial, anteriormente referido. No entanto, incluímos um conjunto de experiências que, ao seu modo, inovaram na forma de conduzir projetos de cuidados ao idoso, conferindo-lhe papel protagonista do seu próprio cuidado.

∗OMS – Organização Mundial da Saúde. Envelhecimento Ativo: Um Projeto de Política de Saúde. Uma contribuição da Organização Mundial de Saúde para o Segundo Encontro Mundial sobre Envelhecimento, Madri, Espanha, Abril 2002. Documento traduzido disponível Aqui, acessado em ago de 2009. Kalache, A; Kickbusch, I. A global strategy for healthy ageing. World Health, 4, 1997. p.4-5. Disponível Aqui. Acessado em 20/01/09. OMS. Plano de ação internacional sobre o envelhecimento. Brasília: Organização Mundial da Saúde, 2002

∗∗O roteiro com os aspectos pesquisados no projeto cidade amiga do idoso foi denominado Protocolo de Van- couver (Who age-friendly cities Projectmethodology. Vancouver Protocol, 2007) foi desenvolvido pelo Government of British Columbia do Canadá e está disponível Aqui: Cidade Amiga do Idoso. 2008. Versão traduzida para o português. Disponível Aqui, acessado em set de 2008.26 Idem.

24 §

Velhices: experiências e desafios nas políticas do envelhecimento ativo

Além disso, registramos práticas em serviços que se empenharam em avançar no conceito de acessibilidade, de comunicação, de informação e de gestão do cuidado, alinhados aos princípios dos serviços amigo do idoso, preconizados pela OMS. Consideramos que essas experiências inovadoras,ainda que incipientes, deveriam ser relatadas, dado que ainda não estamos totalmente preparados para organizar serviços em redes sócio-sanitárias que atendam a integralidade do cuidado ao idoso. As experiências relatadas podem indicar incipiência ou eventuais dificuldades no desenvolvimento de suas ações, porém, sem dúvida, elas indicam uma rede viva que podem contribuir para o acúmulo de conhecimentos sobre os modos de lidar com o envelhecimento individual e populacional. A reunião desses gestores e profissionais, por meio desses escritos, tem a pretensão de ter um papel inovador e ousado, com vistas à constituição de uma massa crítica para chegar cada vez mais longe na possibilidade de estabelecermos redes de cuidados e de implementarmos políticas públicas “amigáveis” a todas as idades.

A Parte II – Da sociedade civil a outras iniciativas públicas foi composta de artigos expressos por atores sociais da sociedade civil que tem se organizado em busca de soluções para as necessidades e problemas por eles apreendidos no âmbito do envelhecimento. As referências bibliográficas técnicas e científicas dos “fazeres” desses autores, na maio- ria das vezes, são substituídas pelos saberes da experiência cotidiana, a percepção empírica e a grande vontade de intervir numa realidade percebida como de sofrimento humano. Boa parte dessas experiências se passa no interior de associações civis conhecidas como Organizações Não Governamentais (ONG), que proliferaram no Brasil a partir do começo dos anos 1990,associadas aos movimentos populares∗.

A maioria das atividades desenvolvidas pelas entidades aqui representadas se concentra em alguns tipos de ações, tais como luta contra a exclusão e as desigualdades sociais, de promoção de direitos e de assistência social. Não é difícil de perceber a diversidade de características dessas associações, bem como a variedade nos seus mecanismos de mobilização e nas suas formas de participação nas políticas públicas. Todavia, merecem destaque por suas atuações nas diversas lacunas existentes em relação à atenção às necessidades dos idosos e aos meios que combatam a exclusão e a discriminação desse segmento etário. Não obstante, foram, também, incluídos, nesta parte do livro, textos redigidos por especialistas, nos quais vamos logo reconhecer o discurso científico-acadêmico, recheado de referências bibliográficas apoiando todo o relato. Trata-se, nesses casos, de ações e iniciativas realizadas por docentes e seus alunos, no âmbito das Universidades, objetivando, além de promover um cuidado específico a idosos, a promoção da formação e a da pesquisa na área do envelhecimento.

Nesse sentido, a troca de experiências entre iniciativas ligadas à formação de acadêmicos ao cuidado com pessoas mais velhas pode ser fator de interferência em mudanças mais amplas nos currículos universitários, preparando os futuros profissionais de saúde para as implicações do envelhecimento. O presente livro é o segundo volume correspondente à proposta de organização de uma publicação sobre Envelhecimento, realizada pelo Instituto de Saúde, onde se pretendeu focalizar o tema sob três perspectivas: reflexões, práticas e pesquisas.

∗Avritzer L. Sociedade civil e participação no Brasil democrático. In: Avritzer L. (org). Experiências nacionais de participação social. São Paulo:Cortez, 2009. p. 27-54.

O primeiro volume, organizado pelas pesquisadoras Belkis Trench e Tereza Etsuko da Costa Rosa, publicado em 2011 com o título Nós e o Outro: envelhecimento, reflexões, práticas e pesquisa, abordou o tema de forma eminentemente teórica, trazendo à reflexão algumas facetas do processo de envelhecimento, bem como certas singularidades que só recentemente começam a ter certa visibilidade. Aids e envelhecimento, envelhecimento e o hanseniano, envelhecimento e etnia, envelhecimento em situação de rua, envelhecimento e emigração, envelhecimento e população indígena, envelhecimento e gênero, envelhecimento e transexuais, envelhecimento e desejo na modernidade, são alguns dos temas desenvolvidos por pesquisadores e especialistas de diversas instituições de ensino e de pesquisa do estado de São Paulo e de outros estados, que foram retratados nesse volume.

O Instituto de Saúde tem dedicado atenção especial ao segmento idoso com o propósito de subsidiar gestores na tomada de decisão, seja na forma de publicações, como essas e outras (BIS No 47, abril de 2009) dedicadas a essa temática, seja na promoção de cursos para a formação continuada dos profissionais de saúde do SUS, bem como avaliando e acompanhando políticas de saúde para a pessoa idosa. Como sabemos, as Organizações das Nações Unidas (ONU) têm mencionado em diversos momentos que o envelhecimento populacional representará um dos maiores desafios para todas as sociedades no século XXI, dando destaque especial aos países em desenvolvimento. Assim, torna-se cada vez mais urgente o empenho de todos na proposição de ações centradas no envelhecimento ativo, ou seja, que assegurem a participação contínua do indivíduo idoso nas questões sociais, econômicas,culturais, civis e espirituais. Os textos reunidos neste livro e a trajetória do Instituto de Saúde na área do envelhecimento pretendem se constituir em uma contribuição nesse sentido. Disponível Aqui

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