Travestis que envelheceram: sobreviventes num mundo hostil desde a juventude

Ao eleger o tema de sua pesquisa de mestrado em Gerontologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pedro Paulo Sammarco Antunes apostou num assunto desconhecido por grande parte da população e até mesmo entre o grupo que pretendia estudar: o envelhecimento das travestis, pessoas que sofrem toda sorte de preconceito desde a adolescência. “Elas são consideradas abjetas antes mesmo de começar todo o seu processo de transformação. O que dirá, então, quando ficam mais velhas?”, indaga Pedro.

Maria Lígia Mathias Pagenotto

 

Travestis-que-envelheceramPara sobreviver, criam estratégias, pois faltam políticas públicas capazes de lhes assegurar a dignidade e o respeito pela escolha que fizeram.

Abaixo, conheça mais sobre a pesquisa desenvolvida por Pedro Sammarco e os seus desdobramentos. Psicólogo de formação, defendeu, em setembro de 2010, a dissertação “Travestis envelhecem?”, orientado pela professora doutora Elisabeth Frohlich Mercadante.

Por que escolheu fazer mestrado em gerontologia?

Com certeza, a intensa convivência que sempre tive com os idosos de minha família, desde a infância, até os dias de hoje, levou-me a esse caminho. Atualmente, meu avô paterno, Breno Sammarco, de 95 anos, mora em minha casa, junto com meus pais. É uma pessoa que admiro muito, com uma lucidez e uma memória espantosas e uma belíssima história de vida, que até foi retratada no Portal do Envelhecimento.

Como se decidiu pelo seu tema de pesquisa e como foi o seu desenvolvimento?

A princípio ia pesquisar sobre gays idosos, porém soube que já havia uma pessoa fazendo esse trabalho. Então, tive um “insight” sobre a ausência de trabalhos a respeito da velhice dos travestis. Achei que seria muito interessante desenvolver esta pesquisa e foi o que fiz. É uma área pouco explorada, achei fascinante me aprofundar no desconhecido, contribuir com algo concreto, necessário, discutir o preconceito duplamente – o fato de ser velha e travesti. Para dar conta do meu objetivo, realizei três entrevistas abertas, com foco em histórias de vida. Uma delas, inclusive, a de Phedra de Córdoba, foi publicada parcialmente no Portal. As travestis, por serem consideradas desviantes e anormais, já são vistas como não humanas desde tenra idade. Atravessam a vida como invisíveis e sob muito preconceito. Por causa disso, improvisam suas existências em contextos violentos. Suas expectativas de vida são baixas. As que vivem até a chamada velhice, podem ser consideradas verdadeiras sobreviventes. Acabam servindo de referência e exemplo para as mais jovens.

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Que desdobramentos acha que esta pesquisa teve na prática ou ainda terá?

Acredito que minha pesquisa possa servir de ponto inicial para o doutorado, onde pretendo fazer um levantamento de demandas para a elaboração de políticas públicas para esse segmento da população em todas as suas faixas etárias. A denominação travesti é uma construção, criada para organizar o funcionamento de nossa sociedade. Em meu estudo, aponto como as ciências biomédicas, com sua apropriação dos corpos humanos, determina o que é considerado normal e, portanto desejável, do que é anormal, patológico e indesejável. A intenção é compreender o impacto que tais diagnósticos terão sobre aqueles que são reconhecidos como anormais em relação ao que foi denominado de gênero sexual. O objetivo principal da pesquisa resultou no levantamento de demandas e necessidades em relação às travestis. Percebe-se que precisam urgentemente de políticas públicas que as reconheçam como humanas desde sempre. Dessa forma chegarão à velhice com dignidade e respeito, já assegurados pelos Direitos Humanos Universais.

O que o mestrado e a pesquisa acrescentaram em sua vida pessoal e profissional?

Estou trabalhando mais amplamente, não me fixo só na psicologia. Percebi que natureza e cultura acontecem simultaneamente. Antes achava que eram separadas. Foi muito libertador perceber essa conexão entre natureza e cultura. Acho ainda que, devido ao número quase inexistente de pesquisas sobre envelhecimento e velhice de travestis, fez-se necessário esse estudo, que não pretende esgotar o tema, mas sim iniciar uma importante discussão.

Quais os principais desafios que enfrentou durante o desenvolvimento da pesquisa?

O principal foi encontrar bibliografia e travestis acima de 60 anos que quisessem falar sobre suas vidas.

Quais são seus próximos passos na vida acadêmica a partir deste mestrado? E na vida profissional?

Estou iniciando o doutorado para levantamento de demandas para elaboração de políticas públicas para travestis. Percebi a ausência dessa atenção. As travestis, como já disse, precisam ter assegurado o direito de todos de se reconhecerem como humanas desde sempre, o que não ocorre. Hoje elas atravessam a vida como invisíveis. Saem de casa muito jovens, ou são expulsas. Também não encontram apoio na escola, por isso abandonam os estudos. Com baixa escolaridade, cercada de preconceitos, a maioria encontra na prostituição acolhimento afetivo, de moradia e funcionalidade mínima para sobreviver. Suas expectativas de vida são baixas. As que vivem até a chamada velhice podem ser consideradas verdadeiras sobreviventes.

O que diria para quem está começando a estudar na área?

A gerontologia é uma área muito gratificante, que permite muitos tipos de pesquisa. Além disso é um segmento extremamente promissor, pois a população idosa está aumentando cada vez mais em todo mundo. Em relação à minha pesquisa, especificamente, vejo que o assunto é extremamente complexo e há muito ainda a ser feito. Convido todos os pesquisadores e interessados a continuarmos esse trabalho gratificante e desafiador.

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