Salve Esperança!

Salve Esperança!

Seu Jamil resolveu se calar pois diz que não pode incomodar seu filho com suas questões relacionadas ao seu envelhecimento. Perdeu-se naquilo que querem que ele seja e não sabe mais quem ele é. Esmigalhou a esperança de viver em paz com sua velhice.

 

O sol nasce todos os dias, é fato, e por mais que este acontecimento pareça óbvio é comum sentirmos uma certa aflição quando as dificuldades do dia parecem brecar o tempo mascarando a sensação de renovação.

Seu Jamil resolveu se calar pois diz que não pode incomodar seu filho com suas questões relacionadas ao seu envelhecimento. Perdeu-se naquilo que querem que ele seja e não sabe mais quem ele é. Esmigalhou a esperança de viver em paz com sua velhice.

A vida acontece em ciclos de um vem e vai que ora nos amedronta, ora nos acalanta e é nesse ir e vir que nosso coração dá o tom do compasso de suas batidas. É preciso ter esperança para viver os tempos difíceis mantendo a certeza de momentos melhores.

O que era aflição, com tantos nasceres do sol, torna-se calmaria e assim a vida segue. Pobre daqueles que veem a vida como se usassem antolhos iguais aos colocados nos cavalos numa tentativa de restringir seu alcance de visão. Não há esperança que sobreviva, não há paisagem que possa ser encontrada com tanta limitação. Seu Jamil bem sabe disso.

Ao pensar nas velhices, gosto de pensar no conceito da psicóloga Maria Célia de Abreu que no seu livro “Velhice, uma nova paisagem” nos fala destas mudanças de cenário que vamos conhecendo ao longo do viver. A velhice, para Maria Célia, é nada mais do que uma nova paisagem que pode ser vibrante ou turva. Como iremos enfrentá-las, é a questão.

Tenho estado mais atenta a essas mudanças de paisagens mas mantenho minha visão com o máximo de amplitude possível. É preciso ver longe para conseguir vislumbrar paisagens futuras. Alguns se contentam com pouco enquanto outros, satisfeitos com o que têm, param de desejar novas conquistas e o que é muito se torna tão pequeno. Seguem a vida acomodados na paisagem conhecida sem fazer um movimento sequer para mudar algo. Como está fica! Vivem a vida como se estivessem brincando de estátua. Não! Não quero isso para mim! Não quero também envelhecer como Seu Jamil que resolveu congelar-se na sua própria velhice e, ali, congelado, espera a hora de morrer.

Cultivo a esperança de viver novas paisagens a cada passo que der rumo aos meus desejos.

Tenho me arriscado, tentado sonhos novos. Busco transformar meus sonhos em algo coletivo, que possa ser maior do que eu sozinha. Nessa busca criei um personagem que se chama Esperança.

Curiosamente, meu irmão topou a brincadeira como se fôssemos crianças e sempre que me telefona, pede para falar com a Esperança.

-Oi Esperança, como você está?

– O que a Esperança tem feito?

-Sim, estamos sempre perto da Esperança! Acreditamos na Esperança!

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O pintor austríaco Gustav Klint (1862- 1918) bem que sabia das coisas. Sua pintura intitulada “Esperança 2” mostra uma mulher grávida ao centro do quadro. Seu manto é ornamentado em tons de vermelho e na parte inferior do manto há 3 mulheres com expressão de tristeza e veneração como se sentissem o peso do viver.

A Esperança gera a vida e exibe os peitos capazes de alimentar os próprios desejos.

O crânio de um feto é retratado como algo assustador, talvez como o próprio viver.

Mas nada amedronta seu olhar que nutre e clama pela certeza de novos tempos. Sim! Podem me chamar de Esperança! Esperança rumo à velhice! Esperança de dias melhores!

Esperança de conquistas merecidas! Esperança de novas e belas paisagens!

Mais um pouco e seremos ainda mais velhos! Estátua! Como está fica!

Não! De jeito nenhum! Aqui a brincadeira é outra!

Daqui a pouco ligo para meu irmão. Afinal, a Esperança jamais, Jamil pode se calar.

Onde está meu celular?

 

 

Cristiane T. Pomeranz

Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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