Odontogeriatria: uma nova perspectiva de trabalho na Odontologia

Os autores constataram um aumento significativo no número de pacientes de terceira idade, e diante de revisão de literatura realizada, observaram existir um número de profissionais insuficientes e com pouco preparo para o atendimento destes indivíduos em nosso país, realçando a necessidade de profundos estudos e adequação técnica para atuarem nesta população.

Fernando Luiz Brunetti Montenegro*  Carlos Eduardo Manetta* Ruy Fonseca Brunetti *

Introdução

O aumento do número de idosos vem sendo constatado no mundo inteiro, dada a melhoria na qualidade de vida, somado ao avanço da ciência e tecnologia aplicados na área da saúde. No Brasil, as projeções estatísticas do IBGE indicam que, entre 1950 e 2025, a quantidade de idosos aumentará 16 vezes contra cinco vezes da população total. A Organização Mundial da Saúde- OMS, situa a população da terceira idade, como sendo aquela com 65 anos ou mais nos países desenvolvidos, e 60 anos nos países em desenvolvimento,com cerca de 15 milhões de pessoas atualmente.

Diante destes dados é lícito afirmarmos da necessidade de aprimoramento no estudo do envelhecimento, assim como na melhoria da assistência médica, prevenção e tratamento das doenças nas pessoas idosas conjuntamente com assistência psicológica e sócio econômica, segundo BRUNETTI 4 et al.(1998).

A Medicina brasileira, conta com somente 550 geriatras para atender uma população de cerca de 15 milhões de idosos (igual a população total de Portugal), segundo SITTA, NETO e KOMATSU11 (1997), números estes insuficientes para esta população em crescimento constante. Algumas Faculdades de Medicina já estão incorporando a Disciplina de Geriatria e Gerontologia em seus currículos, não promovendo somente cursos de curta duração, como também de reciclagem e especialização.

Este fato ocorre de maneira semelhante com a Odontologia, onde o aumento do número de pacientes idosos não acompanha o número de profissionais preparados para um pronto atendimento frente esta crescente população, de acordo com os estudos de BRUNETTI 5 et al. (1998).

Revisão da literatura

Com o desenvolvimento da Medicina, o tratamento de patologias e a prevenção de doenças está sempre caminhando em benefício da comunidade, conseqüentemente a expectativa de vida está aumentando e a população ficando mais idosa em praticamente todos os países desenvolvidos e em desenvolvimento do Mundo.

A Odontologia também está verificando que uma população de idade mais avançada está procurando cuidados profissionais, onde a média dos profissionais, não está capacitada para os tratamentos específicos para estas pessoas.

Uma pesquisa feita em uma população adulta confirmou que o número de dentes perdidos caiu de 4,9 em 1986 para 3,8 em 1996. Estudo recente mostra que a perda de dentes em idosos, tem diminuído drasticamente, onde pacientes entre 76 e 85 anos de idade tem em média 3,81 dentes a mais do que a dez anos atrás. Aqueles com idade entre 36-45 anos, 1,6 dentes a mais que a dez anos e entre 46-55 anos, 2,2. Pode-se afirmar que ao contrário de seus pais, os idosos do futuro preservarão mais seus próprios dentes. Estas pesquisas indicaram que em 1991, 11% dos adultos tinham ao menos uma arcada desdentada, comparando a 1996 este número reduziu-se para 7,4% 4,5.

CUNNINGHAM, BECK, ETTINGER6 (1984), em um estudo realizado na Universidade de Iowa com estudantes de Odontologia, verificaram falta de preparo e competência para o tratamento de idosos. Diante deste fato, na década de 80, nesta mesma Universidade, foi introduzido um programa com 4 semanas de duração onde os alunos da graduação foram colocados em contato direto com pacientes idosos. Estes autores concluíram que houve melhora no atendimento destes pacientes, os alunos apresentaram maior segurança diante deles, estimulando desta forma a inclusão desta Disciplina nos currículos da Escola.

A importância da inclusão da Odontogeriatria nas universidades em decorrência do crescente número de idosos e a falta de profissionais treinados,é citada por KINA e colab(1996)8 que apresentam a bem sucedida experiência desta disciplina incluída nas atividades clínicas da Universidade Estadual de Maringá (U.E.M.), no Brasil.

Em relação ao tratamento odontológico do paciente idoso, inicialmente uma longa e detalhada história médica deve ser analisada. Este fato é confirmado por MANDERSON e ETTINGER10 (1975), onde além da história médica, eles aconselham diálogos com seus médicos e análises constantes de relatórios, para sabermos se os procedimentos planejados oferecem riscos aos pacientes. Esses diálogos devem ser permanentes para a melhor conduta durante o tratamento. Pacientes portadores de diabetes e hipertensão arterial devem estar sempre compensados durante todo o tratamento odontológico.

Em seu estudo com pacientes geriátricos, ANDREOTTI et al(1988)1 pontificam como fator de grande importância, o tempo da consulta, onde pacientes debilitados não podem permanecer sentados por longo período de tempo, e também sobre o horário da consulta (pacientes com doenças cardiovasculares não devem ser atendidos antes das nove horas da manhã, pois apresentam um maior risco de morte súbita no início da manhã), posicionamento do paciente na cadeira odontológica (doenças cardiopulmonares, hérnias de hiato), quantidade diminuída de vasoconstritor local (doenças cardiovasculares), necessidade de cobertura antibiótica (pacientes com válvulas cardíacas artificiais/histórico de endocardite prévia ), e que diante destes quadros, o planejamento protético deverá objetivar menor tempo clínico e com procedimentos menos invasivos, e os aparelhos realizados devem permitir grande facilidade para sua higienização bem como dos remanescentes dentários.

BRAUN e MARCUS2 (1985), verificaram o planejamento de casos mais complexos para pacientes idosos e orientaram analisar inicialmente o estado geral da dentição, ou seja, a perda da estrutura de suporte, o risco de fratura das cúspides, cáries, abrasão , migração, perda da dimensão vertical, alterações pulpares com repercussão periapical, perfuração na raiz, fraturas, para posteriormente apresentarmos o tratamento ao paciente. Deve também ser levado em consideração o grau de interesse do paciente na manutenção dos elementos dentários, seus cuidados relacionados à higiene bucal , poder realizar visitas constantes ao consultório dentário e o custo de todo o tratamento proposto.

STRAYER et al. (1986)12, afirmaram que o paciente idoso não tem habilidade suficiente para manter uma boa higiene bucal, e que a placa dentária pode causar dano em um período de 24 a 60 horas se não for eliminada. Ainda deixam claro que este é o fator principal para o sucesso ou falha do tratamento protético, seja ele fixo ou removível.

Em um de seus muitos trabalhos dirigidos à Odontogeriatria encontramos ETTINGER7 (1990), analisando a recidiva de cárie dentes com coroas unitárias em pacientes idosos, afirma que se estes elementos unitários estiverem com as margens cervicais bem adaptadas, e estes apresentarem fácil acesso e visão ao tratamento da cárie, seguramente a coroa instalada anteriormente permanecerá, desde que seja possível a remoção completa do tecido cariado sem comprometer a adaptação destes elementos unitários.

KINA9 (1998),estudando as alterações bucais durante o envelhecimento, afirma que estas tornarão certos procedimentos clínicos mais difíceis, limitando o prognóstico do tratamento protético e restaurador. O esmalte dental apresenta-se mais maturado em decorrência de uma maior deposição de fluoretos em sua superfície, deixando este esmalte com maior resistência ao ataque de ácidos, que se por um lado o torna mais resistente ao processo de cárie, mas também reduz a eficiência do ácido fosfórico em desmineralizar o esmalte, quando sistema adesivos para restaurações em resinas compostas estão sendo utilizados. Conseqüentemente o processo de cárie estará relacionado mais com a superfície radicular, geralmente expostas por uma recessão gengival fisiológica relativa à idade ,do que na superfície coronária.

Mudanças no complexo dentino-pulpar estão presentes, onde inicialmente a dentina torna-se mais esclerótica e menos elástica, com mineralização gradual da dentina peritubular, podendo resultar em completa obturação dos túbulos dentinários. Com uma deposição constante de dentina secundária e reparadora faz com que haja um escurecimento gradual da coroa dental. Os canais radiculares sofrem um estreitamento generalizado ao longo de sua extensão, porém, sua obliteração total é rara. A redução no volume da câmara pulpar é verdadeiro, pois há uma incidência maior de calcificação da polpa dos idosos também em decorrência de inúmeros processos cariosos ou traumáticos por toda a permanência do dente na cavidade bucal até esta idade . Outra característica de polpas mais velhas é a diminuição no número e tamanho das células, diminuição no número de vasos sangüíneos, associado a um aumento de fibras colágenas.

KINA9 (1998), afirma que diante destas características, a polpa dentária idosa torna-se mais suscetível ao dano irreversível, o que contra-indicaria,ao menos teoricamente, a realização de tratamentos conservadores da polpa dental na 3a idade . Há também redução no número de fibras nervosas, aumento de dentina secundária e diminuição do volume pulpar, fazendo com que os dentes de idosos tenham respostas alteradas a estímulos do ambiente e testes de sensibilidade. Continuando o seu relato, o autor afirma que a quantidade de cemento está relacionada diretamente com a idade do paciente, ou seja, quanto mais idoso o indivíduo, maior será a espessura do cemento. Em decorrência desta constante deposição de cemento, haverá aumento da espessura, não devendo esta, ser confundida em avaliações radiográficas com hipercementose ou tumores de cemento, os quais seriam processos patológicos que podem necessitar ou não interferência profissional.

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Já BREZINA3 (1997) analisando a população idosa , afirmou que nos E.U.A., os idosos apresentam maior risco de cárie em relação à população de 14 anos e que a perda de dentes não é um processo normal de envelhecimento, e que mais de 60 % das pessoas de 65 anos ou mais apresentam dentes naturais. Problemas de ordem sistêmica estão relacionados com a perda de dentes, como diabetes, câncer, hipertensão, artrites, depressão e até a enfermidade de Alzheimer, não por eles, mas especialmente pelos efeitos colaterais dos medicamentos usados para controle/atenuação destas condições com maior incidência nos idosos..

Em função do ora exposto, pode-se notar a preocupação que deve revestir o tratamento odontogeriátrico e não seria possível abordá-la na íntegra em apenas neste trabalho e aconselhamos aos colegas em todas as áreas odontológicas que procurem desde já se interarem das variações decorrentes do tratamento específico para pessoas de terceira idade.

Conclusão

Concluímos que a Odontologia terá uma mudança de rumos, dedicando-se cada vez mais ao atendimento de idosos que dado às suas maiores perspectivas de vida passa a ser um promissor mercado de trabalho para a classe odontológica,mas que exige uma grande motivação no estudo das particularidades desta faixa etária,que também é bem heterogênea dentre seus componentes. Há um novo universo a descobrir no atendimento dos idosos e urge ser criado espaço nos currículos universitários, com pessoas realmente afeitas à área, para formar novas gerações de profissionais com conhecimentos básicos sobre a Terceira Idade e que transcendem os bancos universitários odontológicos indo até aspectos psicossociais, econômicos, previdenciários, educacionais, interação comunitária e mudança de paradigmas sobre o envelhecimento, arraigados até nos cirurgiões-dentistas, por serem também membros da malha social que envolve o idoso.

O Cirurgião Dentista afeito à esta faixa etária deve buscar o entrosamento com as demais áreas de saúde, pois somente com um trabalho integrado interprofissionalmente podemos alcançar a profundidade do atendimento de idosos.

Referências bibliográficas

1.ANDREOTTI, F.; DAVIS, G.T.; HACKETT, D.R. et al.: Major factors and their possible relevance the onset of miocardial infarction, sudden cardiac death and stroke. Am. J. Cardiol. ,v.66, p.635-637, 1988.

2.BRAUN, R.J.; MARCUS, M.: Comparing treatment decisions for elderly and young dental patients. Gerodontics, v.1, n.1, p.138-142, 1985.

3.BREZINA, A J.: Función, envejecimiento, salud bucal. Rev Assoc. Odontol. Argent., v.85, n.5, p.473-476, 1997.

4.BRUNETTI,R.F.; MONTENEGRO,F.L.B.; MANETTA,C.E.: Odontologia geriátrica no Brasil: uma realidade para o novo século. Atual. Geriatria, v.3, n.15, p.26-29, Mar. 1998.

5.BRUNETTI, R.F.; MONTENEGRO, F.L.B. ; MANETTA, C.E.: Funções do sistema mastigatório: importância no processo digestivo em geriatria. Atual. Geriatria, v.3, n.16, p. 6-9, Abr.1998.

6.CUNNINGHAM, M.A; BECK, J.D.; ETTINGER, R.L.: Dental students self-assessed in treating geriatric patients. Spec. Care Dent., v.4, n.3, p.113-118, May/Jun. 1984.

7.ETTINGER, R.L.: Restoring the ageing dentition: repair or replacement? Int. Dent. J. v.40, p.275-282, Nov. 1990.

8.KINA, S. CONRADO,L. et al..: O ensino da estomatogeriatria no Brasil: A experiência de Maringá. Rev Odontol. Univ. São Paulo, v.10, n.1, p.69-73, Jan/Mar., 1996.

9.KINA, S.: Odontogeriatria. Comunicação Pessoal, 1998, Londrina.

10.MANDERSON, R.D.; ETTINGER, R.L.: Dental status of the instituonalized elderly population of Edinburg. Community Dent. Oral Epidemiol. V.3, p.100-107, 1975.

11.SITTA, M.A; NETO, J.T.;KOMATSU, R.S.: Quantidade de geriatras não acompanha aumento de idosos. Atualidades em Geriatria. v.13, p.12-13, Out. 1997.

12.STRAYER, M.S.; DIANGELIS, A J.; LOUPE, M.J.: Dentists knowledge of aging in relation to perceived elderly patient behavior. Gerodontics, v.2, n.6, p.223-227 Dec. 1986.

*Fernando Luiz Brunetti Montenegro* – pesquisador mentor. Mestre e Doutor FOUSP. Coordenador Curso Especialização Odontogeriatria -ABENO

**Carlos Eduardo MANETTA – Especialista em Prótese, Mestre pela UNIP

***Ruy Fonseca BRUNETTI – Doutor pela FMUSP,Prof. Emérito da UNESP

Observação: Os artigos postados nesta sessão são encaminhados pelo Dr. Fernando Luiz Brunetti Montenegro

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