USP acaba com a solidão de senhoras da Zona Leste

Com um mês de funcionamento, a USP da Zona Leste está gerando renda extra para os moradores das imediações da universidade. Famílias estão alugando quartos em suas casas para os estudantes que vieram de longe. Mas por trás da relação comercial, alguns proprietários estão resolvendo outro problema: o da solidão.

Marici Capitelli

 

É que senhoras, que viviam sozinhas em suas casas, ganharam a companhia dos universitários. “Elas são jovens e trouxeram muita energia”, afirmou a aposentada Therezinha Foloni, 67 anos, que alugou quartos para quatro garotas do Interior de São Paulo.

A assistente social Ieda de Menezes Reis, 41 anos, da Divisão de Promoção Social da USP, é quem faz o papel de intermediária entre os que querem alugar e os alunos que precisam de moradia. Segundo ela, o objetivo principal das famílias que oferecem quartos é aumentar a renda.

“Mas é muito interessante. As mulheres, principalmente as senhoras idosas e viúvas, querem alugar os quartos também porque se sentem sozinhas e dizem isso o tempo todo. Já os homens têm uma visão mais de negócios”, explicou Ieda.

Segundo ela, os pais preferem quartos em casa de senhoras. “Eles se sentem mais seguros com a presença de um adulto por perto.” Diante da falta de moradia na região, no final de janeiro, a assistente social espalhou anúncios no comércio local para as pessoas interessadas em receber os estudantes da USP Leste. Não faltaram interessados. Eram em média 15 ligações por dia. E ainda hoje são cerca de três pessoas oferecendo vagas em suas residências.

As ofertas são de todos os tipos. “Nós visitamos os imóveis, mas não são todos que indicamos para os alunos.” Entre os exemplos estão casas em favelas. “Também fomos até um conjunto da CDHU onde moravam senhoras interessadas em alugar. Mas existia uma situação complicada de violência e, só de ver o local, nem fomos até os apartamentos”, afirmou a profissional.

Outro aprendizado para a assistente social foi adequar o nível de exigência dos imóveis com relação à região. “Nós não podíamos ficar exigindo padrões de casas parecidos com o do câmpus do Butantã.”

Em sua avaliação, o grande desafio é que os alunos encontrem moradias perto da universidade, a um preço acessível e com segurança. “Os pais dos estudantes do Interior e de outros Estados vieram nos procurar muito aflitos porque a Zona Leste tem fama de violenta e a preocupação deles era encontrar um local seguro.”

No início, os preços dos imóveis disponíveis foram às alturas. Um morador que reformou toda a casa para atender 15 estudantes estabeleceu o valor de R$ 350 para cada estudante. “Nós orientamos os alunos que o valor estava muito elevado e que eles deveriam negociar.” O resultado é que os preços atualmente variam de R$ 180 a R$ 200 para os que alugam quartos. Já os apartamentos saem na faixa de R$ 600 com condomínio.

Entretanto, na avaliação de Ieda, a tendência é que os aluguéis subam na região, já que no próximo ano serão pelo menos mais mil novos alunos. Atualmente são 1.020 estudantes distribuídos em 10 cursos.

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Com essa idéia de investimento, moradores estão procurando a assistente social para mostrar suas residências e informar que estarão fazendo reformas para começar a atender os alunos no próximo ano. Será feito um cadastro dos interessados em alugar, a exemplo do que ocorre na Cidade Universitária há cerca de 20 anos.

Mas existem situações diferenciadas. Uma funcionária pública aposentada, de 52 anos, que não quer ser identificada, alugou dois quartos da própria casa para sete moças. Para alugar os dormitórios, investiu cerca de R$ 4 mil entre mobília e melhorias. Só que a casa é alugada e por isso ela não pode ter a identidade revelada. “Com o dinheiro que recebo das estudantes, pago o aluguel e alguma conta”, afirmou a locatária, que cria sozinha três filhas adolescentes.

Universitárias não dão trabalho e trazem alegria

Durante um ano, Rachel Rodrigues da Silva, 78 anos, que mora sozinha, tentou alugar um apartamento por R$ 400 no prédio que ela e o marido construíram ao longo de uma vida de trabalho, misto de comércio e residência. Mas as exigências da imobiliária eram muitas e os interessados nunca eram aprovados.

“Um dia fui ao mercado e vi o anúncio. Achei que era a oportunidade.” Ela conseguiu seis inquilinas ao preço de R$ 150. E a casa das moças, que vieram do Interior, fica ao lado da proprietária. “Para nós é ótimo esse ambiente de família porque os parentes da dona Rachel sempre nos ajudam com tudo, de informações de transporte até passar fax”, contou Mariana Real, 18 anos, cuja família está morando em Cascavel.

A casa da dona Rachel também deu segurança para Thaliane Morgado dos Santos, 19 anos, estudante de Obstetrícia. “Nós que somos do interior, vemos pela televisão que São Paulo é uma cidade muito violenta e ficamos muito apavoradas. Ficar em uma casa foi mais seguro”, disse a jovem que é de São José do Rio Pardo.

“Para mim foi um achado. No dia da matrícula eu e meu pai saímos procurando moradia. Vi algumas moças entrando na casa da dona Rachel e me joguei lá dentro. Ainda bem que deu certo.” Simpática, dona Rachel agradece. “Elas são ótimas meninas e não dão trabalho. É muito bom ter jovens por perto. Eles trazem alegria.”

Na casa da aposentada, três jovens

As casas das senhoras idosas foram as mais procuradas pelos pais dos estudantes que vieram de longe. “Meu pai só ficou sossegado quando viu a dona Therezinha. Isso pesou muito na escolha”, contou Denise Aparecida Borges, 20 anos, aluna do curso de gestão ambiental, que é de Aparecida, no Vale do Paraíba.

Karina de Lima Flauzino, de 19 anos, estudante de gerontologia, chegou a visitar um sobrado onde estavam se juntando várias garotas para morar no imóvel, no estilo república. “Nem eu nem meus pais gostamos da aglomeração até que encontramos a casa da dona Therezinha. Só então eles ficaram tranqüilos.” Na casa, elas acabaram conhecendo as outras duas inquilinas. Uma é de Caconde e outra de Promissão. Elas ocupam dois quartos e o banheiro da casa de Therezinha, que vivia sozinha no imóvel com quase 100m2. Também podem usar cozinha, sala e lavanderia. Pagam R$ 160 cada. Como a proprietária mora no imóvel, logo se estabeleceu uma relação de amizade e afeto. E são longas as conversas entre elas. “Às vezes, acho que até me intrometo demais. Mas fico preocupada. Tenho netos com idades parecidas”, contou. Por ironia, o seu neto de 19 anos se mudou para uma república no Butantã para ficar mais perto da Cidade Universitária onde estuda.

Therezinha, que é aposentada e pensionista, disse que inicialmente alugou os quartos por questões financeiras. “Com a minha renda, não estou conseguindo fazer a manutenção da casa. A última reforma foi há 12 anos.” Com o dinheiro extra, ela pretende aplicar em melhorias na residência. As meninas agradecem. “Com a presença dela diminuiu um pouco a falta que a gente sente de casa”, diz Karina.

Fonte: Jornal da Tarde caderno 18ª – Domingo, 10 de abril de 2005. Acesse Aqui

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