Uso indiscriminado de fraldas descartáveis pode provocar lesões em adultos no primeiro mês de uso

O uso da fralda é uma estratégia a ser utilizada em casos nos quais o paciente está grave, acamado, não tem controle sobre as suas eliminações e quando a saída do leito é contraindicada. O uso indiscriminado da fralda traz danos à saúde (física e emocional), com a associação feita pelos pacientes de que ‘a fralda é coisa de criança, o que causa desconforto e vergonha’”, diz Mônica Franco Coelho, em um estudo pioneiro sobre o tema.

Beltrina Côrte

 

uso-indiscriminado-de-fraldas-descartaveis-pode-provocar-lesoes-em-adultos-no-primeiro-mes-de-uso-revela-pesquisaMônica Franco Coelho, enfermeira, professora de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, analisou a utilização de fraldas em hospitais em sua pesquisa de doutorado, recém defendida na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, intitulada “Impacto do uso de fraldas descartáveis no paciente hospitalizado: estudo de análise de sobrevivência”.

A fralda descartável é cotidianamente utilizada como uma forma de facilitar o trabalho da equipe de enfermagem em algumas unidades de saúde, mas seu uso indiscriminado pode trazer prejuízos à saúde das pessoas. É o que aponta Mônica em um estudo pioneiro no país, ao detectar a frequência de infecções no trato urinário (ITU) e lesões cutâneas nos 30 primeiros dias de uso da fralda descartável em pacientes adultos hospitalizados.

A fim de conhecermos mais sobre o seu estudo, tão importante para uma sociedade que envelhece e que muitos de nós, talvez, venhamos um dia a fazer uso de fraldas, entrevistamos Mônica Franco Coelho, que atenciosamente se disponibilizou a responder nossas questões.

Portal – Monica, o que te levou a fazer este tipo de pesquisa?

Mônica Franco Coelho – O estudo teve no grupo de trabalho da minha orientadora de doutorado, Professora Alessandra Mazzo, docente da EERP-USP, que dentro da linha de pesquisa “Assistência de enfermagem nas eliminações urinárias”, havia realizado um projeto inicial com a aluna Thaís Christini da Silva sobre uso de fralda descartável em pacientes internados em Ribeirão Preto. Os resultados iniciais deste estudo nos fez questionar vários aspectos relacionados à assistência de enfermagem aos pacientes em uso deste dispositivo e a necessidade de avaliar como esta prática ocorre, se é realmente indicada, entre outras indagações. Diante destes dados e com o que vivenciei na minha prática enquanto enfermeira assistencial, me encantei com a temática que, embora simples, traz um impacto extremamente importante para uma assistência de enfermagem de qualidade. O meu primeiro contato com a Professora Alessandra ocorreu em setembro de 2013, no qual iniciamos as etapas de revisão da literatura, elaboração e planejamento da pesquisa. A coleta dos dados foi iniciada após os procedimentos éticos pertinentes, sendo realizada no período de 10 de fevereiro a 10 de abril de 2014.

Portal – Você já percebia algum incômodo na tua atuação profissional?

Mônica Franco Coelho – O uso da fralda descartável me chamou mais a atenção no serviço de urgência e emergência de um hospital de grande porte, no qual, grande parte dos pacientes que eram internados colocavam fralda. Coincidência ou não, meses após esta experiência, tive contato e a oportunidade de trabalhar com esta temática, que havia me despertado interesse enquanto enfermeira assistencial.

Portal – Há uso indiscriminado de fraldas em adultos?

Mônica Franco Coelho – O objetivo do trabalho foi caracterizar os pacientes que fizeram uso de fralda durante o período de internação hospitalar e identificar a ocorrência de infecção do trato urinário e lesões decorrentes do uso de fralda. No entanto, com base nas observações realizadas durante a coleta e da minha vivência prática, a falta de recursos humanos, um ambiente físico inadequado, a falta de uma avaliação clínica individualizada e planejada bem como a supervisão da enfermeira, são fatores que influenciam no uso indiscriminado da fralda. Posso citar como exemplo o serviço de urgência e emergência, local em que fazia a seleção dos pacientes para o estudo. Neste local a fralda é utilizada com a finalidade de substituir a roupa íntima do paciente, que no momento da internação coloca a roupa do hospital. Pude identificar na fala dos profissionais de enfermagem a preocupação com a exposição do paciente e a fralda como um recurso para não deixar o paciente desnudo nos corredores onde as macas ficam distribuídas. Além disso, a distância a ser percorrida pelos pacientes até o banheiro, bem como o risco de queda para estes subirem e descerem das macas, era critério para o profissional colocar a fralda descartável. Devo destacar um resultado que surpreendeu positivamente, após a transferência dos pacientes do serviço de urgência e emergência para outras unidades da instituição observei que a fralda era retirada assim que o paciente recuperava a capacidade de utilizar dispositivos auxiliares ou deambular.

uso-indiscriminado-de-fraldas-descartaveis-pode-provocar-lesoes-em-adultos-no-primeiro-mes-de-uso-revela-pesquisaPortal – Que outras alternativas existem para que não haja uso indiscriminado?

Mônica Franco Coelho – Alternativas como o encaminhamento do paciente para utilizar o vaso sanitário, seja deambulando ou em cadeira higiênica com auxílio de um profissional da equipe de enfermagem, o uso de dispositivos auxiliares (papagaio e comadre) devem ser priorizados. A fralda descartável deve ser utilizada em situações específicas, devendo o enfermeiro avaliar a real necessidade deste recurso. Casos como o de pacientes que são incapazes de solicitar auxílio ou fazer uso de dispositivos auxiliares, pacientes graves que não são capazes de se movimentar ou precisam fazer repouso absoluto no leito e pacientes incontinentes são exemplos em que o uso de fralda é apropriado. Este estudo foi pioneiro, os dados iniciais de caracterização e identificação dos problemas associados ao uso da fralda descartável em adulto e idoso, não se tem dados que possa comparar esta prática em diversas unidades, novos estudos são necessários para que seja possível fazer esta comparação.

Portal – Você chegou a pesquisar o número de fraldas gastas por dia?

Mônica Franco Coelho – A pesquisa não avaliou quantidade de fralda utilizada ou frequência na troca deste dispositivo, não é possível fazer esse cálculo com os dados científicos que dispomos na literatura atual. No entanto, devo deixar bem claro, que desde que o paciente se beneficie do uso da fralda, a troca do dispositivo deve ser realizada sempre após qualquer eliminação (urinária e/ou gastrointestinal), na ausência de eliminações deve-se trocar a cada três horas. Adiar a troca do dispositivo com o objetivo de economizar o número de fraldas utilizadas é fator de risco importante para o desenvolvimento da infecção urinária bem como para as lesões cutâneas. O impacto financeiro está relacionado à infecção do trato urinário e às lesões cutâneas relacionadas ao uso da fralda. Embora a úlcera por pressão não tenha sido avaliada na pesquisa, observou-se um número elevado de casos nos indivíduos que utilizaram fralda. Estes problemas, além de causar desconforto e prejuízo à saúde do paciente, aumentam o consumo de materiais, medicamentos, podendo elevar o tempo de permanência do paciente internado e consequentemente elevação no custo do tratamento do mesmo.

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Portal – O tipo de fralda influi?

Mônica Franco Coelho – Outro aspecto importante refere-se ao tipo de fralda, qualidade e características (tamanho, permeabilidade, entre outras) algumas instituições dispõem de apenas um tipo de fralda descartável. Já vivenciei situações em que não é ofertado todos os tamanhos de fralda, o que compromete a qualidade da assistência de enfermagem nas eliminações urinárias.

Portal – Afinal, por que ocorre o uso indiscriminado da fralda?

Mônica Franco Coelho – O problema do uso indiscriminado da fralda está associado à falta de conhecimento, como disse anteriormente, não dispomos de material sobre a temática para a população adulta e idosa. O automatismo na realização das atividades também pode ser visto como uma agravante, coloca-se a fralda porque faz parte de uma “rotina”, porque já se colocou em um paciente com características semelhantes. Com base no que observei e no que foi verbalizada em alguns momentos pelos funcionários a intenção do uso da fralda era sempre por acreditar que traria conforto para o paciente ou a preocupação com o risco de queda do mesmo. Temos que considerar também se nos locais onde o uso indiscriminado da fralda é elevado a distribuição pacientes/funcionários está adequada, considerando o grau de dependência de cada paciente em relação ao cuidado de enfermagem. Se o número de funcionários é restrito isso certamente influencia na opção de se colocar fralda no paciente, pela falta de tempo disponível para ações como encaminhar o paciente até o vaso sanitário ou oferecer dispositivos auxiliares (papagaio, comadre) no momento em que ele sente necessidade. O uso indiscriminado da fralda descartável é influenciado por inúmeros fatores, desde a impressão do profissional da enfermagem sobre a necessidade do paciente até a opção do modelo assistencial e dos recursos humanos que a instituição dispõem.

Portal – Poderia nos explicar melhor a frase: “A fralda descartável é importante na assistência ao paciente hospitalizado, no entanto, o uso não é pautado em dados de pesquisas, mas sim na prática dos profissionais das instituições”.

Mônica Franco Coelho – Durante a elaboração do trabalho fiz uma busca na literatura para compreender como este fenômeno acontecia e o que era indicado como uma boa prática clínica para o paciente adulto e/ou idoso que utiliza fralda descartável. Para minha surpresa, não encontrei artigos científicos tanto nacionais quanto internacionais, os guidelines do Centro para o Controle de Doenças (CDC), da Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar (APCIH) e o Europeu também não apresentam diretrizes acerca desta prática. Diante deste contexto, se não existem pesquisas e diretrizes para a assistência de enfermagem a pacientes que utilizam fralda descartável, esta prática é realizada de forma empírica e não uma prática baseada em evidência científica. A enfermagem é uma ciência e como tal deve ser praticada com embasamento teórico adequado. Este trabalho identificou a carência de conhecimento específico nesta área, sendo necessários mais estudos a fim de se compreender melhor todos os aspectos relacionados ao uso da fralda descartável no adulto e/ou idoso e suas consequências para o indivíduo, enfermagem, a instituição e a própria sociedade.

Portal – Por que as infecções no trato urinário e lesões cutâneas são comuns nos 30 primeiros dias de internação e não nos demais?

Mônica Franco Coelho – Este resultado foi surpreendente, pois a hipótese inicial era que quanto maior o tempo de uso da fralda descartável maior seria a incidência dos problemas associados à sua utilização. Por se tratar de um estudo de caracterização, optou-se por trabalhar com um número maior de variáveis com a finalidade de compreender de forma ampla este fenômeno. Desta maneira, com base nos resultados da pesquisa apenas podemos elaborar hipóteses. Uma das hipóteses pode ser a gravidade dos pacientes atendidos, que inicialmente estariam mais vulneráveis ao desenvolvimento destas complicações e com a sua melhora clínica estes agravos ocorreriam com menos frequência, praticamente inexistindo a partir do trigésimo dia de uso da fralda descartável. Mas é apenas uma hipótese baseada apenas na minha impressão enquanto pesquisadora.

Portal – Como foi a pesquisa com 183 sujeitos?

Mônica Franco Coelho – A pesquisa não foi através de entrevistas, pela gravidade dos pacientes admitidos no serviço de urgência e emergência, considerando a dinâmica da instituição e o tempo disponível para a coleta dos dados foram utilizadas informações do prontuário do paciente e conversa diária com a equipe de enfermagem responsável pela assistência de cada um dos pacientes acompanhados. Do total de 183 pacientes que fizeram uso de fralda durante a internação hospitalar, 114 (62,3%) homens e 69 (37,7%) mulheres. Quanto aos diagnósticos médicos principais destes pacientes, de acordo com o que constava na evolução médica diária houve predomínio de três grupos de doenças, agrupados de acordo com classificação internacional das doenças (CID-10), 43 (23,5%) Capítulo XIX – Lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas externas, 30 (16,39%) Capítulo IX- Doenças do aparelho circulatório e 21 (11,5%) Capítulo XI- Doenças do aparelho digestivo. Destacam-se os diagnósticos de traumatismo não especificado, acidente vascular cerebral não especificado, septicemia não especificada, hemorragia gastrointestinal sem outra especificação, hemorragia subdural devida a traumatismo e traumatismo intracraniano não especificado.

Portal – Em pesquisa sempre há fatos engraçados, qual foi o teu?

Mônica Franco Coelho – O fato engraçado foi relacionado aos funcionários, alguns logo que me viam na unidade falavam “a enfermeira da fralda” e vinham me falar dos casos ou até esclarecer dúvidas. Já na execução da pesquisa pude contribuir, sensibilizando ou pelo menos sinalizando para os profissionais o problema da fralda descartável.

Portal – Você disse que as pesquisas científicas que analisam o uso de fraldas estão voltadas à pediatria, certo? Como você explica isso em um momento que a população mundial e brasileira estão envelhecendo rapidamente? A Ciência não está preparada ou as agências de fomento e estudantes não pensam ainda em pesquisas com a faixa etária mais avançada?

Mônica Franco Coelho – Eu esperava encontrar pesquisas relacionadas à fralda por se tratar de um aspecto básico da assistência, mas me surpreendi e também tive dificuldade para fazer as correlações com a minha pesquisa. O que preconizei no estudo em relação aos cuidados ao paciente adulto e idoso que utiliza fralda foi baseado no que artigos da pediatria comprovaram ser eficientes para se evitar a infecção do trato urinário e as lesões cutâneas. Esta adaptação deve ser apenas um começo para se buscar o que é realmente efetivo para este outro público, visto que a população idosa tem características específicas que devem ser consideradas no planejamento da assistência de enfermagem. A mudança no perfil demográfico alterou a demanda nas instituições de saúde, teve início nos países desenvolvidos e posteriormente nos países em desenvolvimento. No Brasil essa realidade se faz presente há algum tempo, posso dizer que em 2007 o número de pacientes idosos atendidos nos serviços de urgência e emergência já eram claramente percebidos. Na época meu Mestrado identificou a prevalência dos atendimentos relacionados às doenças cardiovasculares, características dos efeitos do processo de envelhecimento. Ou seja, este fenômeno não é recente, a ausência de pesquisas nesta área é reflexo de uma falta de interesse dos pesquisadores por um tema aparentemente tão simples. As pesquisas hoje devem estar direcionadas para solucionar e aprimorar a prática, problemas simples como a fralda descartável podem nos surpreender e colocar em questão como o nosso cuidado está sendo realizado.

uso-indiscriminado-de-fraldas-descartaveis-pode-provocar-lesoes-em-adultos-no-primeiro-mes-de-uso-revela-pesquisaPortal – Que ações efetivas na prevenção de problemas associados ao uso da fralda você recomendaria quando teremos cada vez mais adultos envelhecentes e idosos?

Mônica Franco Coelho – Como disse, as ações identificadas como mais adequadas para a prevenção destas complicações foram efetivas para o público infantil e devem ser melhor estudadas para estas outras faixas etárias. Os dispositivos de barreira (pomadas, cremes, gel) devem ser aplicados nas regiões da pele em contato com a fralda desde o momento em que esta é colocada pela primeira vez. Preferencialmente utilizar dispositivos de barreira hidrossolúveis por serem removidos mais facilmente. A troca da fralda deve ser realizada logo após a eliminação (urinária ou gastrointestinal) do paciente, a umidade causa maceração na pele, facilitando o desenvolvimento de lesões e a entrada de microorganismo. Em cada troca, deve-se realizar a higiene íntima com água e sabão PH neutro. Na ausência de eliminação, a fralda deve ser trocada a cada 3 horas, promovendo a ventilação da pele.

Portal – Uma boa fralda é importante…

Mônica Franco Coelho – Sim, a escolha de uma fralda de boa qualidade, com plástico apenas na área central, com uma capacidade de absorção proporcional ao volume das eliminações do indivíduo e o tamanho adequado são fundamentais para a qualidade da assistência. Mas estas práticas não são eficazes se o enfermeiro tomar consciência da sua importância para o planejamento da assistência ao paciente nas eliminações urinárias. Cabe a este profissional fazer uma avaliação minuciosa do paciente, avaliar as condições clínicas e capacidades do mesmo para indicar ou não o uso da fralda descartável. Caso a fralda seja realmente indicada, o enfermeiro deve orientar sua equipe quanto aos procedimentos a serem realizados e supervisionar diariamente, com vistas a prevenção e identificação dos problemas que possam se manifestar com o uso da fralda.

Portal – Você quer comentar algo mais?

Mônica Franco Coelho – Tive muita satisfação em realizar esta pesquisa, pela importância da temática, o retorno para a qualidade da assistência ao paciente e por ter sido realizada na instituição em que trabalhei e pela qual tenho imensa admiração e respeito. Quero agradecer aos colegas (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem) de todas as unidades da instituição nas quais coletei os dados, a Direção de enfermagem, a Direção médica e aos escriturários pela ajuda que foi fundamental para alcançar os objetivos do estudo.

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