Um Doutor do A ao Z

Já havia três anos que palavras novas, outra vez, voltaram a andar soltas por toda a casa. Algumas eram compreendidas de forma trocada, equivocada. Outras não significavam absolutamente nada, até mesmo para os pais, e, a maioria delas, precisava de intérprete para traduzir e chegar ao verdadeiro significado. Isadora, a irmã, há alguns anos doutora do ABC, especializou-se neste dialeto. “Papum, abum e colpé” eram somente algumas delas que ecoavam no meio deste universo completamente infantil, colorido de carrinhos, adesivos, bonecos, caminhões e soldadinhos de plástico; bolas de futebol. De repente, neste novo mundo, começaram a aparecer novos elementos. Estranhos, pois não tinham rodas, braços, olhos nem boca. Não obedeciam a qualquer controle remoto. Mesmo assim “falavam” e “contavam”.

Alcides Freire Melo *

 

um-doutor-do-a-ao-zLápis, papel, tinta, colas coloridas, bastões de cera, pincéis e, principalmente, as borrachas vindas de outra “dimensão”, se uniram e formaram um exército. Não emocionou muito no primeiro momento. Conquistadores e determinados travaram a primeira batalha contra os carrinhos e venceram.

Também sem esforço, os bonecos super-heróis foram derrotados. Letras e números que faziam este exército tornaram-se invencíveis e ganharam mais antipatia. Fizera outro “Big Bang”. Criou-se assim um novo universo. Nascia uma nova terra com mapas, formas e cores sobre os brancos papéis. Formava-se um mundo completamente desconhecido pela maioria dos adultos. Uma Terra com grandes possibilidades de paz e maiores ainda de felicidades. E assim acontece a criação de um universo sem limites, para nunca mais ser esquecido por nenhum de nós. O da leitura!

Logo, traços, curvas e linhas, e desalinhos riscados nos papéis foram sendo dobrados, alinhados, modificados e suas trajetórias, antes livres, interrompidas e orientadas. Outros traços foram enrolados, esticados e ganharam uma forma “estranha” e difícil de ser moldados por mãos tão pequenas. De corpos longos, braços e pernas curtas estes estranhos personagens foram ganhando nomes e não poderiam, por hipótese alguma, ser renomeados. A forma como eram “desenhados” cada um, talvez. Este aprendizado foi auxiliado pela invenção didática criada em casa, ação que supera, e de bem longe, toda a metodologia acadêmica da forma de ensinar o alfabeto e os números. O “b”, por exemplo, um traço com uma bolinha embaixo.

Cada letra e número tinham uma história sobre sua forma, meio ou fim a serem aprendidos. O problema mesmo era a intromissão destas criaturas no universo infantil do Rafael.

um-doutor-do-a-ao-zDe repente, estavam os números enroscados nos cordões dos carrinhos. E as letras, pior ainda, todas pregadas nas rodas. Grudaram nos pedais e travaram também as rodas da motoca. “Entraram” no computador e apagaram os jogos. Desligaram todos os filmes do DVD. Mexeram com o humor da mãe, mudaram

a rotina da casa. Travou um game, desligou a TV. As letras, por fim, fizeram amizade, foram os primeiros. Forçados, é bem verdade. O “R” que parecia só começar o nome Rafael, olhado agora “de braços dados” a outras seis letras formava um nome: RAFAEL!

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Abrem-se sorrisos e começam outros jogos e brincadeiras. Agora com muitas outras possibilidades, cores, formas, formatos e infinitos pixels e gigas.

– “Sei ler! Já sei contar tudo e contar até cinquenta sem precisar de ajuda. Posso ser piloto, médico e jogador?”

Pode. Agora pode.

Saber ler é possuir poderes para comprimir o universo e expandir seus amores e sentimentos. É poder desenhar e escrever, com letras cursivas, uma história de vinte palavras em três páginas de um caderno. Depois contar outra em quatrocentas páginas de um livro. É ter a edição traduzida para vários idiomas, a partir do português e assinada com um nome que começa com uma letra que é uma linha, uma bolinha encima e desce uma perninha. É o “R” de Rafael Ximenes Melo. Saber ler é poder sonhar com o doutor do ABC, formado em setembro de 2013 e, anos depois, fazer o lançamento de seu livro com quatrocentas páginas e todas as letras.

um-doutor-do-a-ao-zEscrever é assim: contar os sonhos, as histórias da mãe Socorro, que enrolou o primeiro canudo, amarrou um laço incolor e mandou este menino seguir a primeira estrada das letras e números para colorir o laço do canudo.

Para saber quantos gols foram feitos, quantos dias faltam para o aniversário, ler o que estava escrito nos DVDs sem capa e escolher sozinho qual filme assistir, foi tudo que o Rafael precisou para emocionar a mãe Socorrinha, que perdeu o controle ou assumiu a emoção da vitória e não parou de chorar. Não parou nem ao som das flautas dos alunos que tocavam engasgos para os pais e desafinavam o coração das mães.

Tocavam os gritos e as promessas de castigos dados pela Socorrinha para o Doutor do ABC não perder a concentração. A emoção chegou até a nossa casa nova e a festa foi uma folha de papel com a terra desenhada com o nome embaixo, uma baleia e a família com todos os nomes: Socorro, Alcides, Isadora, que ainda é pronunciado Dadora, e claro, o Rafael Doutor das letras.

Te amamos “Bode” Doutor do A ao Z.

* Alcides Freire Melo – Repórter fotográfico e cronista em diferentes periódicos.

Email: [email protected]

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