Velhice: um diálogo com o tempo

Velhice: um diálogo com o tempo

A velhice precisa ser valorizada pelos órgãos públicos, os quais devem assumir o dever e responsabilidades de implantação e concretização de programas e projetos sociais, que valorizem o velho, pois não é um problema, ele tem problemas.

Rosenea Nascimento Alves Ikuno (*)

 

As estatísticas apontam ampliação da expectativa de vida da população idosa no Brasil. E o século XX foi um marco importante no estudo da velhice, que trouxe reflexos nos estudos atuais, agregando conquistas e levando a questões preocupantes e importantes, que apresentam um paradoxo em relação ao cenário contemporâneo vivenciado pelo idoso. O envelhecimento ativo e suas múltiplas dimensões têm sido estimulados. No entanto, as contradições que os paradigmas incitam, além do período referente a inexorável senescência, tem ocasionado sentimentos de muitas incertezas e inseguranças na aquisição de um longeviver com dignidade e perspectivas de concretos direitos. Um dos fatores de instabilidades tem sido ações governamentais, cujas políticas sociais com frequência são suspensas por evidentes negligências e também corrupção, por conta de descompromissados políticos que somente alegam, a respeito de tal quadro, a crise econômica do país.

Desafios determinantes

A constatação das adversidades no panorama social atual apontam múltiplas vulnerabilidades que o idoso enfrenta, e que atinge toda sua vida social, sobretudo em relação a sua saúde, quando quadros de várias patologias comprometedoras se instalam, afetando sua autonomia e trazendo inúmeras fragilidades causadoras de dependências biológicas e físicas, desencadeando, enfim, demandas socioeconômicas, psicológicas, culturais etc. A tendência desse cenário interfere diretamente na participação ativa do idoso, e nessa ótica tem emergido grandes desafios negativos, pois sua dependência acaba sendo afetada em diversos aspectos importantes. Há uma modificação que prejudica seu cotidiano, promovendo assim exclusões e invisibilidade em sociedade, tornando distante seu protagonismo como ser. Assim, se afirma uma inexistente equidade social de direitos, que tem se tornado cada vez mais utopia. Segundo a OMS:

O objetivo do envelhecimento ativo é aumentar a expectativa de uma vida saudável e qualidade de vida para todas as pessoas que estão envelhecendo, inclusive as que são mais frágeis, fisicamente incapacitadas e requerem cuidados (2005, p. 13).”

Empatia e o cuidado na saúde do idoso

Estatísticas indicam que a maioria da população idosa é atendida pelo SUS, e sabendo da precariedade de atendimento fragmentado e do protagonismo secundário e quase nulo do Estado, onde pouco se constata humanização nos cuidados diante das patologias crônicas, essa realidade tem abalado o estado psicossocial de famílias que, despreparadas para o cuidar, acabam abandonando o idoso e instalando assim diversas fragilidades.

O cuidado envolve tarefas desde a concepção do ser. Contudo, o entendimento em relação ao cuidar apenas vem quando passamos por igual experiências e aprendemos a acolher com afeto, cuidar da essência do outro, o que está no seu íntimo e escutar, respeitando e agindo com empatia.

Ao entrevistar idosos, questionando-os como gostariam de ser cuidados durante a hospitalização, DE JESUS MARTINS e colaboradores (2008) observaram que a maioria referiu que no ato de cuidar sempre estivesse presente a afetividade, a amizade, o amor, a dedicação e o respeito.

Vale ressaltar que a existência não permite representante, e ninguém deve viver a vida do outro. É primordial manter o olhar para a necessidade de estar bem para cuidar bem, caso contrário acabamos desenvolvendo a Codependência, patologia associada ao esquecimento de si mesma. Será crucial atentar para a divisão de tarefas no núcleo familiar, até mesmo em relação ao idoso, o que ele dá conta de realizar e assim detectar demandas que o restrinjam a colaborar no seu cotidiano. Esse agir otimiza tempo e favorece planejamento de ações que beneficiem ambos na rotina de cuidados, manter a visão que a saúde é: ter um lar com conforto, sono bom, bem-estar biopsicossocial, não implicando apenas em ausência de doença, entender que velhice não se resolve, mas sim se vive. Somos seres finitos, porém somos também resilientes, com possibilidades de realizar desejos e vivenciar sonhos.

Realidade, direitos e adaptação

A idade cronológica tem contrastado uma imagem que o idoso ainda tenta se identificar e aceitar, isso porque retrata fragilidades que o acometem em várias esferas político-social e emocional. Existe o desenvolvimento de demências, limitações, dificuldades cognitivas, entre outras, que o insere na rejeição social, familiar, exclusão e preconceitos, que afastam possibilidades de ser reconhecido como sujeito social diante do trabalho, da aprendizagem, proteção, direitos, etc. Essas questões existenciais tem nos levado a discutir a dificuldade do idoso em se adaptar ao meio real onde vive e necessita estar inserido. Há séculos o escritor Jonathan Swift (in memoriam 1667-1745) já citava tal incoerência:

Toda a gente desejaria viver muito tempo, mas ninguém quereria ser velho.” (Swift,1739).

Na ótica de que velhice não é idade e sim vida, a inserção do idoso é fundamental. Novos aprendizados permanentes junto às tecnologias atuais visam integrar e expandir suas relações através de conhecimentos novos e valorização da sua vida pregressa. Um aliado importante é o público jovem, que proporcionará a intergeracionalidade, acrescentando saberes diversos e gratificantes a ambos, favorecendo capacitações e um envelhecer com mais protagonismo, pois virá a agregar novas habilidades. Além disso, trabalho flexível, ocupação e horários, a essa população idosa e incentivar a probabilidade de aquisição de conquistas concretas sem fragmentação. É um processo no qual condutas recíprocas de respeito a princípios serão essenciais na abordagem desses cidadãos de direitos, conforme Artigo 205 da Constituição Federal:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Nessa conjuntura em que domínio de sentimentos e de apreensão em relação ao futuro apontam incontáveis dúvidas, situações tem levado parte desse público a repensar sua trajetória de vida buscando reflexões para possíveis alternativas de manter-se ativo e saudável perante as adversidades que tem surgido, vendo ser primordial cultivar a introdução de diferentes hábitos que auxiliem a manutenção de sua integridade física, emocional, mental e espiritual. Criar assim atividades que permitam vivenciar momentos de alegrias entre a coletividade, afastando desse modo costumes da velhice pregressa que engessam atitudes de empoderamento. Conforme sugere Hendrik Groen:

Simplesmente alugar o micro-ônibus duas vezes por mês para ir a algum lugar. Suponha que as seis pessoas que estão aqui na mesa participem e cada um sugira quatro programas; assim, teremos vinte e quatro passeios por ano; é um bom prospecto, não? (2016, p. 68).”

As instituições governamentais tem sido omissas quanto ao vigor das leis e políticas sociais públicas. Apesar da conquista do Estatuto do Idoso, poucas ações que já são de direitos tem sido colocadas em prática, causando assim todo tipo de desconforto e constrangimento à população idosa, sem falar da incidência de pesquisas recentes que apontam um cenário de velhos centenários. A sociedade civil e governo estão se preparando pra receber e atender esse público com suas emergentes demandas? Essas incógnitas nos remete a conflitivos diálogos, com a história de cada um que envolve futuro, passado e presente de indivíduos, que buscam se adequar a ideia de que a aposentadoria deixou de ser momentos de descanso, trazendo na contemporaneidade a existência de preconceitos e diversas realidades da vida social e individual que afetam o envelhecimento, numa perspectiva de novos idosos. Porém, sem o devido respaldo de sobrevivência humana. Conforme o Estatuto do Idoso no seu Artigo 9:

É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.”

Considerações finais

Nesse contexto de incertezas, questionamentos e problemáticas relacionados à concepção da velhice contemporânea e suas especificidades, constata-se necessidades urgentes e inadiáveis de se aliar personagens de conhecimentos da interdisciplinaridade, na busca por mediação e articulação que abranjam as diversas esferas governamental, formando uma equipe multidisciplinar junto a sociedade civil, e que se comprometa e se empodere para sanar paradigmas arcaicos e conseguir atuar nos indicadores de fragilidades reais e demandas atípicas que surgirão.

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Portanto, requer fomentar movimentos representativos, que tragam soluções efetivas para essa população idosa, que diante das inúmeras adversidades presentes tem se disposto a participar e contribuir nos espaços sociais, organização de novas interações sociais e se reinventando. Os idosos vem assumindo seu papel de cidadãos, acompanhando o investimento em políticas públicas para o idoso, participação ativa no Conselho do idoso como meio de reivindicar efetivação de seus direitos. Aos órgãos como Ministério de Desenvolvimento Social, Política Nacional da Assistência Social, Constituição Federal e outras instituições sociais, resta assumirem o dever e responsabilidades que levem a implantação e concretização de programas e projetos sociais, que valorizem o “novo velho” e a ancianidade. Enfim, que seja uma realidade ratificar que o velho não é um problema, ele tem problemas.

Referências

OMS. Envelhecimento ativo uma política de saúde. 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/envelhecimento_ativo.pdf. Acesso em 11 out 2018.

GROEN, Hendrik. Tentativas de fazer algo da vida. Editora Planeta do Brasil, 2016.

DE JESUS MARTINS, Josiane et al. A percepção da equipe de saúde e do idoso hospitalizado em relação ao cuidado humanizado. Arquivos Catarinenses de Medicina, v. 37, n. 1, 2008.

BRASIL. Lei 10.741/2003. Estatuto do Idoso. Brasília: MJ, 2003.

Autor: SWIFT, Jonathan; Poema; Versos sobre a morte do Dr. Swift ;1739.

BRASIL. Constituição Federal. 1988. Artigo 205.

 

(*) Rosenea Nascimento Alves Ikuno – Graduada em Serviço Social pela UNIP. Técnico de enfermagem Escola São Joaquim BP, Técnico enfermagem do trabalho Senac SP. Participação 2018, em 02 simpósios, 02 congressos referente ao Envelhecimento SP. Texto escrito para o curso de extensão Fragilidades na Velhice: Gerontologia e Atendimento, ministrado pela PUC SP no segundo semestre de 2018, E-mail: [email protected]

 

 

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