Somos todos flores e eu te ofereço rosas

Somos todos flores e eu te ofereço rosas

Somos todos flores. Rosas que exalam perfume, que cativam e acalantam todo sofrimento e solidão sentida pelo ato de cuidar.

 

Algo nele parece constantemente chorar, talvez seja o cansaço que sente por ter, pelas circunstâncias da vida, se tornado o principal e único cuidador da sua esposa. Até seus 80 anos, tudo parecia acompanhar um fluxo possível de percorrer, até que de uma hora para outra a vida começa a mostrar que nem tudo são flores.

Aos poucos, o que era deslize de memória, evoluiu para uma demência em que o não lembrar parecia ser o menor dos problemas, já que ele não se importava em repetir inúmeras vezes a mesma coisa.

Difícil foi aprender a lidar com a oscilação de humor e a agressividade que passou a camuflar por completo a doçura que sempre foi sua característica.

E sua parceira por mais de 50 anos, começa então a mostrar sinais de um alguém irreconhecível. Como lidar com isso?

Seu dia começa cedo e convencê-la a tomar banho logo ao acordar tem sido exaustivo assim como os passeios e os poucos compromissos sociais que lhes restam.

Filhos, genros e noras parecem não compreender o que de fato acontece com ela já que ao vê-la uma vez ou outra é sempre muito diferente do convívio diário.

Ele, heroicamente, gerencia o cuidado e como um super-herói carrega nos ombros toda angústia vivida.

De um tempo para cá uma tristeza incontrolável parece tomar conta de si comprometendo a qualidade deste cuidar.

Falta-lhe paciência. Falta-lhe compreensão. Falta-lhe coragem.

Sim! A vida é feita de muitos espinhos que arranham nosso viver, impedindo-nos de apreciar a própria flor.

Paulo Von Poser é um artista brasileiro que se tornou referência na Arte da atualidade. Conhecido como o “pintor das rosas” ele fez desta flor algo muito maior do que um tema de trabalho. A rosa, na obra do Paulo, se tornou sua assinatura.

Pintor, escultor, arquiteto e professor são apenas algumas atribuições dadas à ele. Versátil e adepto a diversas formas de expressão, Paulo Von Poser pintou uma rosa pela primeira vez em 84 aos 24 anos. Naquela época, quando seu amigo deixou de dividir o apartamento com ele, Paulo encontra um quadro de um vaso com rosas pintado por sua avó e a casa que era agora só dele passa a ser um convite para a solidão. Ao voltar para casa após sair de madrugada, passava para comprar pão e aproveitava para comprar uma rosa.

Desta maneira, chegar em casa sozinho para tomar o café da manhã passou a não mais ser uma experiência solitária. Dividia com a rosa esse momento solitariamente vivido e usava a inspiração vinda de sua avó para alavancar seu processo criativo.

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Cuidadores de idosos que vivenciam este ato, tantas vezes solitário do cuidar, devem compreender a importância de buscar sua própria rosa para dividir toda essa solidão.

Os espinhos já são familiares o suficiente, basta agora apropriar-se das condições necessárias para viver a própria flor. Cuidar do outro não pode ser um ato deserto e cuidar de si é a melhor e única maneira para se florescer. Ninguém floresce sendo um herói sozinho. Só é possível viver a rosa se aprendermos a lidar com os espinhos. A melhor maneira de lidar com aquilo que dói é dividir a dor.

O contato com a obra de Paulo Von Poser é uma sugestão que fazemos ao cuidador de idoso que deseja uma oportunidade de contatar a própria flor, existente e escondida pela angústia sentida. Suas rosas são um convite a repensar o ato de cuidar e a vivenciar o cuidar de si mesmo como ferramenta essencial do cuidado.

Somos todos flores. Rosas que exalam perfume, que cativam e acalantam todo sofrimento e solidão sentida pelo ato de cuidar.

Somos todos flores. Flores com espinhos que ferem e que geram incômodo que, de pouco em pouco, se torna insuportável.

Mas são os espinhos, vividos dolorosamente, que nos ajudam a desejar a flor.

Aos cuidadores de idosos que tentam bravamente cuidar de um outro alguém, desejamos que a obra do Paulo Von Poser possa servir de inspiração a um florescer, só capaz de existir, quando o cuidar de si passa a se tornar o âmago do cuidado.

Somos todos flores.

Com os desejos mais sinceros: Te ofereço rosas.

Serviço

Kit artístico para cuidadores de idosos do Paulo Von Poser: https://www.facamemoriasemcasa.com.br/copia-paulo-von-poser-rosas

 

(*)Texto escrito inicialmente para o site Plug And Care

 

Cristiane T. Pomeranz

Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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