Padrões estéticos e envelhecimento: Liberte-se, você é muito mais que um corpo!

Estamos envelhecendo a cada segundo, a cada minuto sofremos alterações físicas e biológicas, e o culto ao corpo tem nos tornado cada vez mais doentes, tristes e infelizes.


Gostaria de começar esse texto com a seguinte pergunta: “Como a nossa relação com o corpo aos 20 e poucos anos pode interferir de forma positiva ou negativa o nosso processo de envelhecimento?”. Normalmente as respostas que recebo ao fazer uma pergunta como essa estão relacionadas à prática de atividades físicas, alimentação balanceada, autocuidado e tantas outras orientações que ouvimos ao longo de nossas vidas para que possamos chegar na velhice com uma boa qualidade de vida.

Lembro-me que durante o meu mestrado em Gerontologia, com meus 22 anos de idade, muitas discussões relacionadas à aceitação da velhice como ela é: cabelos brancos, as rugas, a aceitação da senescência, me fizeram em alguns momentos questionar se eu de fato estava fazendo o curso certo, pensava durante essas aulas “Acho que tem algo de errado comigo, quando eu tiver cabelos brancos quero pintar sim, talvez queira fazer algumas cirurgias plásticas na barriga…”. E o fato é que não havia nada de errado comigo, a realidade é que muitos jovens como eu são influenciados a cada segundo por uma sociedade capitalista em que temos uma indústria de beleza gigantesca que age fortemente com uma mídia que defende um padrão único de beleza, o que afeta significativamente nossa saúde física e mental, principalmente de nós mulheres.

Com 26 anos e depois de muita terapia, trabalho diariamente com a aceitação das mudanças do meu corpo, uma vez que tenho um diagnóstico de transtorno alimentar que venho tratando seriamente no último ano. Tomei essa decisão quando cheguei ao ápice de querer fazer abdominoplastia e ao realizar minha avaliação com um médico cirurgião tive uma grande surpresa graças a sua responsabilidade e ética médica, quase ao fim da consulta ele finalizou suas explicações relacionadas ao meu caso com o seguinte: “Eu não participarei disso, você primeiro de tudo precisa se tratar, pois se eu fizer sua cirurgia você jamais ficará satisfeita, você precisa de um trabalho psiquiátrico menina, pare de maltratar o seu corpo”.

Me lembro que saí do consultório totalmente perdida e indignada, pensava “Mas que médico louco é esse? O trabalho dele é justamente modificar corpos, como ele se recusa a fazer o que eu quero?”. Eu já sabia do meu transtorno pois convivia com ele há mais de 7 anos, porém sempre pensei que por ter consciência do problema daria conta sozinha.

E foi diante desse cenário que busquei compreender de onde vem tudo isso, de onde vem essa dificuldade em me aceitar, a dificuldade de amar o meu corpo e a de me respeitar, de valorizar qualidades como a minha vida profissional e acadêmica e a refletir sobre o que sempre falei e defendi em meus textos relacionados à aceitação do processo de envelhecimento.

Hoje, prestes a completar meus 27 anos, embora muito jovem como sempre ouço das pessoas, já percebo mudanças em meu metabolismo devido ao processo de envelhecimento e aos maus tratos que realizei comigo mesma nos últimos anos, dietas restritivas, atividades físicas intensas e tantas outras loucuras, meu objetivo de vida hoje é manter a minha saúde física e mental livre da escravidão que passei nos últimos 8 anos.

Diariamente me deparo com a indústria farmacêutica prometendo resultados perfeitos na pele, emagrecimento rápido e tantas outras pílulas mágicas as quais recuso frequentemente, não é fácil, mas escolhi enfrentar essa batalha, sendo uma das prioridades e escolhas mais importantes de toda minha vida.

Ainda não tenho cabelos brancos, mas estou em uma transição capilar difícil para a forma natural do meu cabelo, já que sempre alisei para me adequar aos padrões.

Tenho lutado para que eu não resolva dar um fim a essa angústia, a esse sofrimento quando eu já estiver na finitude, é um desafio diário e necessário do qual precisamos falar, pois a aceitação começa desde a infância, onde nos deparamos com as histórias infantis em que as princesas são sempre jovens, magras, montadas em seus cavalos brancos junto com seus respectivos príncipes e vivem felizes para sempre em seus castelos, e por outro lado temos as bruxas quase sempre velhas, maldosas e vistas como feias.

Ao longo desses anos de atuação já me deparei com relatos de mães em meu consultório contado sobre o medo de seus filhos quando se aproximam de pessoas velhas, e muitas vezes me perguntavam “o que eu faço?, ele não gosta de abraçar o meu pai ou a minha mãe…”. Normalmente trata-se de convívios distantes, ou seja, os netos quase não tinham contato com os avós e quando acontecia a proximidade surgiam conflitos e dificuldades nessas relações.

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Esse tipo de medo acompanha muitas pessoas durante a infância, a adolescência, a fase adulta e por fim a velhice, em que encontramos muitos idosos depressivos e angustiados simplesmente pela dificuldade de aceitar uma das certezas da nossa vida: o processo de envelhecimento. Estamos envelhecendo a cada segundo, a cada minuto sofremos alterações físicas e biológicas, e o culto ao corpo tem nos tornado cada vez mais doentes, tristes e infelizes.

Em seu livro “O Mito da beleza”, Naomi Wolf aponta que a juventude e (até recentemente) a virgindade foram “bonitas” nas mulheres por representarem a ignorância sexual e a falta de experiência. O envelhecimento na mulher é “feio” porque as mulheres adquirem poder com o passar do tempo e porque os elos entre as gerações de mulheres devem sempre ser rompidos. As mulheres mais velhas temem as jovens, as jovens temem as velhas, e o mito da beleza mutila o curso da vida de todas. E o que é mais instigante, a nossa identidade deve ter como base a nossa “beleza”, de tal forma que permaneçamos vulneráveis à aprovação externa, trazendo nosso amor-próprio, esse órgão sensível e vital, exposto a todos.

Como eu sempre digo “Somos muitos mais que um corpo”, nossa identidade vai muito além do que uma ruga, uma celulite ou um cabelo branco. Não é fácil, estamos cada vez mais vulneráveis ao excesso de informações que fixam esses padrões, seja por meio das redes sociais e suas influencers digitais fitness, da adesão capitalista a pílulas mágicas ou ao discurso do corpo livre e autoaceitação. Sim, fazemos parte do processo em que ao mesmo tempo que queremos assumir nossos cabelos brancos ou encaracolados, queremos tingir ou alisar, que ao mesmo tempo que escrevemos e falamos sobre viver a vida como ela é e aceitar o envelhecimento, temos medo do processo, é uma jornada lenta, requer paciência e autoconhecimento.

Por muito tempo me senti culpada por querer me encaixar nos padrões, me sentia fora do mestrado e daquele grupo por não conseguir colocar a teoria em minha vivência, mas hoje vejo que tudo isso fez e ainda faz parte desse meu processo de crescimento. Gosto de relacionar minhas discussões com o meu exemplo, pois percebo que pessoas de diferentes idades se identificam com o que eu falo. Respondendo à pergunta inicial, acredito, portanto, que a nossa relação com o corpo aos 20 e poucos anos vale muito mais que uma rotina de atividade física e alimentação saudável, deve-se também a forma com que você fala e olha para o seu corpo diariamente, se você o julga e o maltrata constantemente, certamente terá problemas em sua saúde física e mental no futuro. Por isso se você é jovem, pare e faça uma análise como você tem se relacionado com esse corpo, se você é velho, nunca é tarde para mudanças, autoaceitação e felicidade.

Finalizo reforçando que somos muito mais que um corpo, somos seres humanos, somos alma, somos espírito, somos energia, somos sentimentos, somos emoções e precisamos desse corpo para construir as mais lindas histórias e memórias desse processo louco e maravilhoso que chamamos de vida.

Referências
WOLF, NAOMI. O mito da beleza. Rocco, 1992.

Foto destaque de cottonbro/Pexels


cursos
https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/cursos/

Ana Beatriz Almeida

Graduada em Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista – UNESP e Mestre em Gerontologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: [email protected]

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Graduada em Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista – UNESP e Mestre em Gerontologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: [email protected]

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