O que tenho feito que seja digno de ser louvado?

O que tenho feito que seja digno de ser louvado?

Dono de uma vida intensa, Oscar Niemeyer viveu muito e contornou os problemas da vida longeva exatamente da maneira que envolveu as formas das suas construções: com flexibilidade. Segundo ele só é louvado aquele que deseja mudar o mundo.


O que é que você fez desde que está diplomado

O que é que você fez

Para se ver realizado

Trabalha, ganha dinheiro

Anda bem alimentado

Nada disso, companheiro

É grande para ser louvado.

Neste primeiro refrão do Samba do Arquiteto, escrito em 1962 por Oscar Niemeyer e musicado pelo sambista Jorge Aragão algumas perguntas parecem amplificar a dor de ver a existência de tantos velhos seguir rumos desprezíveis.

O que você tem feito que seja digno de ser louvado? Afinal, segundo Oscar Niemeyer só é honrado aquele que deseja mudar o mundo.

Mundo que clama por mudanças em que a interlocução entre gerações nos auxilia a ampliar olhares para que todas as velhices excluídas possam participar ativamente da sociedade. Atitudes inclusivas dignificam as diversas existências.

Exposição

Foto do Instituto Tomie Ohtake

O Instituto Tomie Ohtake, na cidade de São Paulo, exibe até dia 19 de maio a exposição Oscar Niemeyer (1907-2012) – Territórios da Criação. Exposição feita para comemorar os 110 anos de nascimento do mais importante arquiteto brasileiro e que teve seu talento reconhecido pelos quatro cantos do mundo.

Dono de uma vida intensa, o arquiteto viveu muito e contornou os problemas da vida longeva exatamente da maneira que envolveu as formas das suas construções: com flexibilidade. A mesma, que foi necessária para viver toda sua longevidade.

Niemeyer nasceu em dezembro de 1907 no Rio de Janeiro, vivendo até 2012. Morreu aos 104 anos e trabalhou até o fim de seus dias nos mostrando a velhice como momento propício de intensificar o que de fato é essencial. A exposição mostra exatamente essa essência ao exibir suas relações pessoais além das profissionais, com artistas como Volpi, Portinari, Burle Marx, Bruno Giorgi entre outros tantos amigos que tem sua arte exibida como mostra de amizade. Essencial que se fez evidente na sua ideologia que alimentava sua inspiração. A desigualdade o incomodava profundamente e Niemeyer fazia da sua arte um meio de imprimir a marca da união entre as pessoas. Em suas construções, o recado era dado.

A exposição termina com fotos de fotógrafos renomados que registraram o homem e o velho constituído pelos afetos vividos. É considerado um dos maiores arquitetos que o mundo conheceu.

Projetou Pampulha (MG) com apenas 36 anos de idade e ali já era possível perceber a grandeza do seu talento.

Mais tarde participa da construção da nova capital. Os prédios projetados por Oscar Niemeyer fazem de Brasília um marco da arquitetura mundial. Estruturas elaboradas com condições de sustentarem toda beleza pensada pelo arquiteto.

Já em algumas velhices, nem todas possuem a possibilidade de encontrar alicerces construídos, capazes de sustentar este viver descontente que agonia as tão sofridas existências.

Algo precisa ser feito em busca de dignidade e a Arte de Niemeyer colaborou para glorificar as velhices ali presentes naqueles dias especiais da Virada da Maturidade (11 a 14 de abril de 2019, em São Paulo).

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Foto de Larissa Pomeranz

Para o grupo de idosos carentes que fariam ali, seu primeiro contato com um museu e com uma exposição de artes, este seria um dia especial. O mesmo ocorreu para os avós, filhos, netos e bisnetos que se reuniram para, juntos, participarem da visita especialmente mediada pela exposição de Oscar Niemeyer.

Dona Elza, na cadeira de rodas, acompanhava o carrinho de bebê de seu bisneto que a encantava com seus olhos azuis e perninhas roliças. Seu viver estava ali, bem ao seu lado, afirmando a continuidade da vida, finita, porém eterna nos afetos bem plantados.

Foto de Larissa Pomeranz

Para Terê, a exposição parecia uma festa familiar que teve seu registro nos desenhos feitos em parceria com seu neto no espaço do atelier.

Já Dona Gertrude, de 82 anos, residente de uma Instituição de Longa Permanência para Idosos, pública, nunca havia estado em um museu e não imaginava que algumas pessoas trabalham incansavelmente para mostrar o que a cultura e arte, juntamente, podem fazer para que velhos que, como ela, sentem-se invisíveis. A Arte como ferramenta de inclusão social e de aprendizado ao longo da vida é uma possibilidade para honrar velhices.

Nesta edição 2019 da Virada da Maturidade, um primeiro passo para meus sonhos mais verdadeiros foi dado. O que tenho feito que seja digno de ser louvado? É uma pergunta que, assim como Niemeyer, eu também me faço.

A Virada da Maturidade tem uma proposta grandiosa e modificadora de velhices. Neste evento, velhos apagados, como Dona Gertrude, ganham holofotes e as velhices potentes são mostradas para que possam inspirar e modificar os muitos e muitos velhos que estão por vir. Evento que acontece na cidade de São Paulo e tem como objetivo colocar a pessoa idosa como centro do protagonismo. Tenho a honra de participar deste movimento que passou a ser uma causa para muitos envolvidos com a Gerontologia, desde sua primeira edição.

O Instituto Tomie Ohtake (ITO), referência no circuito das Artes da cidade de São Paulo, é uma alusão às ações inclusivas por meio da Arte e Cultura e passou a ser parceiro da Virada da Maturidade ao acolher o Faça Memórias, projeto com 10 anos de existência e que faz uso da obra de Arte como ferramenta de inclusão social aos idosos com problemas de esquecimento.

Aliás, um esquecimento que é muito maior no âmbito social do que no patológico. Triste realidade que se faz urgente ser modificada.

A exposição de Oscar Niemeyer com curadoria de Marcus Lontra e Max Perlingeiro, é afetuosa ao mostrar o homem além do arquiteto. Homem que defendia os sonhos a favor do coletivo e que com suas curvas mostrou ao mundo a beleza da flexibilidade. Tal como na velhice e na vida, as linhas retas são repletas de rigidez que endurece o olhar, o envelhecer e a percepção do belo.

Nas curvas das montanhas, nas ondas do mar, no curso dos rios e no corpo da mulher, estavam as curvas que inspiraram Niemeyer ao longo da carreira, e Dona Gertrude pode constatar toda beleza naquela visita. Em seus olhos, era visível um brilho de quem recebe a beleza da Arte como presente.

Na Virada da Maturidade de 2019, juntos, pudemos modificar por alguns instantes, velhices como da Dona Gertrude, de Dona Maria e do Seu Antônio, Dona Elza e Terê. Sementes plantadas. Passos dados. A beleza da obra de Niemeyer iluminará os caminhos futuros, belos, flexíveis e capazes de igualar socialmente as mais diversas velhices.

Agradecimentos especiais aos idealizadores da Virada da Maturidade e seus voluntários, à União Brasileira de Bem-Estar Social, UNIBES, ao Centro Dia Senior Vita, aos familiares, cuidadores, idosos e equipe do Faça Memórias e aos profissionais do educativo do Instituto Tomie Ohtake por essa e outras tantas atitudes dignas de serem louvadas. Louva-se quem deseja mudar o mundo! Louva-se quem dá o primeiro passo. Seguimos adiante.

Cristiane T. Pomeranz

Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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Arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte, e mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP. Idealizadora do Faça Memórias em Casa que propõe o contato com a História da Arte para tornar digna as velhices com problemas de esquecimento. www.facamemoriasemcasa.com.br E-mail: [email protected].

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