Sim, ele está envelhecendo, e agora?

Sim, ele está envelhecendo, e agora?

Meu pai está envelhecendo e isso me fez buscar um curso com foco na Gerontologia Social porque entendo que esta estuda a vida e não a doença. 

Luana Alvarenga Feitosa Vilar (*)

 

Há aproximadamente cinco anos fomos almoçar no clube (restaurante self-service), quando percebi que sua mão tremia um pouco ao pegar a comida e levar ao prato. E a partir desse dia comecei a só olhar isso, e de uma forma equivocada enalteci esse e outros sintomas de um estado natural do ser humano. Ser humano esse, que é meu pai, a quem tenho um amor que já foi até patológico (de tão intenso), mas que hoje está no curso do sadio. Pai esse quem criou eu e minha irmã sozinho, pois perdemos nossa mãe ainda crianças (4 e 6 anos).

A primeira vez que me dei conta que meu pai estava ficando velho, infelizmente, foi por conta de dois episódios de um “esquecimento” e a partir disso pensei: sim, ele está envelhecendo, e que bom! Quer dizer que está vivendo, então era hora de me deparar com todo esse medo, realidade, ausência, e também de buscar algo que conforte para não deixar uma coisa tão natural e plena me engolir e me travar de viver momentos tão bons ao lado dele.

Então decidi estudar para entender mais sobre essa fase, e achei o curso de extensão “Fragilidades na Velhice: gerontologia social e atendimento” (PUC-SP) pertinente para sanar minhas curiosidades. Cheguei ao curso por conta do meu pai, e nele descobri pelas professoras que estamos estudando por e para nós. O curso fala do viver, de vida e de como viver com conforto com todas as peripécias de um corpo que sofre o impacto do tempo.

Temos um fato, segundo Oliveira, Côrte e Lopes (2018), que citam a pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística realizado no ano 2000, “O número de habitantes com 60 anos de idade ou mais dobrou entre 1950 e 1991, e aqueles com 65 anos ou mais quase triplicou no mesmo período” (p. 28). Ainda segundo estas autoras, que usam como base a pesquisa realizada por Pessoa (2009), e fazem uma reflexão a respeito da prospecção da longevidade, “Em 2006, ultrapassou-se a marca de 700 milhões, e as projeções demográficas indicam um número em torno de 2 bilhões de pessoas idosas em 2050”.

Nessa direção, Camarano (2013, citada por Oliveira, Côrte e Lopes 2018), aponta que o Brasil não é mais um país de jovens. É provável que o Censo de 2030 encontre o número máximo de brasileiros que se pode vislumbrar: cerca de 208 milhões, dos quais 20% serão idosos (p. 55).

Vimos ainda no curso que as pessoas do Ocidente têm dificuldades de lidar com a morte, não falamos como uma coisa natural do ciclo da vida, e por conta disso a tememos, de tal forma que nem sequer falamos dela, e sim queremos distância, e isso vira um tabu. Sim, há dor, sofrimento, saudade, e tantos outros sentimentos, mas é a única certeza que sempre tivemos.

Mas o que é a morte?

De uma forma bem simples: é o fim de algo, neste caso, o fim de uma vida. Segundo o dicionário Houaiss, a morte tem como significado: 1 – Ato de morrer. 2 – O fim da vida. 3 – Cessação da vida (animal ou vegetal).  Há tantas culturas que veem de uma forma onde não há todo esse sofrimento, como por exemplo, no México (Dia de Muertos), onde eles acreditam que neste dia os mortos vêm até o mundo dos vivos para comer e festejar. Nos lugares públicos colocam fotos de pessoas famosas, como Frida Kahlo, e vão ao cemitério lavar os túmulos, cantar, levar comidas, flores e velas. Os mais antigos abrem o túmulo, lavam as caveiras e trocam as roupas. Logo é uma época de adoração, marcada por momentos de alegria, não há tristeza e sim rituais. Sem contar a passagem feita pelos orientais, é fato que quem determina todo esse entendimento é a religião, o que faz com que seja mais leve ou não por conta das crenças.

E porque falar de morte? Por um lado, temos que pensar que matematicamente estamos sim mais perto do final da vida, mas que temos outros muitos anos pela frente, afinal estamos vivendo mais.

Vou me preocupar em colocar aqui o que venho descobrindo de maneira leve, como tem de ser, a chegada à velhice, à vida, sim, pois ela continua.

Mas por que ficar pensando, esperando, aguardando, temendo? Sim, assim como toda e qualquer fase, a velhice precisa ser encarada como mais uma. Mas quem gosta de envelhecer? Quem quer? Quem se prepara? Nunca ouvimos falar que é uma fase tão almejada, assim como outras anteriores. Sim, podemos e temos que nos preparar da melhor forma, afinal o nosso corpo já não será o mesmo, nosso cérebro, nossa memória. Alguns especialistas da área médica dizem que começamos a envelhecer aos 40 anos, na verdade desde que nascemos, mas algumas partes do cérebro vão “isquemiando”, ou seja, tem microinfartos, vão perdendo a função.

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Ainda segundo as autoras Oliveira, Côrte e Lopes (2018), ser idoso envolve aspectos relativos aos anos vividos e como dada cultura concebe esse fato. Ser um idoso até em bairros diferentes não é igual, dadas suas peculiaridades de condição de vida. É recomendável insistir na ideia de que o envelhecimento não é somente um momento da vida, mas um processo complexo que requer mais estudos para ser compreendido, tanto por quem o vivencia, como pela sociedade. Sociedade essa que tem muito a evoluir para dar a subsistência necessária para esse público. E também a medicina que tem muito a estudar para curar ou pelo menos diminuir as doenças que acometem todos os seres humanos. A prevalência de demência, frequente nas pessoas idosas, duplica a cada 5 anos, resultando em um aumento exponencial com a terceira idade. Ressaltamos as 4 causas mais frequentes de demência irreversível: Doença de Alzheimer (DA), Demência Vascular (DV), Demência com Corpos de Lewy (DCL) e Demência Frontotemporal (DFT) (p. 31 e 32).

No dicionário Houaiss, a palavra velho aparece como idoso, que tem idade avançada, homem velho, que existe há muito tempo. Achava a palavra um tanto pejorativa, com uma conotação negativa, mas desde que fiz o curso mudei de opinião. E pensei na criança, adolescente, jovem, adulto e velho, é isso, simples assim.

O cuidado

A prática do cuidado está ligada ao verbo cuidar; no dicionário Aurélio significa: imaginar, supor, pensar, meditar, ter cuidado em, tratar de interessar-se por, trabalhar, julgar-se, ter-se por tratar-se. Nesse sentido percebemos que cuidar é uma tarefa complexa, com motivações distintas, que exige do cuidador preparo, disposição, atenção integral, desgaste físico, envolvimento emocional e renúncia de seus interesses pessoais em benefício do cuidado ao idoso com dependência.

No livro Quem vai cuidar dos nossos pais? A inversão de papéis, quando a idade avança, de Silva, M. (2016), a autora aborda a importância do cuidar, e também todas suas nuances, que geralmente “fica” para o filho solteiro, o que não saiu de casa, ou para quem mora mais perto. Há também toda uma questão familiar, temos que olhar até onde conseguimos cuidar e ajudar, e quando esse requer ajuda de um profissional mais especializado.

Todos têm sua responsabilidade com aquele familiar. É fato que sempre tem um que cuida mais, porém não é só dele a responsabilidade do “cuidar”, cabe a família e não só a um membro. De acordo com Boff (2005), o cuidado não e é apenas algo que o ser humano tem, o cuidado somos nós, isto é, possui uma dimensão ontológica, entra na constituição do ser.

E se estamos envelhecendo e vivendo mais, é preciso nos preocupar em como se dará esse processo. E não há outra forma, a não ser procurar viver da maneira mais saudável para diminuir os efeitos do tempo e retardar qualquer dano. É certo que o tempo chega para todo mundo. O envelhecer está relacionado às circunstâncias de cada ser e ao tipo de vida que levou, corpo e mente e não somente o físico. O físico é apenas o que vem primeiro, aquilo que não dá para disfarçar.

Durante a elaboração deste artigo meu pai teve uma diverticulite e precisou ficar internado no hospital por três noites para tomar antibióticos, e quando fui visitá-lo foi inevitável não pensar em toda literatura que havia lido, e em todas as aulas. Fiz algumas associações, e vou dividi-las com vocês: Minha irmã mais velha é a cuidadora, talvez porque atue na área da saúde como nutricionista, mais especificamente num hospital, sempre esteve atenta para exames, resultados e suas consequências, contato com médicos, dores, ela fez uma listinha com todas as medicações que ele toma e anda com ela. Eu tenho o papel da filha que o leva para o estádio para assistir jogos do Palmeiras, peço para ele ir para cima e para baixo, porque tem tempo e também porque assim ele tem atividades para fazer, também sou eu quem o leva para o bar tomar aquela cervejinha. Minha madrasta é a cuidadora oficial presente no dia-a-dia e quem sabe dos comportamentos, e até de pequenas alterações, daquelas que não temos mais acesso, pois já não moramos mais com ele. Meus irmãos são homens, meninos e agem de forma mais superficial, se preocupam, tomam conta sempre que podem e também depois de um certo tempo estão mais atentos aos comportamentos do nosso pai.

Olhando meu pai ali sentado naquela cama de hospital, bem-humorado como é o natural dele, pensei: Ai Senhor, não quero que ele sofra, que venha a ficar internado, porque acho muito sofrimento. Aquele ambiente inóspito, triste, cinza, sem vida, isso não combina com a alegria de viver que ele tem, mas caminhamos atentos aos comportamentos e exames.

Finalizado o curso, entendo que a Gerontologia Social estuda não somente o envelhecer e sim a vida, e como vivê-la de forma mais saudável. Recomendo o curso para todo ser humano, pois é uma forma de enxergar a vida como ela realmente é. Hoje tenho um outro olhar para minha própria vida, de como estou envelhecendo, e também para o meu pai, meu velho.

Referências
LODOVICI, F.M.M. (organizadora), Envelhecimento e Cuidados: Uma chave para o viver. 1º ed. São Paulo: Portal Edições Envelhecimento, 2018
SILVA, M., Quem vai cuidar dos nossos pais? A inversão de papéis quando a idade avança. 1º ed. Rio de Janeiro: Viva Livros, 2016
<https://www.dicio.com.br/houaiss> acessado em: novembro de 2018.

(*) Luana Alvarenga Feitosa Vilar – Psicóloga formada pela Universidade Mackenzie em 2003, com pós-graduação em Políticas e Práticas de Promoção Social pela FAPSS (2005) e Gestão de Projetos Sociais pelo Senac (2014). Desde 2005 atua na área da Educação, mais especificamente com a formação de jovens para inserção no mercado de trabalho e atualmente como docente no Senac no Programa Aprendizagem em cumprimento pela lei 10.097/2000 (desde 2010). Texto escrito para o curso de extensão “Fragilidades na Velhice: gerontologia social e atendimento”, ministrado pela PUC-SP, sob a coordenação de Beltrina Côrte, no segundo semestre de 2018. E-mail: [email protected]

 

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