Pesquisa que já dura 79 anos revela o que importa para um envelhecimento feliz

Pesquisa que já dura 79 anos revela o que importa para um envelhecimento feliz

A mais longa pesquisa longitudinal de que se tem notícia sobre a vida de um grupo de homens americanos, conduzida pela Universidade de Harvard, revela que o que mantém as pessoas felizes e saudáveis são bons relacionamentos.

 

Robert Waldinger* inicia sua palestra da conhecida série de conferências TED, amplamente disseminadas na Internet, refletindo sobre como saber quais foram as escolhas das pessoas, durante os vários momentos de suas vidas, e quais foram os resultados de tais escolhas. Para isso, geralmente o pesquisador pergunta a elas sobre seu passado. Ocorre que, prossegue Waldinger, nossa memória não alcança muitas coisas que vivenciamos há anos. Ele se pergunta então: e se pudéssemos acompanhar os vários momentos dessas vidas desde a adolescência até a velhice para vermos o que mantém as pessoas felizes e saudáveis, o que será que veríamos?

Em seguida, Waldinger nos conta a história da, talvez, mais longa pesquisa longitudinal de que se tem notícia, da qual ele é o quarto diretor e que está sendo conduzida pela Universidade de Harvard, sobre a vida de um grupo de homens americanos. As milhares de páginas de observações e análises produzidas foram obtidas a partir da paciente coleta de dados via questionários, resultados de exames médicos, vídeos sobre interações familiares etc.

Sabemos que a grande maioria das pesquisas realizadas na área das ciências humanas, de tipo transversal, investiga um determinado grupo social em determinado momento histórico. Quando se estuda comportamento, atitudes e valores nas diversas fases de vida de um indivíduo, geralmente recorremos às suas lembranças com as inevitáveis limitações que esse método nos apresenta. Já numa investigação longitudinal, a riqueza de dados é consideravelmente maior. Todavia, trata-se uma opção cara e de difícil acompanhamento, pois os sujeitos vão se ausentando, seja por morte ou mudanças de paradeiro, o mesmo acontecendo com os próprios pesquisadores. Por isso, dos 724 sujeitos dessa pesquisa que teve início em 1938, apenas restaram 60 pessoas, estas já na faixa dos 80 e 90 anos de idade.

O resultado dessa mega investigação, como era de se esperar, revela sujeitos que se deram bem na vida, enquanto outros se saíram bem mal, seja do ponto de vista financeiro, social ou da saúde. Mas, a principal mensagem recebida dos investigados foi a de que “bons relacionamentos nos mantêm mais felizes e saudáveis” (sic). Constatação simples e até óbvia para muitos, mas que é, também por muitos, esquecida ou até desconhecida.

Sabemos que sentimentos de solidão podem se instalar em qualquer momento de nossas vidas, mas na velhice, dado o isolamento a que são submetidos os velhos ou aos quais voluntariamente se submetem, a situação pode assumir contornos ainda mais dramáticos. A pesquisa longitudinal de Harvard permitiu, exatamente por sua própria natureza, voltar a analisar depoimentos dos sujeitos, que hoje são octogenários, da época em que estavam com cinquenta anos de idade, na chamada meia idade e, portanto, na transição para a velhice.

O fator “bons relacionamentos” revelou-se, então, um forte preditor de bem estar na velhice. Aqueles que se declararam felizes com seus pares há algumas décadas antes, se encontram agora satisfatoriamente ajustados à atual fase de vida, saudáveis fisicamente e também com suas capacidades cognitivas, sobretudo a memória, melhor preservadas.

Certamente, a sensação de solidão não é resolvida apenas pelo número de amigos que temos ou que julgamos ter. Da mesma forma, o fato de estarmos casados ou de termos família numerosa, ou ainda, de possuirmos muitos colegas de trabalho à nossa volta, não é o bastante. Mas, por mais evidente que isso possa parecer, há muitas pessoas buscando “amigos” e mais “amigos” nas redes sociais. E o que significa mesmo, ter cinco mil amigos no Facebook? Obviamente, o que importa é a qualidade de nossas relações familiares, comunitárias, no trabalho, no lazer, na militância política ou religiosa etc. Waldinger comenta que ao menos um em cada cinco norte-americanos se declara solitário. E no Brasil, quantos se sentem assim? E em que época da vida a solidão bate mais forte?

O ser humano é gregário por natureza. Martin Buber, em “Eu e Tu”, no desenvolvimento de sua filosofia do diálogo, descreve toda a riqueza fenomenológica que envolve as relações humanas. Nosso Eu se constitui na relação com o outro, conforme afirmam também as várias escolas da Psicologia e da Psicanálise. Simone Weil nos fala dos efeitos deletérios do isolamento imposto pelo que ela chama de “desenraizamento social”. Na mesma linha de reflexão, Ecléa Bosi, que recentemente nos deixou, mas cujos ensinamentos permanecerão vivos em todos nós, lembra a desfiguração do cenário dos bairros e das cidades como fator de exclusão de muitos velhos que não conseguem acompanhar as mudanças sociais e que acabam, por isso, confinados em suas casas.

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Somos dependentes uns dos outros, eis outra afirmação repetida à exaustão, mas que pouco repercute em muitos de nós. Por isso, é importante repisá-la. A ideia de interdependência é exaltada e transmitida há milênios pela filosofia budista que nos ensina a prestar atenção, com humildade e reverência, à imensa cadeia de conexões que ligam pessoas de alguma forma envolvidas na produção e distribuição da infinidade de objetos que utilizamos em nosso cotidiano. Imagine, por exemplo, todo o processo envolvido na elaboração de uma simples folha de papel que temos à nossa frente. Tente visualizar todas as pessoas das quais dependemos para que algo tão banal venha parar em nossas mãos, desde o plantio da árvore até a chegada ao comerciante.

Waldinger comenta que a importância dos bons relacionamentos faz parte da sabedoria antiga, então, por quê não são construídas? E responde: porque o trabalho é árduo e não tem glamour. Parece mesmo que ficamos sem paciência para construir vínculos mais sólidos. Vários pensadores, como Bauman, tem nos alertado para a volatilidade das relações afetivas nessa tal Pós Modernidade em que vivemos, caracterizada pela inconstância de valores, individualismo, hedonismo, superficialidade, competitividade, valorização do efêmero e do descartável, consumismo, grande importância às aparências, necessidade exacerbada de reconhecimento, arrogância e falta de confiança no outro.

Hannah Arendt, ao analisar o distanciamento entre as pessoas, nos diz: O que torna tão difícil suportar na sociedade de massas não é o número de pessoas que ela abrange, ou pelo menos não é este o fator fundamental; antes, é o fato de que o mundo entre elas perdeu a força de mantê-las juntas, de relacioná-las umas às outras”.

Diante desse quadro preocupante, penso na grande responsabilidade que tem os mais velhos em relação às futuras gerações e recorro ainda às reflexões de Arendt que já nos anos 1950 criticava pais e professores que passaram de uma atitude autoritária a outra oposta de complacência e omissão para com seus filhos e alunos. Os adultos devem ter, portanto, o compromisso de transmitir seus próprios erros e acertos aos nossos jovens, isto é, deixar claro quais forma as consequências de suas escolhas, para que os mais moços possam decidir por onde seguir.

Para enfatizar a importância dessa intervenção dos mais velhos, o palestrante Waldinger cita uma pesquisa recente na qual 80% dos jovens disseram pretender concentrar esforços para enriquecerem e ficarem famosos. Portanto, o valor do investimento em relações saudáveis, talvez não seja assim algo tão óbvio para os jovens. É preciso esclarecê-los.

Tais aconselhamentos ou recomendações podem ser feitas sem imposições, mas sim como um convite a trilhar caminhos que os mais vividos acreditam ser os melhores. Assim, sob a égide de um diálogo franco e corajoso, as gerações interagindo poderão refletir sobre o que todos juntos podem fazer com o legado herdado de nossos ancestrais para a construção de um mundo mais humanizado. Dentre outras tantas lições, cultivando bons relacionamentos.

*Robert Waldinger é psiquiatra e diretor do Centro de Estudos do Desenvolvimento da Vida Adulta da Universidade de Harvard. O seu TED no Youtube se encontra no seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=fM0wUW6nwhI

Referências
Buber, Martin. E e TU. Introdução e tradução de Newton Aquiles Von Zuben. São Paulo: Editora Centauro, 2001.
WEIL, Simone. A condição operária e outros estudos sobre a opressão. Tradução de Therezinha Gomes Garcia Langlada, seleção e apresentação de Ecléa Bosi. São Paulo, Editora Paz e Terra, 2a edição revista, 1996.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – lembranças de velhos. São Paulo, T.A. Queiroz Editor, 1979.

Foto de destaque: João Antônio de Oliveira, de 92 anos, e Angélica Gomes de Meneses, 88 anos, casal de idosos fotografado em 2015 por Victor Moura (Foto: Reprodução https://www.facebook.com/VictorMouraFotografias/?fref=photo). Conheça mais em: https://liberidade.com.br/ensaio-retratando-o-amor-entre-idosos-viraliza-na-internet/.

 

José Carlos Ferrigno

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e pela Universidade de Barcelona. Especialista em Gestão de Programas Intergeracionais pela Universidade de Granada. Professor de cursos de especialização em Gerontologia. Consultor em planejamento, acompanhamento e avaliação de programas de preparação para a aposentadoria, de ocupação do tempo livre do trabalhador aposentado e de programas intergeracionais. Autor dos livros “Coeducação entre Gerações” e “Conflito e Cooperação entre Gerações”. Temas sobre os quais escreve: Relações intergeracionais na família, no trabalho e demais espaços sociais; Psicologia do envelhecimento; Preparação para a aposentadoria; Ocupação do tempo livre; Desenvolvimento cultural na velhice. E-mail: [email protected].

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Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e pela Universidade de Barcelona. Especialista em Gestão de Programas Intergeracionais pela Universidade de Granada. Professor de cursos de especialização em Gerontologia. Consultor em planejamento, acompanhamento e avaliação de programas de preparação para a aposentadoria, de ocupação do tempo livre do trabalhador aposentado e de programas intergeracionais. Autor dos livros “Coeducação entre Gerações” e “Conflito e Cooperação entre Gerações”. Temas sobre os quais escreve: Relações intergeracionais na família, no trabalho e demais espaços sociais; Psicologia do envelhecimento; Preparação para a aposentadoria; Ocupação do tempo livre; Desenvolvimento cultural na velhice. E-mail: [email protected].

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