USP-Leste, matrículas para os cursos da Terceira Idade: dias 05 e 06/02

USP-Leste, matrículas para os cursos da Terceira Idade: dias 05 e 06/02

Para garantir uma vaga nos cursos mais concorridos da EACH, USP-Leste, o candidato deve chegar cedo. As matrículas começam às duas horas da tarde e é presencial.

Por Manuel de Barro

 

Inscrição – parte 8

Na EACH (USP-Leste) a matrícula é presencial. Voluntários organizam a legião de idosos que lota os auditórios. Os novatos chegam tensos, preocupados, mas os veteranos acolhem todos com carinho, sorrisos e muita disposição. É a festa da Aprendizagem ao Longo da Vida.

Os voluntários, estudantes de Gerontologia, sentem-se recompensados com a presença dos idosos e os tratam com paciência e atenção. Os idosos agradecem e se derretem de amores pelos jovens gerontólogos em gestação. Por isso, o idoso que entra na EACH só sai de lá dentro de um caixão.

A presença do idoso no ato da matrícula é importante para os alunos de graduação de todas as áreas cujas monografias focam essa parcela significativa da população.

Alunos de pós-graduação também aproveitam a presença dos idosos para realizar suas pesquisas. A universidade se transforma em um laboratório vivo nos dias de matrícula e o idoso se sente feliz por participar desse processo. Trata-se de uma troca saudável que amadurece o jovem e rejuvenesce o idoso.

A EACH tem uma localização privilegiada. Tomando o trem da CPTM, Linha 12, sentido Calmon Viana, na Estação Tatuapé, são apenas duas paradas. Não dá nem tempo de tirar uma pestana. Tomando o trem no Brás, ponto inicial da Linha 12, são três paradas. A estação se chama USP-Leste. Basta descer do trem e subir as escadas para se deparar com uma placa indicando Campus USP-Leste. Esqueça o endereço que aparece na internet, pois você já cai dentro da universidade.

De carro é tranquilo. Pegue a marginal sentido Ayrton Sena e, ao passar o CT do Corinthians, mantenha-se à direita para não perder a entrada da USP-Leste. É só seguir as placas. Boa matrícula e bom curso.

Continuando minha história

No semestre passado, quando me indicaram os cursos, as matrículas na EACH ocorreram primeiro, no dia 10 de julho, enquanto na USP-Butantã as matrículas se deram no dia 24. Neste intervalo, do dia 10 ao dia 24, Saboia só faltou enlouquecer. Esmiuçava os temas de cada programa, pesquisava, estudava, ligava para tirar dúvidas, especulava, perturbava todo mundo.

– Manuel, encontrei um curso muito bom na ECA, a Arte do Conto e da Crônica, quer fazer comigo, são duas vagas.

– A inscrição é por e-mail?

– Presencial.

– Presencial? Duas vagas? Ficou louco, Saboia. Sabe o que significa isso? Para conseguir uma vaga teríamos que dormir na fila.

– Manuel, você só vê dificuldade. Quem precisa aprender a escrever é você…

– Mas não num curso de graduação que oferece apenas duas vagas e exige a presença do candidato. Quem inventa isso é sádico.

– Sádico por quê?

– Os dois primeiros candidatos realizam a matrícula e o bando de velhinhos que chega depois têm que se contentar com as desculpas de uma secretária com cara de imbecil: sinto muito, seu Manuel, eram só duas vagas e já passaram mais de 50 interessados só na parte da manhã…

– Podemos ser os primeiros.

– Esquece, Saboia, se fosse sério a matrícula seria por e-mail.

Saboia sabia que eu precisava desenvolver a escrita. A psicóloga me orientou a escrever um diário. Quando comecei a tomar gosto pela coisa, o computador sumiu com o arquivo.

– Merda de computador!

– O que houve, pai?

– Não encontro o que escrevi. Tudo o que escrevi desapareceu.

– O senhor salvou como?

– Escrevi quase 30 páginas, acredita? Se tiver que reescrever, desisto. Acho que não salvei…

– Não precisa se preocupar, o próprio computador salva automaticamente.

Maurício tomou o computador das minhas mãos para procurar. Nunca revela o caminho das pedras, não tem paciência.

– Achou?

– Achei. Vou criar uma pasta e deixar na mesa para facilitar.

– Na mesa da cozinha?

– No desktop.

– Não entendi…

– Na tela do computador. No écran como o senhor fala. Na sua frente.

– Não precisa gritar.

– Vê a pasta? É só clicar em cima para abrir os arquivos. Assim, entendeu?

– Se você fizer por mim não vou entender nunca.

– É só o senhor prestar atenção.

Ensinei esse bosta a andar, falar, empinar papagaio e se equilibrar em cima de uma bicicleta como se eu não tivesse mais nada para fazer na vida. Hoje, para me ensinar a apertar um botão, é uma novela. De má vontade me orientou a colocar os textos em ordem dentro da pasta e numerar os arquivos. Enquanto eu organizava os textos, ele lia por cima do meu ombro.

– O senhor escreve bem. Se melhorar um pouquinho dá até para fazer um blog. Sua experiência pode ajudar muita gente…

– Não quero que ninguém leia. É só um exercício. Uma terapia como disse a psicóloga. A terapia da escrita.

– Terapia da Escrita. Este pode ser o nome do blog.

– Pare de ler – fechei o arquivo e ele pegou de volta o computador.

– Quero mostrar uma coisa para o senhor. É a professora Ecléa Bosi, idealizadora da UnATI.

– A que morreu no dia da matrícula da EACH, dia dez de julho?

– Ela mesma. É um vídeo. Um depoimento. Vou botar para o senhor assistir.

Deixou-me assistindo ao vídeo e foi se trocar. Deu tempo de ver três vezes.

– Gostou?

– Gostei. Para a professora Ecléa Bosi, o mais importante da UnATI é a interação dos jovens com os velhos, a troca de experiência, a convivência dentro e fora da sala de aula, a intergeracionalidade. Essa palavra existe, Maurício?

– Para uma palavra existir basta ser pronunciada.

– Ela fala bonito. Diz que idoso não pode ficar segregado.

– É isso aí – disse Maurício.

Fiquei pensando na ideia da professora Ecléa Bosi. Nada de jovens de um lado e velhos de outro. Sonhadora. Com essa ideia, em 1994, idealizou a UnATI. O nome diz tudo: Universidade Aberta à Terceira Idade. Abriu os cursos regulares da USP para receber idosos interessados em aprender qualquer matéria, qualquer disciplina. Quanta ousadia. Velhos e jovens lado a lado na sala de aula.

– Tiro o chapéu para essa mulher, Maurício, foi uma idealista.

– Revolucionária. Recebeu o título de Professora Emérita. Por isso achei que não haveria nada no dia da morte dela.

– As matrículas aconteceram normalmente. Parece que o povo lá nem ficou sabendo. Mas quer saber, aquilo que ocorria lá era uma verdadeira homenagem a ela. O sonho dela em ação. Os cursos são só para velhos, mas a molecada se mistura como voluntário, monitor, parceiro, é uma coisa legal.

– No fundo o senhor está gostando da ideia, né?

– Nunca disse que não. E quem coordena agora a UnATI?

– Vamos pesquisar… achei.

– Quem é?

– Dr. Egídio Lima Dórea. Vamos ouvir a entrevista que ele deu para a Rádio USP.

– Para, para, para.

– O que foi, pai?

– Volta um pouquinho? Aí, aí… ouviu?

– O que, pai?

– Ele chamou os alunos de “pacientes idosos”, ouviu?

Maurício duvidou. Voltou a gravação e confirmou o que eu disse.

– Foi um ato falho…

– A psicóloga diz que um ato falho revela mais sobre a pessoa do que tudo o que ela declara no plano consciente.

– Bobagem, pai. Podemos continuar?

– Sim… e agora, por que parou?

– O senhor ouviu isso?

– O quê?

– Nove mil pessoas se inscrevem semestralmente nos cursos da UnATI! É praticamente a mesma quantidade de alunos que entram pela Fuvest. Agora entendo porque criaram tantos cursos especialmente para idosos. Não tem como encaixar toda essa gente nos cursos regulares.

– Tem razão. É gente demais. Quer saber, Maurício, a maioria dos idosos nem se interessa por cursos regulares. Eu mesmo não quero. É muito puxado. Lembro quando você fazia faculdade e chegava em casa com um calhamaço de textos para ler. Não sei como dava conta.

– Não lia nem a metade. Mas pelo que entendi, o importante para o idoso não é o curso em si, mas o espaço de convivência, a socialização.

– Paciente idoso… no fundo acho que esse dr. Egídio tem razão.

– Pai, se tudo der certo o senhor vai fazer um curso com o dr. Egídio, não vá implicar com ele por causa dessa bobagem.

– Ato falho… que curso?

– Envelhecimento Ativo, lembra?

– Desde que não me trate por paciente…

– Tive uma ideia, vou levar o senhor para conhecer a USP-Butantã agora mesmo.

– Por quê?

– Porque no dia da matrícula não poderei ir.

– Mas quem disse que é para você ir?

– Chegar na USP-Butantã é um pouquinho mais complicado do que na EACH.

– Qualquer lugar deve ser mais difícil do que chegar na EACH. Lá, basta descer na Estação USP-Leste e pronto.

– A USP-Butantã é muito grande. Tem um ônibus, Circular USP, que sai do Terminal Butantã. Este ônibus circula dentro da USP inteira.

– Deixa ver se entendi. O Circular USP circula dentro da USP inteira, é isso? Depois eu é que sou o português.

– Pai, para de querer dar uma de engraçadinho e se troca. Vamos lá agora.

Andei no Metrô da Linha 4, Amarela, pela primeira vez. Embarcamos no primeiro vagão. Foi um déjà vu. Não consegui disfarçar a emoção. Meus olhos ficaram marejados. Meu filho percebeu.

– É o Metrô mais moderno do Brasil. Não tem maquinista – disse Maurício para ganhar tempo. – O que foi, pai?

– Em 1998, eu e sua mãe andamos na Linha 14 do Metrô de Paris. Matilde queria conhecer a igreja de Madeleine. Lembro como se fosse hoje. Embarcamos no primeiro vagão. Dava aflição ver aquele bicho se enfiar túnel a dentro como um monstro subterrâneo explorando as entranhas da terra. Sua mãe, feito uma adolescente, gritava como se estivesse andando em uma montanha russa.

– Essa viagem não foi em 2006?

– Em 2006 também estivemos em Paris porque sua mãe queria ver la ville lumière antes de morrer. Matilde era apaixonada pela simetria dos arcos, Défense, Triumph, Montparnasse…

– Pai, quer um lenço?

– Por acaso estou chorando?

– Está… chegamos. Vamos subir a escada rolante, sair na rua, virar à esquerda e de novo à esquerda. O ônibus vai estar nos esperando na mesma calçada da estação. Viu? Aquele é o Circular USP. Não tem como errar.

– Você não precisava ter vindo aqui só para isto…

– Quero que o senhor se familiarize com o trajeto, pois o dia da matrícula será muito corrido.

Tomamos o Circular USP. Em poucos minutos avistamos o totem gigante diante do Portão 1, o principal da Cidade Universitária. Não imaginei que era tão grande e bonita. Tem muito verde. Paisagem maravilhosa. Esculturas ao ar livre. Visual encantador.

– Não perde em nada para la Cité Universitaire de Paris.

– O senhor amanheceu com Paris na cabeça.

– Sua mãe queria conhecer a Casa do Brasil projetada por Niemayer para acolher os estudantes brasileiros… por isso fomos até lá.

– Mamãe amava a arquitetura moderna…

– Você precisa conhecer um prédio projetado por ela. Recebeu muita influência dos modernistas.

– Pai, nossa casa é modernista. Foi projetada por ela. Por isso o senhor ficou tão bravo com a reforma, lembra?

– Ela ia amar isso aqui…

– Mamãe fez pós-doutorado na FAU, esqueceu?

– Na época, a USP não era bonita assim. Aquele prédio é novo.

– É a Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin. O curso A Arte do Conto e da Crônica, que o Saboia queria fazer, é neste prédio.

– Ele falou que é num tal de IEB, Instituto de Estudos Brasileiro.

– De um lado é a Biblioteca, do outro é o IEB. O espaço é um só. E tem mais coisa. Tem uma livraria, um refeitório, um teatro.

– Você conhece bem aqui, né?

– Pai, sua neta estuda do outro lado da rua, na FFLCH. O que eu já andei com ela aqui dentro o senhor nem imagina. Quando o senhor estiver estudando aqui, veja a programação cultural da Biblioteca, ela oferece muitos espetáculos gratuitos. Qualquer um pode assistir.

– O ponto de ônibus se chama Brasiliana.

– Os pontos aqui têm nomes. Este agora é Reitoria/Bancos e o próximo é FEA. É só o senhor ficar atento. E nem precisa se preocupar em passar a catraca. Idoso pode descer pela porta da frente. Só precisa se preocupar com três pontos: FEA, Poli e HU.

Meu filho falava, mas eu já não escutava, olhava a paisagem, sentia-me na França ao lado de Matilde, admirando a arquitetura moderna. Por que você gosta tanto da arquitetura moderna? Perguntei certa vez. Matilde respondeu: “Porque de velha basta eu”.

– Passou o HU, viu?

– Rápido, né?

– É muito rápido. Por isso, assim que entrar no ônibus informe ao cobrador em qual ponto quer descer e ele avisará.

– Perderam o ponto? – perguntou o cobrador.

– Não. Peguei o Circular apenas para mostrar a USP ao meu pai. Ele vai estudar aqui.

– Geralmente é o contrário – observou o cobrador e rimos.

Retornamos ao Terminal Butantã e embarcamos de volta para a Estação Luz para fazer a conexão com a Linha 1, Azul, no sentido Jabaquara. Descemos na Estação Sé.

– O senhor ainda lembra onde fica o Largo de São Francisco?

– Qualquer rua dessas vai dar no largo – apontei na direção das ruas Senador Feijó e Benjamin Constant. – Antigamente eu comprava minhas roupas aqui, na Fatto a Mano, mas depois abriram uma na Vila Mazzei, perto da nossa casa…

– O curso da Sanfran é o que mais o senhor deseja fazer, não é?

– Filho, o que diabo é Sanfran?

– São Francisco. É assim que a molecada chama a faculdade, Sanfran. O senhor lembra qual é o curso?

– Maurício, você está com uma mania muito feia. Fala comigo como se eu fosse um velho gagá. Termina as frases assim: lembra? Esqueceu?

– O senhor lembra ou não lembra?

– Vê? Claro que lembro. Sempre quis fazer um curso na área do Direito…

– Esqueceu, né?

– Esqueci. São muitos cursos, concorda? Preciso ver o programa.

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– O curso é este, pai, O Prazer da Leitura e da Criação de Textos. O senhor tem muita imaginação, mas não consegue botar no papel. A psicóloga disse que se o senhor conseguir escrever pelo menos uma vez por semana pode manter o cérebro saudável até os 100 anos, mas para isso precisa explorar seu lado criativo e treinar a escrita como vem fazendo.

– Você leu o que escrevi no diário e disse que estava muito bom…

– Como descrição, sim. Mas o senhor precisa ir mais fundo. E eliminar toda e qualquer piadinha sem graça e palavras chulas. A leitura faz muito bem à mente e está ao alcance de todos, mas não se compara à escrita. Esta é praticada por poucos. Desenvolvê-la de um modo criativo pode ser a melhor forma de evitar o Alzheimer.

– Lá vem você de novo com essa história de Alzheimer.

– Pai, o senhor foi diagnosticado com TNL, Transtorno Neurocognitivo Leve. Início de Alzheimer, predisposição…

– Para de falar merda, Maurício, chegamos.

Estudar no Largo de São Francisco parecia um sonho. Se estivesse sozinho, passaria horas admirando toda aquela beleza. Ao contrário de Matilde, gosto de apreciar a arquitetura clássica, barroca e rococó. O interior do prédio é imponente. O grande saguão, o Pátio das Arcadas e das Corujas, os vitrais, as amplas escadarias de mármore, o mobiliário, tudo é muito especial.

– Vamos pelas escadas.

– O senhor aguenta?

– Vamos devagar. Não estamos com pressa, estamos?

– Esta é a primeira faculdade do Brasil. A USP nasceu aqui, sabia?

– Claro. Antes dessa faculdade existir, quem quisesse estudar Direito teria que se deslocar até Coimbra.

– Como o senhor sabe?

– Você acabou de dizer que não havia faculdades no Brasil.

– Pai, este é o Prédio Histórico. A matrícula será no Prédio Anexo.

– Entramos aqui só para conhecer?

– O senhor já vai entender. O Prédio Anexo fica do outro lado da rua. Existe uma passarela que interliga os dois. Passa por cima da rua Riachuelo.

– Belos vitrais… Independência… Primeira Missa… São Paulo antiga…

– O senhor ouviu o que falei?

– Sim. Olha lá a seta indicando a passarela…

Cruzamos a passarela e tomamos o elevador para o quinto andar do Prédio Anexo. Maurício é muito meticuloso. Levou-me até a sala da matrícula. Informou-se sobre o curso e disse que eu queria me matricular.

– As matrículas seriam iniciadas no dia 24 a partir das 11 horas da manhã.

– Por que perguntou se já sabia?

– Para ganhar tempo e o senhor fixar bem o lugar.

Retornamos pelo elevador, descemos no segundo andar e cruzamos a passarela de volta para o Prédio Histórico.

– Qual o sentido dessa coisa na boca da passarela?

– É a Arcada Solitária. Indica que o prédio novo é uma extensão do velho, uma continuidade, uma coisa só.

– Solitária ou Solidária?

– Não sei, pai, depois o senhor pesquisa na internet.

Fiz questão de retornar pelas escadas, olhando com mais atenção os vitrais.

– Gostei do passeio – admiti, pois é raro passear com meu filho.

– Pai, não foi um passeio, o senhor veio aqui por um motivo, lembra?

– Lembra? Lembra? Lembra? Quando vai parar com isso?

– Decorou o caminho?

– Tem seta indicando o caminho, tem a Arcada Dentária. Como vou esquecer?

– Solitária.

– Já que estamos aqui, vamos continuar o passeio. Quero entrar na igreja.

– O senhor pode ir. Vou tomar um caldo de cana. Espero do outro lado da rua.

– O Saboia também se interessou por esse curso?

– Claro.

– Ele se inscreveu em dois cursos na EACH, na segunda-feira. Vai ser corrido para ele. Duvido que consiga.

– Por que ele fez isso?

– Se empolgou com as mocinhas. Faz tudo para agradar. Precisa ver a quantidade de pesquisas que respondeu. Na hora de fazer a matrícula, uma mocinha indicou alguns cursos e ele nem pensou duas vezes, matriculou-se em todos. Ele não contou? Dormir e Origami na segunda, Anos 70 e Turismo na terça e Batucar na sexta. Só aí já são cinco.

– Todos os cursos são muito importantes. Batucar é um ótimo exercício e deve ser bem divertido. Origami exigi muito da mente e é sem dúvida uma atividade prazerosa. E não tem nada mais importante do que dormir bem.

Ter Saboia como colega de turma na EACH (USP-Leste), no Largo de São Francisco e na USP Butantã foi um plano arquitetado por Maurício para seu sogro cuidar de mim e para nos reaproximar.

Conheci Saboia há 16 anos em uma festa junina na escolinha das crianças. A filha dele fez par com meu filho na dança da quadrilha. A amizade entre Maurício e Márcia nos aproximou. Convidei-o para tomar vinho quente e comer um churrasquinho.

– Saboia, você me lembra uma pessoa…

– Quem?

– O pai do Pimentinha.

Não deu a menor atenção para o meu comentário, sequer imaginou que eu me referia a um personagem de quadrinhos, um sujeito magro com óculos de fundo de garrafa pendurado na ponta do nariz pontudo.

– Sua mulher não pode vir?

– Minha mulher faleceu durante o parto – disse Saboia.

– Sinto muito.

– E a sua?

– Continua viva, mas na luta contra o cancro.

– Vida de militante não é fácil, entendo, fui sindicalista…

– Depois eu é que sou o português.

– Você é português ou não é?

– Da gema. Melhor, português de meia viagem, pois é como chamam os madeirenses.

– Trabalha no ramo de madeira?

– Sou economista. Trabalho no Banco Espírito Santo.

– Ligado à Igreja? Ao Vaticano?

– Espírita… estou a brincar. É um grande banco português. E madeirense é quem nasce na Madeira. Mais um vinho quente e um churrasco?

– Pode ser.

– Nesses 12 anos de viuvez não surgiu outra mulher?

– Como sabe que faz 12 anos?

– É a idade da Márcia, não é?

– Márcia é a mulher da minha vida.

Naquele momento, vendo como Maurício segurava a mão de Márcia, zombei do pai do Pimentinha.

– É melhor arrumar outra…

Prognóstico errado. Márcia assumiu o papel de mulher da vida de Saboia e Maurício se tornou o homem da minha vida depois que minha mulher faleceu. No velório, tive uma das muitas discussões que marcaram minha amizade com Saboia.

– Por que nunca me contou que sua mulher tinha câncer?

– Contei há seis anos, no nosso primeiro encontro, na escolinha…

– Você disse que sua mulher era militante política, estava na luta contra o cancro, minha memória é muito boa, jamais iria esquecer se tivesse me dito que Matilde tinha câncer.

– Depois eu é que sou o português.

– Por que você repete essa bobagem o tempo todo?

– Porque cancro e câncer são a mesma coisa!

Saboia fechou a cara. Deduziu que eu o considerava burro. Como tem a autoestima baixa, nossa amizade sempre foi marcada pela desconfiança.

– Ufa, até que enfim esses dois vão desencalhar. Para mim foi uma surpresa.

– Para mim não foi diferente. Curioso é que não falam em alugar ou comprar casa, móveis, nada… – disse Saboia, tão desconfiado do casamento entre Maurício e Márcia quanto eu. – Este casamento está muito estranho. Nenhum enxoval, nenhum plano. Maurício falou alguma coisa sobre levar a Márcia para morar na sua casa?

– De jeito nenhum. Pensei que fosse o contrário, que se mudaria para morar com vocês.

Ninguém mudou. Casaram e continuaram como estavam.

– Vocês não vão morar juntos?

– Não.

– Nem pretendem ter filhos?

– Não.

– Por mim tudo bem, tenho netos, mas Saboia…

– Fale só pelo senhor. Quem disse que Saboia quer netos?

– Fazem sexo, pelo menos?

– Chega, pai.

– Por que você e Márcia não fazem alguma coisa juntos?

– O quê, pai?

– Terapia de casal.

– Nós não precisamos.

– Quando a pessoa diz isso é sinal que precisa… aprendi com minha psicóloga.

Cheguei a pensar em me mudar, me matar, fazer qualquer coisa para libertar meu filho. Na minha cabeça, eu era o problema. Saboia pensava diferente.

– Não tem nada a ver com a gente. É a opção deles. São adultos, não são?

– Quando conheci Matilde, tudo o que eu queria era estar ao lado dela, dia e noite. Não é assim com todo mundo?

– Não. Minha relação com Susy era bem diferente. Nunca tive esse sentimento de posse. Ficava contente quando ela estava presente. Susy trabalhava muito…

Na minha casa, mantenho a estante da sala coberta de fotos. Fotos de nossas viagens. Fotos com nossos filhos. Matilde adorava viajar e posar para fotos. De vez em quando pego os álbuns e passo horas rememorando cada momento.

– Saboia, você tem fotos da sua mulher?

Pela primeira vez me convidou para ir ao seu quarto. Imaginei uma penteadeira coberta de fotos como é a estante da minha casa. Havia uma única foto sobre o criado-mudo. Uma mulher de biquíni em um estúdio, uma linda mulata.

– Sua mulher era modelo?

Saboia apenas riu. Não me deixou tocar no porta-retratos. Fiquei com a impressão que não era uma foto de verdade, mas uma página sacada de uma revista. Saboia é branquinho. Márcia é uma mistura dos dois, acanelada, uma morena linda.

– Maurício, a Márcia está com algum problema?

– Por quê?

– Outro dia a encontrei na rua e a achei um pouco pálida.

– Não tem nada errado com a Márcia.

Márcia fez arte plástica. É uma grande artista. Sua obra mais popular é esse peixinho que vemos grudado nos carros de todas as marcas. Ela atua nos dois extremos, dá aula para crianças em um orfanato e para velhos em uma ILPI. Tudo sem ganhar nada.

Márcia conquista todos com seu sorriso encantador e sua voz anasalada. Só tem uma coisa que não gosto nela, fala com os velhos da mesma forma que fala com as crianças. Adora um diminutivo. Certa vez fui assistir a um jogo com o Saboia e ele me ofereceu uma cerveja. Aceitei. Foi buscar e voltou só com uma lata.

– Não vai beber?

– Minha filha está fazendo um mingauzinho de aveia…

Márcia serviu o pai e me olhou com aquele sorriso lindo nos lábios.

– Quer experimentar meu mingauzinho, seu Manuel.

– Guarde seu mingauzinho para o Maurício…

Assim que Márcia deixou a sala, Saboia fez um comentário maldoso:

– Se seu filho gostasse do mingauzinho da minha filha eu já seria avô há muito tempo.

Fui embora na mesma hora. Foi só mais um dos nossos desentendimentos. Parei de frequentar sua casa por um bom tempo. Nossa amizade azedou como mingau fora da geladeira. Com essa história dos cursos, voltamos a nos aproximar.

– Pai, Saboia é seu melhor amigo, o senhor precisa ajudá-lo.

– Se quisesse ajuda, apareceria no clube como todo mundo.

– Ninguém naquele clube quer ser ajudado. O senhor falou com seus amigos sobre os cursos?

– Falei e todos se interessaram, mas a USP é muito longe…

– É longe pra quem está parado no tempo. Saboia quer ir em frente. O senhor quer ir em frente. Sigam juntos.

– Saboia primeiro precisa aprender a ser velho.

– O senhor pode ser seu professor.

– O melhor professor é o tempo.

Depois eu continuo.

Leia as partes 1, 2, 3, 4, 5 e 6 desta história

Parte I: Atividade intelectual previne Alzheimer

Parte II: USP: vagas abertas à terceira idade

Parte III: USP: cursos gratuitos para idosos

Parte IV: USP convoca idosos para cursos gratuitos

Parte V: USP oferece cursos gratuitos para idosos

Parte VI: Cursos grátis para Idosos na USP: matrículas abertas

Parte VII: Envelhecimento Ativo na USP: inscrições abertas até 02 de fevereiro

Serviço: Confira os cursos oferecidos pela Universidade Aberta à Terceira Idade (UnATI- USP) para o primeiro semestre de 2018 no link: https://prceu.usp.br/3idade/sao-paulo/


Mário Lucena

Jornalista, bacharel em Psicologia e editor da Portal Edições, editora do Portal do Envelhecimento. Conheça os livros editados por Mário Lucena.

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