A revolução nos testes genéticos precisa ser debatida com a sociedade

A decisão de Angelina Jolie de fazer uma mastectomia bilateral (retirada das duas mamas) após descobrir que tinha uma mutação no gene BRCA1 –que confere um risco muito alto de desenvolver câncer de mama– gerou uma corrida em busca dos testes genéticos.

Mayana Zatz

 

a-revolucao-nos-testes-geneticos-precisa-ser-debatida-com-a-sociedadeEm dezembro de 2013, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) publicou normas obrigando os planos de saúde a cobrir os custos de testes genéticos para 29 doenças, desde que os pedidos sejam encaminhados por médicos geneticistas. Na época, questionei por que só 29 se existem milhares de doenças genéticas diagnosticáveis. Por que restringir o encaminhamento a geneticistas, obrigando famílias a peregrinar de um médico a outro?

As doenças genéticas atingem cerca de 3% da população, ou seja, 6 milhões de brasileiros, e existem menos de 300 médicos geneticistas no país. Com as limitações impostas pela ANS, a imensa maioria das famílias com doenças genéticas não terá acesso nem a testes genéticos nem ao aconselhamento genético (AG).

O AG é um procedimento que inclui diagnóstico, estimativas de riscos para parentes saudáveis, orientação em relação a testes específicos, análise e interpretação de exames (o que requer treinamento longo e especialistas em bioinformática) e a transmissão de informações às famílias por geneticistas treinados. É importante reforçar que, apesar de todo esse processo ser conhecido como aconselhamento genético, o geneticista não aconselha. As decisões são sempre dos consulentes.

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No caso da Angelina Jolie, o teste era indicado, pois a sua mãe, tia e avó maternas morreram com câncer de mama precoce. A identificação da mutação no gene BRCA1 permitiu a essa artista famosa decidir pela mastectomia bilateral e tornar seu risco igual ao da população em geral. Mas a chance de que qualquer mulher venha a ter um câncer de mama é de cerca de 10% e só 1% dos casos são hereditários. Se não há história familiar, o teste terá muito pouco valor –se der negativo, o risco continuará praticamente o mesmo.

Qual é a vantagem em se testar crianças em risco de desenvolver doenças de início tardio para as quais ainda não há tratamento? Ao testar uma criança, estamos tirando dela o direito de refletir quando adulta sobre vantagens e prejuízos de ter essa informação.

Os benefícios de um teste genético precisam ser discutidos caso a caso. É impossível estabelecer regras gerais. A introdução dos testes genéticos de última geração (NGS, na sigla em inglês) tem nos permitido aumentar a capacidade de diagnóstico. Conseguimos identificar agora em pacientes que vimos seguindo há muitos anos qual é a mutação responsável por sua doença, qual é o prognóstico e o risco de que outros familiares sejam afetados. É importante lembrar que esses testes não substituem o exame clínico detalhado.

Recentemente, foi solicitado um teste de NGS para uma criança que estava com dificuldade escolar. Descobriu-se que seu único problema era uma alta miopia e suas dificuldades foram rapidamente superadas com o uso de óculos. Não havia necessidade de um teste genético.

Por outro lado, a possibilidade de analisar o genoma todo de uma pessoa tem revelado a existência de mutações novas, ainda não descritas. Para nos ajudar a interpretá-las, estamos sequenciando os genomas de pessoas saudáveis com mais de 80 anos. Esses idosos nos ajudarão a mapear as alterações ainda não descritas que não estão associadas a risco aumentado para doenças. Já temos uma amostra de 1.400 pessoas, mas precisamos de mais voluntários, que devem escrever para [email protected].

A possibilidade de analisar o genoma todo de uma pessoa também tem trazido situações complexas, isto é, a identificação de mutações não relacionadas à doença que estamos investigando. Em vez de resolver um problema, podemos agora ter dois. Ou mais. Nestes casos, a pessoa deve receber o diagnóstico? Em que situações? Qual é a responsabilidade do geneticista? Não temos uma resposta definitiva para essas questões. Elas precisam ser debatidas com a sociedade.

Fonte: Centro de Pesquisas sobre o Genoma Humano e células-tronco (CEGH-CEL). Disponível Aqui 

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