O Último Ato

O Último Ato

“Todo o mundo…todo o mundo é um palco e todos os homens e mulheres, meros atores. Eles tem saídas. E eles tem suas entradas. E um homem em seu tempo desempenha muitos papéis. Seus atos sendo sete idades”, segundo a emoção inquietante da dor.

 

Existem atores que num único, mas longo olhar, já descarregam toda imensidão e completude de seus personagens. Eles invadem a tela, roubam nossa respiração sugando uma energia que, muitas vezes, julgamos não ter. São como estrelas que ultrapassam a tênue linha entre o real e a ficção.

Al Pacino faz parte desse seleto grupo de figuras que nos levam aos limites do incompreensível. Seus olhos se assemelham a quimeras ferozes, raivosas, mas, ao mesmo tempo, dolorosamente melancólicas pela ferida de um universo desconhecido, de um tipo de querer mais, clemente e agonizante.

Seu mais recente filme “O Último Ato” (The Humbling), adaptação do romance “A Humilhação”, do escritor norte-americano Philip Roth, revela o mundo de sentimentos esquecidos de Simon Axler, ator veterano que, durante uma apresentação de uma peça de Shakespeare na Broadway, percebe que está perdendo aquilo que o fazia especial, algo maior do que seu talento apenas, a essência do incomensurável.

A partir de então, o personagem entra numa espiral de insegurança e incerteza, talvez aquilo que todos tememos: a consciência de que chegamos na reta final da vida, seguindo apenas o rumo das coisas. Vemos, então, o cenário de um ator de teatro envelhecido que se perde num mundo jovem e sem sentido. Em que parte do tempo ficou o coração de Simon Axler?

“Todo o mundo…todo o mundo é um palco e todos os homens e mulheres, meros atores. Eles tem saídas. E eles tem suas entradas. E um homem em seu tempo desempenha muitos papéis. Seus atos sendo sete idades”, segundo a emoção inquietante da dor.

Oscilando entre a ironia, o sarcasmo de si próprio e o sofrimento da decadência expressa na curvatura do corpo e nas rugas dilacerantes do personagem, Barry Levinson, o diretor, encontra o tom exato do cinismo cáustico e, porque não dizer, primitivo em todas as dimensões do que isso possa significar.

Lembrando esse “Último Ato”, penso que algo assim só foi possível porque três mentes brilhantes e, principalmente na mesma fase da vida, fizeram parte da concepção de Simon Axler: Al Pacino com sua experiência e dom nato no ofício da interpretação, Philip Roth, o escritor que, como ninguém sabe construir o mundo de fictícios seres humanos com cérebro, sexo e encanto e, claro, Barry Levinson, o soberbo organizador da razão e emoção de seus personagens.

Avassaladoramente intenso, “O Último Ato” desafia o expectador na tragicomédia que se confunde na irreverência de um drama complexo e sem solução.

Minutos antes de entrar em cena, Axler se perde nos transtornos de uma alma confusa e esse turbilhão o leva a uma espécie de “estada” em um hospital psiquiátrico. Quando retorna ao que se pensa ser um “convívio social”, o homem se vê na mais profunda solidão, sem mulher, sem filhos, sem amigos, apenas o silêncio.

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Sentindo-se o melhor dos incompetentes, o maior entre todos os fracassados e o mais enlouquecido dos sujeitos, Axler flerta com o suicídio.

Nesse estado de profunda incredulidade da própria vida, surge a jovem Pegeen (Greta Gerwig), aquela que, de um jeito, talvez, um pouco, amalucado, trará possibilidades para uma existência embotada e sem sentido.

Filha de um casal de amigos a moça o seduz e os dois começam uma relação de extremos, de conflitos que beiram o bizarro, uma troca afetiva que acaba não se completando, pois Axler é impotente. Então, “na falta”, Pegeen (que diz gostar de mulheres) se satisfaz com alguns acessórios eróticos.

Em vários momentos, nos perguntamos: Pegeen é real ou faz parte da alucinação particular de Axler? Seria a demência de um homem que envelhece?

Onde estará a verdade de Axler? No real ou na fantasia?

Na cena final, em “Rei Lear”, ator e personagem se encontram no derradeiro momento, no palco da vida finita onde ficção e carne lutam pelo protagonismo. Vencerá o mais forte ou, talvez, o mais frágil?

“Vamos tomar sobre nós o mistério das coisas como se fôssemos espiões de Deus”.

O Rei Lear de Axel não morre de tristeza…No seu último suspiro, aplausos!

Philip Roth em seus últimos romances revela toda vastidão de suas inquietudes quanto aos limites da existência. Ele escreve sobre caminhos que encontrarão seus próprios desfechos, vidas que, com certeza, se aproximarão de um fim.

Esse será o verdadeiro ônus da reflexão.

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=SxBsZUq82FY

Luciana Helena Mussi

Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].

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