Por uma velhice sustentável

Em seu livro Viver Muito, o jornalista e doutorando em Ciências Sociais Jorge Félix defende que é fundamental planejar a velhice para, no futuro, se ter respostas mais assertivas a questões que hoje são incômodas, como “quem vai cuidar de você?”, “onde vai morar, quando tiver 80 anos?” e “quem vai receber a sua aposentadoria, quando você não puder mais ir ao banco?”

Déa Januzzi* Foto: Leonardo Nogueira

 

por-uma-velhice-sustentavelNascido no Rio de Janeiro, Jorge Félix mora em São Paulo e especializou-se em envelhecimento populacional e hoje é referência no assunto. Na entrevista a seguir, ele propõe uma ação conjunta entre o Estado, cidadãos e empresas para criar um ambiente onde seja possível não apenas envelhecer com dignidade, mas abrir espaço para uma participação ativa dos idosos no mercado de trabalho.

por-uma-velhice-sustentavel“O Brasil e o mundo estão envelhecendo mais rápido do que se previa. E as questões do envelhecimento invadiram a sociedade brasileira um pouco de surpresa”, afirma ele, que também é pesquisador do Grupo Políticas para o Desenvolvimento Humano da PUC-SP, e dá dicas sobre como envelhecer de forma sustentável. Confira:

Que fatores influenciam positivamente o envelhecimento?

O Brasil precisa se convencer de que está envelhecendo e, principalmente no mercado de trabalho, deve ter outra relação com as pessoas acima dos 60 anos. Se quiser envelhecer bem, a sociedade brasileira não pode fazer do idoso um ser desamparado. Quanto ao tema da renda, é preciso ter consciência de que uma renda satisfatória é apenas uma parte do planejamento da boa velhice. Mas não é a garantia integral. Ricos e pobres idosos terão os mesmos desafios de integração, inserção, de cuidados e riscos que são impostos por essa fase. Numa sociedade envelhecida, e estamos testemunhando isso na Europa e no Japão, o bem-estar do indivíduo depende da condição de todos. Por mais que a pessoa envelheça bem, sua vulnerabilidade é maior do que a do adulto jovem.

O que é a economia da longevidade?

Comecei a desenvolver esse conceito em 2006, quando iniciei meu trabalho como pesquisador da PUC-SP, e que foi o título da minha dissertação no mestrado em Economia. Agora, é também o título de minha tese de doutorado em Ciências Sociais, na USP. A Economia da Longevidade é uma disciplina que visa estudar as relações econômicas do envelhecimento. Está vinculada à Economia Social, que busca estabelecer parâmetros para a definição de políticas públicas, decisões empresariais e individuais voltadas para atender à nova dinâmica da população. A Economia da Longevidade defende um Estado ativo, planejamento descentralizado, cooperação entre a sociedade e um controle social da economia, ou seja, um mercado regulado.

A expressão velhice sustentável já é usada dentro do conceito da Economia da Longevidade?

Sim. A palavra sustentável tem significado bastante amplo, e envolve desde o aspecto financeiro e de saúde até o ambiente. Ou seja, é preciso garantir renda e ter uma boa saúde, mas ainda é indispensável levar em consideração a sociedade onde se vive, a questão urbana, os serviços, enfim, o ambiente natural onde este idoso está inserido – ou excluído. O conceito de velhice sustentável nasce do cruzamento desses dois fenômenos: o problema ambiental que vive o planeta e a dinâmica demográfica.

Como assim?

No meu ponto de vista, e podemos constatar isso facilmente em São Paulo, por exemplo, o meio ambiente vai suscitar novas despesas para o idoso do futuro, simplesmente porque o mundo ficará mais caro. Se por um lado o avanço tecnológico reduz custos, por outro o problema ambiental eleva as despesas. Produzir de forma sustentável custa mais. O idoso do futuro pagará mais caro por muitas coisas, entre elas, ou principalmente, a água. O custo da água deve ser levado em conta quando se faz um planejamento financeiro para o futuro. Os jovens de hoje devem pensar muito nisso: onde vão morar na velhice? Lá tem água em abundância? Não quero dizer que o mundo viverá numa seca nordestina. Não é isso. A água é que será muito cara. Aliás, hoje ela já está.

O que é preciso fazer para se envelhecer bem em um país como o Brasil?

Estabelecer papéis e responsabilidades para cada ator do processo de envelhecimento populacional: Estado, empresas e indivíduos. Ninguém faz um milagre sozinho. Com relação ao indivíduo, principalmente se tiver uma economia trabalhando a seu favor, o que foi bastante difícil desde os anos 1980, deve-se tomar medidas preventivas. A palavra chave é planejamento. A parcela da população que pode se planejar deve adotar todas as recomendações de medicina preventiva, pois a intenção é reduzir os custos de saúde no futuro. Há doenças imprevisíveis e crônicas. Estamos sujeitos ao risco.

Você diz isso em relação aos custos?

Sim, principalmente àqueles relacionados aos dentes, pele, obesidade, tabagismo, bebida em excesso. Tudo isso é investimento. Segundo, precisamos planejar quem vai cuidar de nós na velhice. É um familiar? O que ele vai precisar? Onde você vai morar aos 80 anos? Terá um cuidador profissional? Um asilo? As pessoas precisam perder o preconceito que o brasileiro tem com esse tipo de planejamento. Quanto à renda, é preciso limitar os gastos, poupar, diversificar investimentos ou designar, enquanto se está jovem, quem vai receber, por exemplo, sua aposentadoria por você, quando não puder mais ir ao banco.

É disso que se trata o envelhecimento ativo?

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Esse conceito foi criado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) depois da Conferência Internacional para o Envelhecimento, em Madrid, Espanha, em 2002. Tem como objetivo ampliar o conceito de “envelhecimento saudável”, que era usado até então. Ele está de acordo com a Economia da Longevidade porque a orientação maior foi reconhecer o idoso como um importante fator de produção dentro da economia capitalista contemporânea. O conceito procura orientar as políticas públicas na direção de oferecer ao idoso condições de saúde e segurança para ampliar seus anos de independência e produtividade cada vez mais.

A geração que hoje está em seus 60 anos envelhece de forma diferente à geração dos seus pais?

As pessoas que estão nessa faixa etária talvez serão as últimas a se beneficiarem de uma outra lógica econômica mundial, que durou até os anos 1980: a desenvolvimentista. De lá para cá, cada vez mais, o mundo assume uma economia financeirizada, que culminou na crise mundial de 2008. Essa geração ainda desfrutou de um mercado de trabalho mais estável e formal, tem o benefício também da geração de seus pais que, no caso brasileiro, estava protegida por uma série de políticas públicas (Sistema Financeiro de Habitação, FGTS, CLT, Seguridade Social etc). Isso tudo coloca o segmento idoso da população brasileira em vantagem em comparação a outros em termos de pobreza. O idoso está acima da linha de pobreza, enquanto as crianças e jovens são mais presentes.

Em relação ao idoso do futuro a questão é mais preocupante?

O grande desafio é formalizar o mercado de trabalho brasileiro, onde quase a metade da população economicamente ativa está na informalidade, sem nenhum benefício e sem contribuir para a Previdência Social. Outra questão é que a geração que hoje tem 60 anos e a de seus pais desfrutam de outro arranjo familiar: têm mais filhos. A família brasileira é cada vez mais mononuclear, com um ou dois filhos. Os arranjos familiares, hoje, são fundamentais para a proteção ao idoso brasileiro. Ele mora com a família. Mas isso não será uma realidade no futuro. Pelo menos é isso que observamos em outros países mais envelhecidos.

Há 10 anos ninguém falava ou dava espaço para os idosos. Hoje, eles são protagonistas de reportagens, filmes, programas e propagandas. O que está mudando nesse cenário?

A grande mudança é a dinâmica populacional. O Brasil e o mundo estão envelhecendo mais rápido do que se previa. E as questões do envelhecimento invadiram a sociedade brasileira um pouco de surpresa. De repente, todo mundo tem um caso familiar para contar, mais próximo ou não, de um tio, uma prima. Isso faz com que os criadores, os produtores de cultura se debrucem sobre o tema. A literatura, o cinema, o teatro estão voltados para o envelhecimento. Espero que a produção cultural tenha, realmente, capacidade transformadora e ajude a sociedade a refletir sobre os desafios impostos por um país mais velho.

Você tem 47 anos. Como está planejando a sua velhice?

O principal planejamento foi justamente estudar o envelhecimento e tomar isso como profissão. Pretendo me dedicar ainda mais à vida acadêmica e já adotei outra profissão: a de professor universitário, paralelamente ao jornalismo. Essa foi uma decisão pensada e tomada aos 39 anos. Acredito que assim poderei trabalhar, talvez, até os 70 anos. Cuido muito da saúde, faço exames periódicos, não fumo, pratico muito exercício e bebo pouco. Cuido muito dos meus dentes. Esse é um custo que não pretendo ter na minha velhice e é uma influência da minha mãe, que nunca deixou de nos levar ao dentista duas vezes por ano, mesmo gastando uma fortuna.

Quais as diferenças entre o envelhecer da sua mãe e o seu?

Ela era professora, está aposentada e mora com minhas tias no Rio de Janeiro. Tem 74 anos e, junto com a irmã mais velha, de 84, cuida da irmã de 80 anos, que tem problemas de articulação e precisa de mais cuidados. As três fazem praticamente tudo no apartamento delas. Minha mãe cozinha, dirige, viaja e namora. Meu padrasto, de 74 anos, está com ela há mais de 30, mas eles nunca moraram juntos. Eu cuido delas à distância, porque moro em São Paulo. Ajudo quando têm alguma questão (em geral burocrática, financeira ou de logística) que elas não podem resolver sozinhas. Enfim, elas tiveram tudo o que falei antes, em referência às gerações passadas. Sobretudo emprego estável (professoras, funcionárias públicas) até a aposentadoria.

Você acha que já existe um nicho de mercado para pessoas com mais de 60?

Por enquanto, no Brasil, o mercado está atrasado para atender às necessidades da pessoa idosa. Há muito mais a oferecer. Não acredito que exista um nicho específico. O que ocorrerá é que tudo o que for fabricado deve ser pensado para o uso de uma população idosa. Ou seja, o consumidor do futuro é uma pessoa idosa e a mercadoria terá que ser fabricada para ele, tendo em vista suas necessidades e limitações. Se eu fosse fabricante, tentaria responder a pergunta: “Como um idoso usaria meu produto?”.

Qual a revolução precisa ser feita para quem chegou à terceira idade?

Em todas as palestras que tenho feito, sempre me perguntam como se reinventar aos 60. Nessa idade, isso é muito difícil. É preciso se reinventar aos 40! E, para isso, como disse anteriormente, é preciso planejamento. Será muito mais complicado se reinventar aos 60 se vinte anos antes você não pensou um plano B. A outra questão é que a reinvenção aos 60 depende, sobretudo, do nível de instrução do indivíduo, que tipo de profissão ele tem, como está inserido no mercado de trabalho. Enfim, suas possibilidades. Geralmente, quem pensa em se reinventar nessa idade se frustra. A recomendação é evitar, ao máximo, perder os laços com o trabalho, protelar a aposentadoria ou, antes de se aposentar, fazer planos e tomar medidas concretas para alcançá-los ainda na fase ativa. Se a pessoa quer abrir um comércio, ser voluntário ou consultor, tem que começar antes de se aposentar.

Quem é ele

Jorge Félix nasceu no Rio de Janeiro em 1967. Como jornalista, trabalhou na Rede Globo, TV Cultura, Jornal do Brasil, IstoÉ, iG e AOL. Criador do Centro de Estudos da Economia da Longevidade, é professor de Jornalismo Econômico na PUC-SP e de Economia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

* Déa Januzzi é redatora do Ecológico, uma empresa que tem como missão formar opinião de qualidade sobre sustentabilidade, para ampliação da consciência e mudança de comportamento das pessoas e organizações. Email: [email protected]. Texto publicado, para acessá-lo clique Aqui , no dia 13/8/2014.

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