Sede, lágrimas, Flu e Copa de 62 na cabeça: o resgate de Altair em Brasília

O relógio se aproximava das 23h40m quando a reportagem do GLOBOESPORTE.COM, dentro de um táxi, avistou um senhor caminhando pela Avenida das Nações, em Brasília. Era Altair Gomes de Figueiredo, campeão do mundo pela seleção brasileira em 1962 que estava desaparecido havia mais de dez horas.

Alexandre Lozetti e Leandro Canônico  Foto: Leandro Canônico / Globoesporte.com)

 

sede-lagrimas-flu-e-copa-de-62-na-cabeca-o-resgate-de-altair-em-brasiliaEle sofre de Alzheimer. Por volta de 13h30m, o ex-jogador de 75 anos havia se perdido da comitiva que foi a Brasília para uma homenagem. Ele saiu andando enquanto esperavam o ônibus que os levaria ao Estádio Nacional Mané Garrincha para o jogo entre Brasil e Japão.

Soubemos do sumiço de Altair numa churrascaria, enquanto jantávamos com outros jornalistas que trabalham na cobertura da Copa das Confederações. Pegamos um táxi rumo ao hotel onde estamos hospedados, e comentamos sobre a possibilidade de encontrar o ex-jogador no caminho.

Um comentário em tom sonhador. Afinal, qual seria a possibilidade de acharmos na noite de sábado, na enorme capital federal, um senhor cuja única pista que tínhamos era a roupa que usava: paletó azul escuro e calça preta.

Mas foi exatamente o que vimos. Pedimos ao taxista que fizesse um retorno. Como se esperasse por nós, o campeão do mundo parou para urinar na beira da avenida. O rosto e a expressão não deixavam dúvidas: era Altair. Ele havia percorrido, sabe-se lá como, mais de oito quilômetros em dez horas. Ainda assim, perguntamos, e veio a confirmação. – Sou eu – respondeu o ex-lateral, para em seguida dizer o que estava fazendo. – Estou procurando os jogadores do Fluminense.

Campeão de 62, Altair é encontrado após sumir por cerca de 10 horas

Altair defendeu o Tricolor por 17 anos, entre 1955 e 71. Foi técnico interino na década de 1990. Mas a época em que era jogador está em sua cabeça como presente, não passado. Tanto que insistia em procurar os companheiros do Fluminense, e reclamava que Castilho havia sumido.

Castilho foi goleiro em sua época, mas faleceu em 1987. Entre tantas incertezas, tanto descompasso, ficamos completamente comovidos quando uma lembrança se mostrou vivíssima em sua memória: – Eu sou bicampeão do mundo – afirmou, como se fosse a única certeza absoluta em meio aos males do Alzheimer, doença responsável por 50% a 80% dos casos de demência do mundo.

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Acompanhados pelos jornalistas Thiago Salata e Eduardo Mendes, do diário LANCE!, que estavam no mesmo táxi, dissemos que o levaríamos até onde quisesse. Ele relutou, queria seguir caminhando até o Barreto, bairro onde mora em Niterói, no Rio de Janeiro. Insistimos, e o colocamos dentro do veículo. Ele não ofereceu resistência. Além de fragilizado pela idade, a doença o torna inocente tal qual uma criança. O que evidencia os riscos que corria.

Era quase meia-noite. Telefonamos para a emergência da polícia, que disse não ter ocorrência sobre o desaparecimento. Mas um recepcionista do hotel Manhattan Plaza, citado na matéria do jornal “Correio Braziliense” sobre o sumiço, confirmou que Altair estava hospedado lá. Resolvemos, então, levá-lo de volta.

No caminho, ele rompeu o silêncio em poucos momentos. Num deles, perguntou ao taxista sobre uma grande construção ao lado esquerdo da rua. Era o Teatro Nacional. No outro, quando passamos em frente à embaixada da Itália, sugeriu um novo estádio para seu time do coração. Um novo estádio para que ele pudesse exibir todo seu talento. Afinal, em sua cabeça, ele ainda está em atividade. – Olha só, aqui tem muitas luzes, dá para fazer um novo campo pro Fluminense jogar.

Sem entender muito bem o que se passava dentro de seu carro, o taxista Célio Batista de Araújo ficou boquiaberto quando soube que Altair era campeão do mundo. Demorou alguns segundos para acreditar. Mas, prontamente, nos ajudou a convencê-lo a voltar para o hotel, onde estariam os imaginários jogadores do Fluminense. Célio perguntou se o ex-jogador estava com sede.

Diante da resposta afirmativa, o motorista entrou de vez na conversa. – Então, vamos ali tomar uma água gelada. Desde o momento em que encontramos Altair vagando por Brasília, cada minuto foi uma surpresa. Primeiro por assimilar que o que parecia surreal era pura realidade. Depois, em pouco tempo, perceber que aquele senhor dócil, outrora herói nacional, estava totalmente entregue a qualquer pessoa que o abordasse. No caso, fomos nós. Impossível não se envolver. Principalmente quando chegamos ao hotel e vimos o desespero das pessoas que o procuravam se transformar em alívio numa fração de segundos.

E Altair, que até então parecia um viajante no tempo, completamente desorientado, teve um lapso de lucidez mais do que emocionante. – Ah, vocês estão aí. Todo mundo… – disse, da janela do táxi, ao avistar seus companheiros da excursão vinda do Rio de Janeiro. Da solidão fria da avenida ao calor e à proteção das pessoas.

sede-lagrimas-flu-e-copa-de-62-na-cabeca-o-resgate-de-altair-em-brasiliaNa porta do hotel, além dos amigos, estava uma viatura do Departamento de Repressão a Sequestro (DRS). Três equipes haviam sido acionadas para buscar o campeão do mundo. Segundo o diretor Leandro Hitt (foto), procuraram por hospitais públicos e delegacias da capital federal. Mas não encontraram sequer uma pista. Lágrimas de emoção e alegria recepcionaram o ex-jogador no hotel. E, de repente, viramos heróis. Fomos abraçados, beijados, e até tiramos fotos com o campeão. Que honra! Como se nada tivesse acontecido, ele continuava a falar do Fluminense. Mesmo quando o atual presidente do Vasco, Roberto Dinamite, apareceu para lhe dar um abraço. – Agora o senhor precisa descansar – recomendou o dirigente.

Poucos minutos depois de reencontrar sua turma, o ex-lateral, rápido e ligeiro, entrou sozinho no hotel, sem supervisão alguma. – Ele é assim. Sai andando sozinho e desaparece. Tem que ficar de olho – desabafou o médico que o acompanhava, antes de sair correndo atrás de Altair. Voltamos para o táxi, ainda incrédulos, emocionados. E certos de que já presenciamos, depois de uma única partida, o gol mais bonito da Copa das Confederações. O campeão estava em paz, assim como nossos espíritos.

Altair foi a Brasília para receber uma homenagem na Embaixada da República Tcheca pelo título na Copa do Mundo de 1962, competição em que foi reserva de Nilton Santos. É o quarto jogador com mais partidas pelo Fluminense (551). No clube carioca, conquistou três títulos estaduais (1969, 1964 e 1969) e dois Torneios Rio-São Paulo (1957 e 1960). Foi considerado por muitos o melhor marcador que Garrincha já teve.

Fonte: Acesse Aqui, 16/06/2013 08h15.

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