Postergando a posteridade

Postergando a posteridade

O progresso científico mudou a quantidade de anos que se pode viver, postergando a posteridade.

Nastasha Mirabile Passos (*)

 

Desde o surgimento do Homo sapiens até agora, houve uma drástica mudança em sua expectativa de vida. No início, a espécie humana vivia em média 20 anos, hoje é possível viver até os 120 anos! E essa transformação deu-se devido ao progresso tecnológico, como exemplo a agricultura, que permitiu ao homem deixar de ser nômade e coletor para se tornar sedentário, possibilitando o surgimento dos primeiros agrupamentos humanos, que, futuramente, dariam origem às Grandes Civilizações.

Por sua vez, a pecuária proporcionou ao homem a criação de gado, evitando que arriscasse sua vida ao caçar animais para se alimentar. Séculos depois, a engenharia tornou possível a construção de casas mais seguras, aviões cada vez mais rápidos, hospitais mais equipados. A medicina curou e preveniu doenças ao criar medicamentos e vacinas, tendo como consequência o aumento da expectativa de vida.

Tudo isso fez com que a espécie humana atingisse atualmente os 120 anos. É sensacional pensar como o progresso científico mudou tanto a quantidade de anos que se pode viver.

Na História da Humanidade, a população nunca apresentou uma quantidade tão grande de pessoas com mais de 60 anos. E, como tudo, há um lado bom e um lado ruim.

O lado bom é que a humanidade, pelo menos nos países desenvolvidos, está conseguindo, em número cada vez maior, chegar à velhice, e isso indica boas condições de saúde, emprego, moradia e desenvolvimento. Por outro lado, não se sabe muito bem o que fazer com essa “nova” população. Não é uma população que possui uma rotina bem definida como a dos adultos, que em sua maior parte do tempo estão trabalhando, cuidando dos filhos e, apenas nos momentos de lazer, passeiam ou descansam.

Além disso, há uma outra questão, o envelhecimento é a perda de parte significativa do vigor, da força, do desempenho vital como um todo, e isso é parte natural do processo da vida. Ao envelhecer, as funções vitais vão se deteriorando e é natural que haja perdas de memória, de equilíbrio, da visão, do sono entre outras funções.

Dessa forma, chegamos a um ponto contraditório. A ciência nos possibilitou viver mais, mas não nos postergou o envelhecimento. Se analisarmos a quantidade de anos que uma pessoa vive em cada etapa da vida, aqui no Brasil, obteremos o seguinte resultado:

  • de 0 a 13, a infância;
  • dos 14 aos 21, a adolescência;
  • dos 22 aos 59, a idade adulta;
  • dos 60 a 120, a velhice.

Observando esses dados, notamos que a pessoa passa 50% de seu tempo na velhice, e tanto faz ajuste de idade para mudar a classificação das faixas etárias. A pessoa passa a maior parte de sua vida com sua saúde em menor vigor e em menor potencialidade na etapa da velhice.

Tendo esse fato em vista, será que não estaria aí o motivo de tantas pessoas procurarem por cirurgias, cremes, ou algum método para rejuvenescer? Será que elas visam somente a estética? Ou essa procura seria alguma forma desesperada de tentar fazer com que o corpo fique jovem, mais produtivo, já que se sabe que hoje o tempo de vida é maior? A ciência está pesquisando genes, produtos, ou algo que possa nos fazer rejuvenescer, mas não há nada de concreto ainda. Muitos já tentaram achar a fonte da juventude…

É fantástico que a ciência nos permita viver mais de 100 anos, porém, não são 100 anos de saúde e vitalidade aumentadas, são só de tempo de vida aumentado.

E como reflexão, termino lembrando do professor australiano David Goodall, premiado ecologista e botânico de 104 anos, que decidiu morrer, por sua qualidade de vida ter decaído muito nos últimos anos. Ele era professor na Universidade Edith Cowan de Perth, e embora fosse produtivo intelectualmente, a universidade tentou demiti-lo, talvez por conta da limitação física decorrente da idade avançada. Como consequência, David Goodall quis encerrar a sua vida por meio do suicídio assistido. Como explicação para tal decisão, disse:

Lamento muito por ter atingido essa idade. Não estou feliz. Eu quero morrer.”

Referências

NOTÍCIAS/UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2018/04/30/cientista-australiano-de-104-anos-viajara-a-suica-para-morrer.htm. Acesso em 1 de jun 2018.

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SOCIEDADE/O GLOBO. https://oglobo.globo.com/sociedade/saude/humanidade-ja-atingiu-maximo-de-sua-longevidade-diz-estudo-20243900. Acesso em: 1 de jun 2018.

ARTICLES/WALLSTREETJOURNAL. https://www.wsj.com/articles/SB10001424053111904875404576528841080315246. Acesso em: 3 de jun 2018.

Fotos de Viktoriia Yatsentiuk e Zac Durant

(*) Nastasha Mirabile Passos é psicóloga clínica formada pela PUC-SP. Texto escrito no cursoFragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ofertado pelo COGEAE/PUC-SP no primeiro semestre de 2018 e coordenado pela profa. Dra. Beltrina Côrte. E-mail: [email protected]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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