O último amor de Mr. Morgan

O último amor de Mr. Morgan

A morte, enquanto dá com uma mão, rouba com a outra. E tudo passando diante de nós: as pessoas se vão e nós, ficamos. Essa é a dor do solitário professor de filosofia que perde sua adorada esposa. Mas como a vida, na maioria das vezes, surpreende, um dia, ele é ajudado no ônibus por uma simpática professora de “cha-cha-cha”. Não demora muito para que eles se tornem “amigos”, já que ela lembra a esposa dele e ele lembra o pai dela.

 

“Às vezes você encontra alguém que pede todo amor que você tem para dar. E, se perde aquela pessoa, acha que todo resto também vai parar”, diz Matthew Morgan, professor de filosofia aposentado, interpretado pelo sempre elegante e cada vez melhor Michael Caine em “O último amor de Mr. Morgan” (direção de Sandra Nettelbeck, 2013).

Muitas são as perdas que acumulamos quando vivemos muito, digo, quando a maldita morte nos concede mais tempo que o normalmente previsto. Falo da morte generosa, mas ao mesmo tempo carrasca. Enquanto dá com uma mão, rouba com a outra. E tudo passando diante de nós: as pessoas se vão e nós, ficamos.

Verdade seja dita: algumas dessas pessoas, talvez, não façam a menor falta, mas o que fazer com “aquelas” que quando se retiram, arrastam obrigatoriamente nossa alma para o outro lado? Pior ainda é pensar a possibilidade “daquelas pessoas” se tornarem apenas “uma pessoa”. Assim, num certo dia, tudo fica grande e vazio demais. Um buraco de proporções  monumentais, dilacerante e de um escuro que chega a cegar qualquer luz do sol que ouse se aproximar.

“Nós nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morremos sozinhos. Somente através do amor e das amizades é que podemos criar a ilusão, durante um momento, de que não estamos sozinhos”. A história de Mr. Morgan começa com a frase de Orson Welles, uma referência clara do que nos espera nos próximos 106 minutos de filme: a essência da solidão, a dor da perda de um amor profundo, o passar dos anos, a constatação de que aquele que amamos não é eterno e nem nunca será, por mais cruel que seja a ideia.

O professor de filosofia não consegue superar a morte da esposa Joan (Jane Alexander) após “três anos, 2 meses e 11 dias”. Ele ainda a vê diariamente, conversa com ela no banco da praça, passa seus dias vazios com a presença da companheira de anos. No final, só lhe resta deixar flores na lápide de seu amor: “Com você, sempre”.

Distante dos filhos (que moram nos Estados Unidos), recluso em sua casa em Paris e preso a antiga rotina que mantinha com a mulher, Mr. Morgan não encontra mais sentido na vida. Ele se fecha para tudo e para todas as coisas, inclusive aprender o idioma local (ele dizia que Joan falava francês pelos dois).

Parece que Joan, ocupava todos os espaços vazios de Morgan. Ele dizia que a esposa queria filhos. Ele queria apenas ela. Como seguir sem a presença constante que abre todas as janelas, traduz o incompreensível e faz do seu viver a melhor das experiências?

Mas, como já dizia o velho chavão: “sempre é tempo para o amor”. E o “novo” se aproxima no inusitado.

Assim, num certo dia, num certo ônibus, numa certa freada, um idoso (o próprio Morgan) quase sofre uma terrível queda. Desse “feliz” acidente, acontece o encontro com a encantadora professora de dança, Pauline Laubie (Clémence Poésy).

Uma delícia ver que situações aparentemente impossíveis estão aí para serem aproveitadas até a última gota de sangue e de muito suor (claro, metaforicamente falando).

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Um velho solitário e uma jovem com um delicado sorriso no rosto, a alegria da dança, do charmoso “cha-cha-cha”, e uma troca de fazer inveja ao mundo que conspira contra os diferentes.

Se você pensar que Morgan e Pauline representam extremos da regra da vida, cometerá um engano. A solidão é o ponto comum: ele, pela perda da esposa, ela pela falta do pai. Um homem e uma mulher com suas histórias de dor, alegria e mistério. Entre eles, nada e tudo acontece.

A jovem professora chega na vida de Morgan lembrando sua esposa falecida. Já ele, traz as lembranças do pai que se foi. Mas, ainda assim, amor.

Até a metade do filme, assistimos, apenas, ao encontro de Morgan e Pauline. Mas, repentinamente, como um choque de realidade (e que muitos não gostaram, inclusive eu), surgem os filhos vindos dos Estados Unidos, o ressentido Miles (Justin Kirk) e a pragmática Karen Morgan (Gillian Anderson).

Daí em diante, o professor de filosofia decide o que fazer de sua vida. Sem palavras ditas, apenas silêncio e um olhar definitivo de quem sabe os próximos passos. Não há mais porque hesitar: o outro lado (qual lado?) o espera. Resta a certeza de que Joan estará lá. A janela se abriu.

Ouvi recentemente que quando estamos diante da tela, sendo invadidos pelas imagens e diálogos, fictícios ou não, saímos necessariamente diferentes: surpresos, encantados, deliciados, rasgados e revoltados.

É como se nos tornássemos partes de cada um dos personagens e de todos os responsáveis por conceber uma história lindamente contada em poucos minutos e, melhor, para nossos olhos e corações.

Para o professor: “Em tudo há uma rachadura e é através dela que a luz acaba entrando”.

Mr. Morgan para Pauline: “Você é a rachadura no meu mundo”.

Portanto, esteja sempre atento a “rachadura”, a um sopro de vida: mesmo que breve, mesmo que seja pelo instante, mesmo que pelo impossível e improvável, sempre valerá o encontro.

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=NOKmAW5VEow

Luciana Helena Mussi

Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].

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Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].

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