Reflexões acadêmicas sobre oficinas de arte para afásicos longevos

A afasia é comumente definida como um quadro patológico em que está em questão a perda ou perturbação da linguagem causada por uma lesão cerebral. Só que há mais do que um cérebro lesionado e uma fala/escrita/escuta alteradas: há um sujeito que sofre por efeito de sua condição sintomática na linguagem. As oficinas de arte proporcionam ganhos à vida dos sujeitos. Quais questões na área da Gerontologia têm sido problematizadas a respeito das oficinas de arte para afásicos?

Ana Célia Soares Gomes e Suzana Carielo da Fonseca *

 

reflexoes-academicas-sobre-oficinas-de-arte-para-afasicos-longevosEste artigo tem o propósito de investigar quais foram as produções acadêmicas (dissertações e teses) produzidas nos últimos dez anos (mais especificamente no período entre 2005 e 2015) relacionadas com a experiência profissional de uma das autoras deste artigo como responsável pela condução de duas oficinas (Artes e Entre Histórias e Receitas) no Centro de Atendimento a Afásicos da Divisão de Ensino e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (Derdic) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP).

Tendo em vista tal investigação, entendeu-se que seria possível identificar as questões que, na área da Gerontologia, tem sido problematizadas a respeito do tema, entre as quais destacam-se: os benefícios e os desafios que essa forma de ação traz à vida daqueles que as integram, as áreas do saber que estão envolvidas com esse tipo de reflexão e o método de pesquisa utilizados pelos investigadores.

Antes de prosseguir é preciso esclarecer que a afasia é comumente definida como um quadro patológico em que está em questão “a perda ou perturbação da linguagem causada por uma lesão cerebral” (Benson & Ardila, 1996, p. 3). Para Fonseca (1995, 2001, 2006, entre outros), contudo, na afasia, “há mais do que um cérebro lesionado e uma fala/escrita/escuta alteradas: há um sujeito que sofre por efeito de sua condição sintomática na linguagem. Além de desdobramentos subjetivos importantes, a incidência da patologia afeta o grupo social no qual se insere o afásico” (Fonseca, Lier-De Vitto e Oliveira, 2015).

Vale dizer que a lesão acontece quando o fluxo de sangue que leva oxigênio para as células do cérebro é insuficiente, seja por entupimento ou por ruptura de um vaso sanguíneo. A falta do fluxo causa lesão ou morte de células nervosas, comprometendo as funções neurológicas ou a morte.

A causa da lesão na afasia está em 75% das ocorrências relacionada ao Acidente Vascular Cerebral (AVC), popularmente conhecido como derrame. O risco de AVC aumenta com a idade, sobretudo após os 55 anos. O aparecimento da doença em pessoas mais jovens está mais associado a alterações genéticas. Pessoas da raça negra e com histórico familiar de doenças cardiovasculares também têm mais chances de ter um derrame.

Segundo Pires (2004), 66% dos AVC acometem pessoas na faixa etária entre 60-70 anos. Esse dado foi decisivo em relação à predominância de longevos na composição dos grupos de oficina.

Trabalhos acadêmicos correlatos

Por se tratarem de oficinas de arte voltadas para afásicos longevos as palavras selecionadas como descritores foram: oficina, afasia e arte. Foram selecionadas as seguintes bibliotecas virtuais: PUC-SP (Programa de Gerontologia, Fonoaudiologia e Psicologia); Universidade de São Paulo; Periódicos Capes e Google Acadêmico.

Identificaram-se 25 trabalhos correlatos a partir dos quais foi possível refletir e lançar luz para a proposta de ação grupal desenvolvida no CAAf que, é preciso que se esclareça, lança mão de linguagens de arte em uma proposta de inclusão social. Chama especial atenção o fato de que as conclusões das pesquisas apontem para avanços, tanto subjetivos (emocionais, principalmente), quanto físicos e/ou sociais.

A consulta à biblioteca digital da PUC-SP, usando os descritores oficina e arte levou ao reconhecimento de 24 trabalhos cujo eixo envolve a temática-foco. Desses, após uma leitura mais atenta, constatou-se 20, dos quais 17 foram realizados no campo da Gerontologia, dois na Fonoaudiologia e um na Psicologia. Nesse conjunto, 17 foram publicados por pesquisadoras mulheres. E o método utilizado foi exclusivamente o quantitativo, sendo que uma delas utilizou também o qualitativo.

A partir do levantamento realizado no acervo da USP, por meio da busca avançada, com a seleção dos filtros “dissertações“ e “Fonoaudiologia, “Arteterapia”, e “Gerontologia”, nenhum trabalho foi encontrado. Mas, com o filtro “Psicologia”, identificou-se quatro trabalhos divididos igualmente entre pesquisadores dos sexos: feminino e masculino. Em três o método de pesquisa foi qualitativo e em um quantitativo.

No Google Acadêmico, 835 trabalhos foram elencados e, com a inclusão do descritor “teses”, chegou-se ao número de 319. A leitura dos resumos dos mesmos, resultou em apenas um, cuja autoria é de uma pesquisadora do sexo feminino que utilizou o método qualitativo de pesquisa.

Na consulta aos Periódicos Capes não foi encontrado nenhum trabalho.

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Os trabalhos voltados para a temática devem-se, em grande parte, a empreendimentos oriundos do campo da Gerontologia, pois 17 das ações em arte com idosos foram desenvolvidas por essa área interdisciplinar do saber. A autoria de 19 das publicações é feminina. Esses trabalhos científicos apontam diversos benefícios relacionados com uma atividade grupal que tem como resultado ou uma produção artística individual ou do grupo intermediada pelas linguagens de Arte (musical, fotográfica, literária, gráfica, cênica, culinária).

reflexoes-academicas-sobre-oficinas-de-arte-para-afasicos-longevosAs conclusões a que chegam as pesquisas demonstram enormes ganhos à vida dos sujeitos que participam de oficinas de Arte em grupo, como, a oportunidade de: rever seus valores e os praticar; adquirir novos conhecimentos; compartilhar suas histórias; recordar suas histórias; buscar alternativas para dizer o que desejam; retomar o sentido da vida para si; ter mais vontade de contribuir com a sociedade; crescer emocionalmente; aumentar o desejo de convivência com outras pessoas e adquirir novas experiências; sair da rotina; sentirem-se mais ativos, respeitados e integrados; mudar antigos hábitos alimentares (escolher alimentos mais saudáveis e ingerir mais água); sentir uma melhora na saúde física; apropriarem-se de seus processos de envelhecimento; aumentar a autoestima, a autoconfiança; sentir bem estar; resgatar a individualidade; aumentar a consciência da realidade; desenvolver a autonomia; buscar novos relacionamentos; ampliar suas possibilidades dialógicas; recuperar a fala; melhorar a memória, a orientação espacial, o sono, a praxia e a qualidade de vida; aumentar a participação política; diminuir os sintomas de depressão; aumentar a capacidade de escolha das necessidades e das prioridades e superar o medo de aprender novas habilidades.

Mesmo que esses trabalhos científicos apontem diversos benefícios relacionados com uma atividade grupal que tem como resultado ou uma produção artística individual ou do grupo intermediada pelas linguagens de Arte (musical, fotográfica, literária, gráfica, cênica, culinária), não se encontrou um número significativo dessas ações.

Chama a atenção, também, o fato de terem sido identificados apenas dois trabalhos com afásicos, tendo em vista a experiência acumulada no CAAF (Fonseca, Lier-Devitto e Oliveira, 2015) considera-se necessária e urgente a proposição de serviços clínicos e/ou Centros de Convivência com o objetivo de fortalecer: os laços de convivência, o protagonismo e a autonomia. Convicção que se confirma por meio do compromisso que os pacientes e seus familiares tem em sustentar a presença nas oficinas por anos.

Com base nos dados levantados é premente que práticas como essas sejam multiplicadas a fim de melhorar a vida dos afásicos, tendo em vista a demanda e os resultados encontrados.

Referências

CAPUCHA, Luís; ALMEIDA, João Ferreira de; PEDROSE, Paulo; e SILVA, José A. (1996). Vieira da. Metodologias de avaliação: o estado da arte em Portugal. Sociologia Problemas e Práticas, N.22,1996, pp.9-27

FONSECA, SC. Afasia: a fala em sofrimento. São Paulo, SP, 1995.

FONSECA, SC. O Afásico na Clínica de Linguagem. São Paulo, SP, 2002.

FONSECA, SC. Vez e Voz na Linguagem: O sujeito sob efeito de sua fala sintomática. São Paulo, SP, 2006.

FONSECA, SC, Lier-DeVitto, M. F. OLIVEIRA, M. T. Afasia: Atendimento Clínico, Inclusão Social e Atenção à família. Brasília, DF. Artgraph, 2015.

LAVILLE, C. e JEAN, D. (1999). A construção do saber. Manual de metodologia da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed/UFMG.

PIRES, S. L. et all Estudo das freqüências dos principais fatores de risco para acidente vascular cerebral isquêmico em idosos. Arq. Neuro-Psiquiatr. vol.62 no.3b São Paulo, SP, 2004.

ROMANOWSKI, Joana Paulin e Romilda Teodora (2006). As pesquisas denominadas do tipo “estado da arte” em educação. Revista Diálogo Educacional, vol. 6, núm.1 9, septiembre-diciembre, 2006, pp. 37-50. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil.

TURATO, E. R. Métodos Qualitativos e Quantitativos na área da saúde: definições, diferenças e seus de pesquisa. Revista Saúde Pública, São Paulo, 2005, p. 507-14.

* Ana Célia Soares Gomes, fonoaudióloga e arte terapeuta, atuo como autônoma em clínica particular desde 1995 e nas oficinas desde 2009. E-mail: [email protected]

Suzana Carielo da Fonseca, docente do Mestrado em Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: [email protected]

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