Sem receitas prontas

Com o auditório praticamente lotado, o segundo dia da 13a. Semana da Gerontologia da PUC-SP reuniu, pela manhã, profissionais que debateram o lugar do idoso nas metrópoles brasileiras. Dentro da conferência intitulada “Envelhecimento e Vida Urbana”, a antropóloga Guita Grin Debert, professora doutora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), apresentou sua palestra Diversidade das Experiências do Envelhecimento e a Heterogeneidade da Velhice, chamando atenção para a necessidade de políticas públicas que contemplem o idoso fragilizado.

Maria Lígia Mathias Pagenotto *

 

sem-receitas-prontasSegundo ela, a sociedade ainda enxerga o velho fragilizado como sendo um consumidor que falhou – ou seja, alguém que não adotou estilos de vida que poderiam mantê-lo mais jovem. “Ele é responsabilizado por isso”, afirmou.

Para Guita, a família acaba sendo, na visão de muitas pessoas, o único lugar possível para abrigar o idoso. “Essa é uma hipocrisia social, que impede o desenvolvimento de alternativas a este modelo”, disse. E completou sua fala com dados de violência contra o idoso na própria família ou em instituições.

Ela apontou uma contradição que existe em nossa sociedade: “Cobra-se da família que ela assuma certos papéis em relação à velhice, quando, muitos desses papéis, foram desestimulados pela própria sociedade e já não são mais exercidos.”

Guita chamou atenção ainda para as diversas “receitas” que são apresentadas quando se trata de pensar qual o lugar do idoso nas nossas cidades. “Muitas pessoas falam que não é interessante mudar o idoso de casa, mas essa é uma receita que nem sempre é possível de ser seguida. Temos de levar em conta as mudanças pelas quais passam os próprios bairros, cidades.”

sem-receitas-prontasNa sequência, foi realizada uma mesa redonda, da qual fez parte a professora doutora da PUC-SP Maura Pardini, ex-reitora da universidade. Ela afirmou que, com o envelhecimento da população brasileira, segundo dados do último censo, e também com a maior urbanização, as cidades – especialmente as metrópoles – precisam repensar soluções que atendam às necessidades dos idosos e também dos mais novos. “Estamos carentes de soluções híbridas. Nossas políticas urbanas são muito insatisfatórias e as cidades não são geridas de forma a garantir o bem-estar dos cidadãos de modo geral”, observou.

Maura também apontou o quanto as nossas metrópoles são desiguais, divididas e fraturadas. “Não há nas cidades espaço para a fruição. As pessoas vão de um ponto de partida para um de chegada, não curtem a cidade e sofrem com o percurso”.

Na sua opinião, uma cidade saudável, sustentável, tem de incluir a velhos, moços, crianças, respeitando sua heterogeneidade. Finalizando sua palestra, ela enumerou uma série de sugestões para que nossas metrópoles consigam ser mais agradáveis a todos.

Em seguida, falou a professora doutora da PUC-SP Lúcia Bógus, coordenadora em São Paulo do Observatório das Metrópoles. Lúcia mostrou diversos dados demográficos que mostram onde se concentram os velhos nas cidades. As áreas centrais de São Paulo, por exemplo, são as que abrigam mais idosos. E deu outro exemplo: “A cidade de Santos envelheceu e se feminilizou.” A professora foi outra a chamar atenção para a questão da heterogeneidade da velhice.

Esta mesa contou com a coordenação da professora doutora Maria Helena Vilas Boas Concone, vice-coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC-SP. “Muitas das receitas que dispomos para tratar os idosos não costumam levar em consideração as questões levantadas pelos próprios interlocutores idosos”, apontou Maria Helena.

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Público atento e cativo marca presença

sem-receitas-prontasNa parte da tarde, mais duas mesas prenderam o público do início ao final. Cerca de 350 pessoas se inscreveram para a Semana da Gerontologia, evento que se realizou sob a coordenação da professora doutora Suzana A. Rocha Medeiros, com vice-coordenação da professora doutora Flamínia M. M. Ludovici.

Segundo Flamínia, o evento tem por origem e base o grupo de estudos sobre Moradia na Velhice, coordenado pela professora Suzana Medeiros.

Logo após o almoço, foi dada a abertura da mesa-redonda que tratou das Instituições de Longa Permanência (ILPIs). O primeiro tema abordado foi “Qualidade de vida e a moradia na velhice”, discorrido por Mariana Rudge, do CDHU, que falou sobre o programa do governo estadual de residências para idosos, a chamada Vila Dignidade. Ela apresentou a experiência, realizada já em dois municípios de São Paulo: Avaré e Itapeva.

sem-receitas-prontasEm seguida foi a vez da professora doutora Naira Dutra Lemos, da Unifesp, falar sobre “O impacto social do envelhecimento – idosos vivendo sozinhos ou em ILPIs”. Segundo Naira, esse impacto, visto em geral de forma negativa, só será minimizado com uma educação para o envelhecimento; formação efetiva de recursos humanos para a área; adequação do sistema previdenciário e revisão da rede de programas de saúde e assistência social; adequação das ILPIs e incentivo financeiro e governamental; e, por fim, revisão dos valores da sociedade voltados para essa população. “Conquistamos a tão almejada longevidade, mas ainda não somos capazes de prover qualidade de vida para quem chega a esta etapa da vida”.

Na mesma mesa, destaque ainda para a participação da professora doutora Vera Brandão, que falou sobre o lugar da utopia e convidou todos a pensar sobre o que seria a moradia ideal. “Voltar para casa é uma expressão que nos remete a boas sensações. Estamos buscando voltar a esse caminho de casa, mesmo que não se saiba qual seja”, observou. Esta casa idealizada, talvez, esteja dentro de cada pessoa, segundo Vera, que usou a palavra imponderável, para mostrar a todos que também temos de saber lidar com a impermanência das coisas.

No dia anterior, a mestre em gerontologia e psicóloga Sônia Fuentes se valeu do termo imponderável para dizer que, embora a gente possa planejar de certa forma nossa vida, também temos de aprender a lidar com essa imprevisibilidade, em qualquer fase que estejamos.

O professor doutor Paulo Renato Canineu participou da mesa como debatedor e chamou atenção de todos quando disse que os idosos que sofrem de demência sempre falam que querem voltar para sua casa.

sem-receitas-prontasPara finalizar a quinta-feira, foi apresentada a mesa-redonda sobre ILPI, intitulada “Um novo olhar sobre a moradia na velhice”. Participaram desta apresentação Helena Watanabe, da USP, com a palestra “Quem são os idosos que moram em ILPIs”, mostrando um perfil deste público, e a voluntária da instituição Mão Branca Elizabeth Zogbi. O debate ficou por conta da professora doutora Beltrina Côrte, uma das fundadoras do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (OLHE).

“Não gostaria de debater, mas de pontuar alguns temas para reflexão. Vamos pensar a respeito dos motivos da institucionalização – estamos conectando as redes que existem? O governo deveria apoiar quem apoia e não criar novos projetos. Há iniciativas dispersas que não são conectadas”, disse Beltrina.

Ela elogiou o trabalho desenvolvido na Mão Branca, lembrando que no Brasil não existe a cultura do voluntariado responsável. “Isso deveria começar nas escolas infantis”, observou.
Para finalizar, Beltrina leu uma carta de uma leitora do Portal do Envelhecimento, que conta como foi levar sua mãe para morar numa ILPI, desde o sofrimento inicial até a aceitação, especialmente após ver o quanto a mãe estava confortável naquele lugar.

“Se a gente conseguir sair desses debates já tendo uma outra visão sobre a família e as ILPIs e a responsabilidade das mesmas com os idosos, já será um grande ganho para todos.”

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