Pesquisa Revela a Clínica do Envelhecer

Conheci Dorli Kamkhagi em sala de aula quando ela ainda frequentava o mestrado em Gerontologia. Uma mulher com muita garra e sensibilidade que, já na ocasião, inquietava-se com a angústia da humanidade, o envelhecer, talvez por ter desenvolvido uma escuta sensível em sua clínica. A continuei encontrando nos corredores da PUC durante o seu doutorado, sempre acolhedora e disposta a colaborar com os demais. Foi assim que em um certo dia a convidei para ser colaboradora do Portal do Envelhecimento, o que vem exercendo até o momento.

Beltrina Côrte

 

pesquisa-revela-a-clinica-do-envelhecerDorli Kamkhagi é doutora em Psicologia Clínica e mestre em Gerontologia. Atualmente coordena grupos do Lim 27 – Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo (IPq/USP). É autora dos livros Psicanálise e Velhice e Os Amores de Outono, do capítulo “A ópera Norma e suas articulações com a psicanálise e o envelhecer” do livro Masculinidade e Velhice: entre um bom e mau envelhecer, além de diversos artigos publicados em jornais de grande circulação nacional sobre o envelhecer contemporâneo.

Em sua última pesquisa, a de doutorado, intitulada O envelhecimento como metáfora de morte: a clínica do envelhecer, ela verificou por meio da bibliografia psicanalítica – fundamentalmente na matriz teórica freudiana caminhando para autores da psicanálise contemporânea – quais questões e aspectos necessitavam de maior atenção no processo do envelhecer. Para isso ela precisou entender a representação do velho e da velhice percorrendo diferentes períodos históricos, a fim de traçar um panorama do envelhecimento em diferentes sociedades obtendo, dessa maneira, um quadro das questões presentes na clínica contemporânea.

A partir desse levantamento, Dorli Kamkhagi mapeou as cenas da contemporaneidade por meio de fragmentos da mídia (novelas, filmes, Internet, jornais, revistas e literatura) porque, segundo ela, elas nos mostram as representações sociais da velhice. Segundo ela, parte expressiva dos seus pacientes esteve atravessada por tal universo midiático. Sua pesquisa se baseou no atendimento de cinco pacientes e um grupo terapêutico ao longo do período de cinco anos.

Nesse período ela pode perceber que a clínica do envelhecimento, expressão cunhada por ela, no decorrer desses atendimentos carecia de estudos que contribuíssem para a compreensão dessa fase do desenvolvimento humano, dotada de características singulares, muito específicas.

Na ocasião, Dorli viu também a necessidade de mapear aspectos biológicos e psíquicos, bem como discriminá-los, pois, segundo ela, o processo do envelhecimento e do adoecer – embora possam parecer mesclados – nem sempre caminham juntos. Ela explica que ao final de sua pesquisa, a clínica do envelhecimento ganha um contorno específico com a apresentação dos casos clínicos mencionados que tiveram a incumbência de ilustrar as problemáticas psíquicas vivenciadas.

Em entrevista ao Portal, Dorli Kamkhagi comenta o que a levou ao mestrado e posteriormente ao doutorado, bem como a contribuição social de suas pesquisas. Vamos conhecê-la um pouco mais?

Por que decidiu fazer mestrado sobre envelhecimento?

Eu sempre me senti inclinada a entender melhor as questões do envelhecer. Acho que toda a minha busca está ligada à minha história pessoal, que teve uma parte muito difícil. A perda de meus avós acabou deixando um vazio muito grande nesta minha vivência, ou melhor, história de vida, então a busca pelos conhecimentos “do velho” estão ligados à ausência que que esta figura tão importante acabou existindo de outra forma.

Como se decidiu pelo seu tema de pesquisa e como foi o seu desenvolvimento??

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Bem, foi muito difícil a minha decisão pelo tema e aqui vale tanto no mestrado que fui orientada pela Dra. Ruth G. da Costa Lopes que me auxiliou na busca de um significado maior ao tema De um Outro Novo tempo: A Velhice. Tivemos que percorrer vários caminhos com muitas dificuldades mas que resultaram num trabalho que abriu portas para seguir em frente nas pesquisas do doutorado.

Que desdobramentos acha que esta pesquisa teve na prática ou ainda terá??

Esta pesquisa foi o detonador de um campo enorme na minha prática clínica. comecei a trabalhar com grupos do amadurecimento no consultório, depois no IPQ, desenvolvi junto a outros grupos – como no momento atual no Lim 27 -, um grupo de Neurociências que tem como temática pesquisa sobre Alzheimer.

Esta pesquisa tem sido fundamental em minha atuação atual, pois ela vem sendo fruto de um percurso que se iniciou no mestrado nos estudos de Gerontologia, e depois continuaram no doutorado na minha pesquisa sobre O envelhecimento como uma metáfora da morte. Este percurso me levou a uma releitura de textos freudianos e de toda obra de Freud que falava sobre a transitoriedade, a finitude, a morte, os lutos. Enfim, também estudando os autores contemporâneos, aliados à clínica que eu costumo chamar “do envelhecer”, tenho saído à procura de novos caminhos.

Por algum motivo acha que a sociedade ainda não está preparada para implementar, na prática, o que você discute na pesquisa??

Esta pesquisa que está sendo feita com pacientes cuidadores de familiares de Alzheimer vai nos permitir verificar o quanto de dores, tristezas e quantidade de ‘stress’ estas pessoas estão vivendo. Acreditamos que por meio deste trabalho que acabou de se iniciar (em março) possamos verificar isso. A princípio dois grupos serão avaliados com vários testes para medir os efeitos de cansaço, depressão e stress. Contamos com a confiança do Prof. Orestes Forlenza, diretor do nosso grupo e que tanto tem nos apoiado e acreditado em nosso trabalho. Teremos um dos grupos com um trabalho de consciência corporal e outro com psicoterapis, ambos com 14 sessões. Todos os pacientes passarão por um grupo psicoeducativo, no qual vão aprender a lidar com a parte prática do ser cuidador. Enfim, estamos muito contentes e esperando que este trabalho possa ser realmente de uma grande ajuda. Também continuamos a atender idosos com depressão, algo muito sério e preocupante que precisa ser bem cuidado.

O que o mestrado e a pesquisa acrescentaram em sua vida pessoal e profissional??

Acho que o mestrado e o doutorado foram absolutamente essenciais no meu desenvolvimento e transformação nas questões ligadas ao envelhecer. Estes estudos, aliados à prática, contribuíram imensamente para o meu crescimento e transformação, que neste momento também quero compartilhar com a sociedade.

Quais os principais desafios que enfrentou durante o desenvolvimento da pesquisa??

Sempre que começamos uma pesquisa, nem sabemos direito que caminho trilhar e como isto deve ser feito. Fui muito privilegiada por meus dois grandes orientadores, a Prof. Dra Ruth G da Costa Lopes e o Prof. Dr. Alfredo Naffah Neto, ambos da PUC-SP e com estilos totalmente diferentes puderam ser aquilo que Winnicott chama “de mãe suficientemente boa” no acolhimento, carinho, ajuda e muitas broncas. Tive inúmeras vezes vontade de desistir, de jogar tudo para o alto, porém continuei firme.

Quais são seus próximos passos na vida acadêmica a partir deste mestrado? E na vida profissional??

Acho que a minha pesquisa ajuda a dar ao outro que envelhece um lugar. Lugar de dignidade, de vida, de possibilidades. Talvez o olhar do terapeuta que realmente escute as dores, os tormentos, os medos, possa também ajudar nesta ponte entre o mundo subjetivo do sofrimento e a possibilidade de um espaço social, cultural, emocional em nossa sociedade. Afinal, todos temos muito medo daquilo que não sabemos, do que não conhecemos. Do outro, do velho que mora dentro de cada um de nós.

A pesquisa de Dorli Kamkhagi pode ser lida na íntegra Aqui. E-mail: [email protected]

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