Saúde, cultura e arte na terceira idade relato de experiência de um trabalho multiprofissional

Numa sociedade que cultua a beleza e juventude, o envelhecer ainda não é visto como prioridade nas ações do governo, nem é vivenciado como processo normal de desenvolvimento pela maioria da população. Isso gera aos idosos, crescentes a cada ano, um “não lugar” dentro da sociedade, um sentimento de não mais pertencerem à comunidade em que vivem. Fato que deixa explícito a necessidade de programas e projetos que objetivem a sua inclusão no contexto social.

Maria Amélia Ximenes

 

Nós, profissionais que lidamos com este segmento, temos consciência da nossa responsabilidade neste propósito e conhecemos a necessidade da mudança de olhar da sociedade para a velhice. Em nossos discursos entendemos que uma direção para essa conquista seria estimular as novas gerações a olharem a velhice na sua diversidade, fazendo-os perceber que o aprendizado é possível. Como também é possível mudar nessa etapa da vida, produzir, ser ativo e, principalmente, contribuir com suas experiências de vida. Como nos fala com sabedoria Suzana Medeiros: “se o tempo é um horizonte de possibilidades, porque não tornar o envelhecimento um processo de desenvolvimento”?(1). Temos consciência do óbvio, sabemos a direção a tomar, porém falta-nos achar o caminho a percorrer.

Foi vivenciando essa angústia que aceitei o convite para orientar um trabalho de alunos do último período na universidade onde leciono (Sagrado Coração de Bauru/SP). O que parecia ser a princípio mais um trabalho com velhinhos, para que os alunos pudessem concluir seus créditos obrigatórios, tornou-se caminho, possibilidade de mudança de olhar.

O projeto partiu da proposta multiprofissional da disciplina Programas de Cidadaniada universidade, sob coordenação do Prof. Ms. José Rafael Mazzoni. Esta proporciona ao aluno graduando um momento único, em que entra em contato com as diversidades de áreas de atuação e como estas podem integrar-se na resolução de um mesmo problema. Aprendem a respeitar limites profissionais, dando assim os primeiros passos para a maturação educativa e conseqüentemente profissional.

Os estudantes envolvidos, num total de nove, pertencentes às áreas de Fonoaudiologia, Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Música, Publicidade e Propaganda, Letras e Turismo, escolheram como área de conhecimento a Gerontologia e como foco de ação a Universidade Aberta à Terceira Idade (UnATI) da própria universidade.

O grupo utilizou como recurso palestras informativas, encontros artísticos e interativos, durante nove semanas, todas as terças e quintas-feiras, com duração de uma hora. Os temas abordados foram: cuidados com a voz, os benefícios de se conhecer o próprio corpo, alterações auditivas, evitando complicações cardio-respiratórias, cuidados posturais, comentaram os roteiros turísticos indicados à terceira idade e o turismo rural, trouxeram a música de Tom Jobim, João Gilberto, Pixinguinha e Ernesto Nazareth, discutiram sobre televisão, educação e sociedade, mercado de consumo, falaram de cultura gastronômica brasileira e sobre o amadurecimento na arte poética.

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Justificaram os temas escolhidos como contribuição para a melhoria da qualidade de vida desses idosos, a partir das atividades desenvolvidas cujo objetivo era desenvolver estima e respeito por si próprio, aumentar a disposição física e mental para melhorar suas atividades cotidianas, estimular o raciocínio crítico, despertando a reflexão a respeito de seu lócus social e político, enquanto população geradora de renda, formadora de idéias, opinião e consumidora. Portanto, fazendo parte do mercado, podendo desfrutar da saúde, do gosto artístico e turismo.

Vale ressaltar que essas atividades, além de propiciaram lazer e entretenimento, foram adequadas às suas histórias de vida e experiências. Os alunos, ao falarem de educação, cultura e mídia refletiram a respeito de como vive o idoso e de que modo é visto em sua sociedade e como é inserido na ideologia sócio-econômica-cultural vigente.

O resultado foi apresentado em dia e hora estabelecido em espaço aberto à comunidade universitária. Tive a oportunidade de assisti-los e fiquei surpresa com o que ouvi. Expuseram suas conclusões individualmente, mencionaram suas dificuldades iniciais, a sensação de insegurança e ao mesmo tempo admiração, ao perceberem que os idosos conheciam o assunto escolhido por eles, viveram os momentos ali colocados, um conhecimento prático, apreendido de experiências vividas.

Falaram de respeito ao saber, de trocas de informações. O que seria somente dar informações prontas a um grupo de terceira idade transformou-se em ricos encontros de trocas. Em uma fala, que não esqueço, percebe-se o que foi para os alunos esse trabalho: “meu, eu achava que ia dar um banho de bossa nova, encontrei os caras que viveram, conheceram… percebi que não sabia nada…”. Esta frase me fez cair a ficha, percebi que estava fazendo a minha parte: meu trabalho com eles, ainda que de maneira tímida, possibilitava este outro em relação ao velho.

Aproveitando uma tarefa obrigatória e o espaço da própria universidade, os graduandos utilizaram-se de práticas informativas, culturais e de lazer em que saberes foram cruzados e acrescentados na medida em que o trabalho foi se desenvolvendo. Tiveram como objetivo proporcionar aos idosos conhecimentos nas áreas de saúde, arte e lazer de modo que estes pudessem contribuir de alguma forma para a melhoria de sua qualidade de vida. Especificamente, os alunos forneceram informações sobre o corpo envelhecido e possibilidades de cuidado, propiciaram um espaço de cultura e arte através da literatura e música.

Nessa relação, foram estabelecidas trocas de experiência entre idosos, alunos e saberes, numa sincronia onde não existiam velhos ou jovens em contraposição, mas uma linguagem de respeito às diferenças e um diálogo geracional. Certamente todos ganharam com essa troca de experiências e acredito que os jovens, a partir dela, verão os velhos de outra forma!

Bauru, junho de 2004

* Coordenadora e docente do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC-SP, em uma de suas aulas durante o segundo semestre de 2003.

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