Perfil: Breno Sammarco

Um casamento de quase 60 anos – “3 anos foram de namoro, e 57 anos ficamos casados” – uma filha, três netos e quatro bisnetos. Breno Sammarco, de 95 anos, gosta mesmo é de falar da família e de lembrar dos tempos em que caçava perdiz e codorna no interior de São Paulo. E dos automóveis que dirigia!

Maria Lígia Pagenotto e Fotos de Alessandra Anselmi 

 

Perfil-Breno-SammarcoEle, no entanto, é um profundo conhecedor de cinema, especialmente dos atores que brilharam nos filmes mudos. Afinal, era o responsável, nos idos de 1930/40, no interior de São Paulo, por molhar a tela onde o filme era projetado, a fim de evitar que a mesma não esquentasse muito. O projetor, naquela época, ficava atrás da tela, e, sem a água providencial, corria o risco dela pegar fogo.
Breno é um homem tímido, reservado. Diz que não tem amigos, que viveu sempre para a família. Mas de longe é uma pessoa triste.

Nele chamam atenção sua excepcional memória e lucidez.

Os olhos azuis, emoldurados por muitos fios de cabelos brancos na lateral da cabeça, também são motivo de comentários. O neto Pedro Sammarco tira seus óculos, para que possamos admirá-los mais de perto. Ele fica meio sem jeito e sorri.

É um homem ágil. Pergunto se quer ajuda para se levantar, ele recusa. Tento dar o braço quando caminha até a sala, e, de novo, a recusa. Breno precisa de pouco auxílio em seu dia-a-dia. Mora com a filha, o genro e o neto Pedro. Os bisnetos estão sempre por perto também, pois residem próximos, todos na Serra da Cantareira, no município de Mairiporã, na Grande São Paulo.

Dorme sozinho em seu quarto e não dispõe de cuidador. Na casa, espaçosa e com um lindo e exuberante jardim no entorno, há apenas uma empregada doméstica, a Val, que dá atenção especial a Breno quando a família sai. Ela também é responsável pelo seu banho diário, mais dando apoio do que qualquer outra coisa.

Aqui ele fala um pouco sobre sua vida longa, o que pensa sobre envelhecimento, como se sente.

O senhor ficou viúvo quando?
Perdi minha mulher, Maria Lúcia, em 1997. Foi difícil ficar sozinho, pois convivemos durante 60 anos – 3 de namoro e 57 casados. Sinto muito a falta dela. Afinal, vivemos só nós dois por muito tempo, numa casa grande, lá em Lins.

Fale um pouco da sua família

Perfil-Breno-SammarcoEm casa éramos três homens e duas mulheres. Sobraram eu e meu irmão mais novo, que está com 93 anos. Ele é advogado, tem três filhos, e até pouco tempo ainda trabalhava. Está bem lúcido, mas ele sempre brinca que minha memória, apesar de eu ser um pouco mais velho, é bem melhor do que a dele. Perdi minha mãe quando ela tinha 80 anos. Meu pai morreu com 88 anos. Nenhum deles ficou doente, morreram de velhice mesmo.

O senhor nasceu onde?

Em Pilar do Sul, cidade a 60 km de Sorocaba. Meu pai tinha padaria e cinema lá. Trabalhei nos dois lugares, e também em outros comércios. Meu pai veio da Itália, da Costa Amalfitana, meio fugido, pois namorava uma mulher lá e a família não gostava dele. Mas ele não veio como imigrante. Estudava medicina na Itália, aqui se formou em Direito, no Largo São Francisco. Na família há muitos advogados. Minha mãe era gaúcha, foi professora primária e lecionou durante 32 anos. Na família dela havia muitos professores. Aliás, na nossa família tem de tudo um pouco: engenheiro, dentista, médico.

Qual a sua profissão?

Estudei só até o ginásio. Mas fiz de quase tudo nesta vida – só não roubei e não matei…. (risos). Fui vendedor em Promissão, trabalhei muito no balcão de secos e molhados, de tecidos. Foi nessa ocasião que fiz alguns amigos. Sou muito tímido, não tenho amigo atualmente. Mas lembro de um grande amigo desta época, o Aidano. Como vendedor, ganhava, na época, 80 mil réis. Depois de 9 anos, juntei algum dinheiro, mais ou menos 70 contos de réis. Com esse dinheiro, fui comprar porco gordo. Daí mudei para Assis. Comprava porcos gordos no Paraná e em Assis. Cheguei a ter 50 mil porcos gordos em um ano. Depois eu os vendia. Os porcos embarcavam para Santos e para Cruzeiro, onde havia 6 fábricas de banha. Com o dinheiro dos porcos, depois comprei uma pequena fazenda, em Promissão. Plantei milho, amendoim, feijão, arroz, criei gado, café. Ajudei muita vaca a parir, operei porcos. Vendi muito café para famílias coreanas, japonesas, portuguesas. Gostava muito dessa vida. Em 1971, eu vendi essa fazenda e apliquei o dinheiro em um fundo de renda fixa. Mas, com a política econômica da época, acabei perdendo dinheiro. Assim, fui trabalhar como fiscal de matadouros de animais, para a Secretaria da Agricultura. Trabalhei nessa função em Lins e em Promissão.

E o senhor se aposentou nesta atividade? Quando foi isso?

Sim, me aposentei como fiscal, em 1983.

O que fez depois que se aposentou?

Praticamente nada… na verdade, me ocupava do trabalho de casa, ajudando minha mulher, indo fazer compras. Também ajudei a cuidar dos meus netos. Mudamos para São Paulo depois da minha aposentadoria. Minha filha veio para cá com os filhos pequenos ainda e minha mulher não queria ficar longe dela, pois era nossa única filha. Ela é professora secundária. Deu aulas de Estudos Sociais e Política nos tempos da ditadura militar.

O senhor tem muitas lembranças desta época?

Sim, lembro muito quando o Pedro (o neto mais novo, com quem mora) nasceu. Ele era fraquinho, tinha uma doença no timo. Isso foi em Lins. Minha filha trouxe ele para São Paulo, para se tratar no Instituto da Criança (da USP). Ele ficou internado vários meses, chegou a ser desenganado pelos médicos. Mas resistiu. O problema no timo foi superado. Esse meu neto é um herói!

Convive muito com os mais jovens da família, os netos e bisnetos? Gosta dessa convivência?

Eles estão sempre aqui. Além do Pedro, tem a Isabela e o Fábio, meus netos. Desses dois mais velhos, tenho 4 bisnetos: o Henrique, de 9 anos, e o Guilherme de 1, filhos da Isabela; o Leonel, de 13, e a Carolina, de 7 anos, filhos do Fábio. Gosto muito de estar perto deles.

A que o senhor acha que deve essa sua saúde, sua longevidade?

Ah, sempre tive uma vida livre, solta. Fui criado em fazenda, viajava. Acho que isso ajuda a ter saúde.

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E sua alimentação ao longo da vida, como tem sido?

Eu sempre comi muito feijão e arroz. Isso é que alimenta o homem, não é esse negócio de McDonald’s não… (risos). Também gosto muito de frango assado, costela assada, mas não posso comer mais, porque dizem que faz mal. De vez em quando bebo um pouquinho de vinho. Mas nunca fumei. Acho que porque meu pai fumava charuto, peguei bronca disso.

O senhor tem então uma boa saúde? Já ficou doente?

Já, claro. Eu tive câncer do intestino, em 1996. Operei, mas faço controle da doença até hoje.

Perfil-Breno-SammarcoO senhor mora num lugar privilegiado, na Serra da Cantareira, com muito verde, ar puro, uma vista linda. Como se sente aqui?

Ah, não tenho do que reclamar. Na verdade, acho que não tenho que gostar ou desgostar, tenho é de me conformar. Mas graças a Deus não me falta nada aqui. Mas ajudei muito minha filha e meu genro também, quando pude, em Lins. O lucro que eu tinha com os animais que criava, passava para eles.

O senhor tem algum hobby?

Gostava muito de dirigir, mas parei há 3 anos. Não sinto mais confiança em pegar o volante. Eu aprendi a dirigir com 12 anos, adorava. Até pouco tempo tinha uma Brasília. Saía daqui, deixava o carro estacionado no metrô Santana e pegava o metrô até a estação Santa Cruz. Ia fazer a revisão de saúde, por causa do câncer, no Hospital do Servidor. Agora alguém da família me leva até lá. Ah, também gostava muito de caçar.

Depois que ficou viúvo, o senhor não namorou mais ninguém?

Não, sou muito tímido. Mas quando estava em tratamento, conheci uma médica muito bonita, cheguei a me apaixonar por ela. Sou tímido, mas quando decido uma coisa, vou em frente. Mas um homem de 70 anos não é mais a mesma coisa do que antes. Até os 70, por exemplo, eu tinha relações sexuais com minha esposa. Depois não tive mais.

Como é o seu dia? O senhor gosta de fazer o que por aqui?

Eu andava bastante, mas depois comecei a sofrer algumas quedas e fiquei com receio. Agora estou fazendo fisioterapia e já me sinto melhor. Gosto muito de ver televisão, novelas, filmes, notícias. Também leio o jornal aos domingos, quando meu genro compra. Gosto também dos programas rurais e do Faustão.

O senhor gosta de ler? Acha que sua memória boa tem a ver com isso?

Não sei, mas hoje leio pouco. Já li mais. Quando moço, devorava os livros da M. Delly, bem água-com-açúcar (risos). Eu gostava muito desse tipo de livro. Mas acho que minha boa memória tem a ver com minha natureza mesmo, minha índole. Mas minha mãe também tinha ótima memória, muito mais do que meu pai. Acho que pode vir daí também.

Que sonhos o senhor tem atualmente?

Meu maior desejo é não ficar impossibilitado de me movimentar, preso a uma cama. Mas reconheço que nesta idade a gente tem de se conformar. A gradeço a Deus a vida que tenho, meus netos, bisnetos. Acho tudo o que tenho muito bom.

Perfil-Breno-SammarcoQual foi sua maior alegria até agora?
Quando nasceu meu primeiro neto, o Fábio. Fiquei muito feliz em ver aquela pessoa, um ser que saiu de mim.

E a sua maior tristeza?
Foram as mortes dos meus irmãos. É muito triste perder alguém querido, tão próximo, como um irmão. Acho que o mais difícil de ficar velho é ter de passar por essas perdas. A gente não aprende nunca a lidar com isso. Também sinto muita falta da minha mulher.

O senhor acredita em Deus?
Sim, acredito. Sou católico à minha moda, porque não fico batendo no peito, nem sou de ir à igreja. Mas casei na igreja. Hoje faço minha própria religião.

O que o senhor acha das transformações pelas quais a cidade de São Paulo passou ao longo dos anos?

Eu gostava mais da São Paulo antiga. Acho que as pessoas hoje não são elegantes. Sinto falta de ver gente mais bem arrumada. Vou ao hospital fazer exames e vejo um monte de gente que vai de shorts, uns modelos largos, estranhos. Também vão de chinelo. Isso é muito feio. Também me assusta ver tanta violência, roubo, corrupção, assaltos, tanto na cidade como no Brasil. Hoje tem carro que anda a 150 km/hora e comete um acidente. Isso é muito grave.

Cite alguma coisa que mais chamou sua atenção ao longo da vida.

Admiro muito a chegada do homem à Lua – se for verdade mesmo, né? Tem muita gente que não acredita que eles chegaram lá, mas eu acho que chegaram. É um feito e tanto! Também admiro a tecnologia. Mudou tudo na vida da gente. Lembro que quando eu era jovem, as pessoas faziam compras e os vendedores marcavam os gastos nas cadernetas. Quando chegava no final do mês, nós tínhamos que fazer todas as contas, cruzar informações. Isso dava muito trabalho, hoje tudo isso é feito pelo computador.

Que balanço o senhor faz da vida até agora?

Sou um homem feliz. Fiz tudo o que quis, o que gostava. Gostava muito de caçar, por exemplo. Levantava cedo na fazenda, punha minha bota. Meu cachorro já ficava contente (risos), porque íamos sair para a caçada. Hoje isso é completamente proibido. Naquela época significava para mim a liberdade, adorava essa sensação.

Aos 95 anos, o que o senhor pensa a respeito do envelhecimento?

Ouço as pessoas falarem muito que fulano está caduco. Acho engraçado, eu não sei o que é ser caduco (risos). Como bem, durmo bem. Eu me sinto muito bem.

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