O paciente é soberano na escolha de como quer ser cuidado

Embora a discussão sobre a importância da autonomia do paciente para o sucesso do tratamento e a formação de vínculos não seja nova, ainda há pouco espaço para ela na prática clínica. Ao despossuir de si próprio, seu paciente, o profissional de saúde perde uma aliança preciosa no processo de cuidado: um usuário autônomo e consciente. Algumas reflexões sobre o caso podem contribuir para estimular esse debate, entre elas: Como o profissional pode auxiliar no desenvolvimento da autonomia dos sujeitos produtores de saúde? Qual o papel de um protocolo técnico? El algum momento a realidade e experiência de vida do usuário é considerada?

Marco Akerman e Elaine Machado Lopez *

 

o-paciente-e-soberano-na-escolha-de-como-quer-ser-cuidado“Fui ao dentista para um “tratamento de canal”. Digo que prefiro sem anestesia -o que tem sido minha escolha, em todos os atendimentos dentários anteriores. A dentista não aceita minha solicitação e se recusa a fazer o tratamento. Era necessário seguir o protocolo e a anestesia era, segundo ela, imprescindível para um trabalho de qualidade.

Argumentei que fazia parte da qualidade do cuidado a aceitação por parte dos pacientes dos procedimentos propostos e que os procedimentos técnicos não deveriam ser os únicos critérios a serem considerados por um protocolo. Acrescentei que esta era uma discussão contemporânea e que o paciente era soberano na escolha de como gostaria de ser cuidado.

Ela replicou dizendo que eu podia fazer este discurso para os meus alunos na Faculdade, mas que ali a decisão de como fazer pertencia a ela, e disse que se fosse esta minha escolha ela não faria o atendimento e me encaminharia para outro profissional.

Optei em ficar, não quis adiar mais o tratamento, e manifestei que aceitava a regra dela sob protesto. Durante o tratamento foi delicada comigo, perguntando todo o tempo se algo me incomodava e anunciou: “me avisa, por favor, se algo te incomoda, porque fico tão concentrada no dente, que até esqueço que tem gente aí embaixo”.

O caso, vivenciado por Marco Akerman, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, é uma amostra de um debate amplo que precisa ser feito –e, em especial, ser integrado à formação de profissionais de saúde (2, 3,4). Embora a discussão sobre a importância da autonomia do paciente para o sucesso do tratamento e a formação de vínculos não seja nova, ainda há pouco espaço para ela na prática clínica. Algumas reflexões sobre o caso podem contribuir para estimular esse debate:

– Há relação simétrica entre os dois envolvidos? Há alguma iniciativa para construção de vínculo?

– Quais as opções colocadas para decisão do usuário?

– Qual a relação da qualidade do procedimento com o pedido do usuário?

– Como o profissional pode auxiliar no desenvolvimento da autonomia dos sujeitos produtores de saúde?

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– Qual o papel de um protocolo técnico? Qual seu objetivo principal? Qual sua limitação?

– Em algum momento, a realidade e experiência de vida do usuário é considerada? Com que objetivo?

Há reflexões específicas na odontologia. Em artigo publicado na Revista Cearense de odontologia, os autores explicitam a tensão que há entre o princípio de aliviar o sofrimento humano (beneficência do profissional) e a autonomia do paciente em fazer suas próprias escolhas. (1)

Não há nenhum reparo a se fazer ao nobre principio encampado pelos profissionais de saúde em querer aliviar o sofrimento do seu paciente, mas este valor muitas vezes adquire tom paternalista e, em alguns casos, caráter autoritário ao impor um tratamento ao paciente que ele não deseja.

Esta conjugação da consciência moral com o saber técnico faz com que a decisão do processo de trabalho seja de exclusiva alçada do profissional, excluindo-o de seu próprio tratamento, transformando-o em mero objeto de seu trabalho.

Ao despossuir de si próprio, seu paciente, o profissional perde uma aliança preciosa no processo de cuidado: um usuário autônomo e consciente do que precisa ser feito com sua própria vida para que dela, ele possa usufruir o que há de melhor. E, por que, o profissional de saúde não poderia ser um forte aliado neste caminho?

Referências

(1) NUTO, S.A.S; SILVA NETO, F.U. De quem é meu dente? A Bioética aplicada ao campo da Odontologia. Revista Cearense de Odontologia. 2000; 1(1):15-17.

(2) CARNUT, L.M., DA SILVA, A.M, SILVA, E.M, VAZ, F.F.et al Dimensão Política da Humanização em Saúde: o Caso da Autonomia do Paciente em Experiências de Práticas (Des)Humanizadas em Saúde Bucal In: Anais do Congresso Internacional de Humanidades & Humanização em Saúde [= Blucher Medical Proceedings, num.2, vol.1]. São Paulo: Editora Blucher, 2014.

(3) SOARES, J.C.R.S., CAMARGO JR., K.R. A autonomia do paciente no processo terapêutico como valor para a saúde.Interface. 2007; 11(21): 65-78.

(4) GONCALVES, E.R., VERDI, M.I.M. Os problemas éticos no atendimento a pacientes na clínica odontológica de ensino.Ciênc. saúde coletiva. 2007; 12(3): 755-764.

* Marco Akerman é professor titular do Departamento de Prática em Saúde Pública, da Faculdade de Saúde Públida da Universidade de São Paulo. Elaine Machado Lopez é consultora do Ministério da Saúde. Ambos escreveram para Saúde!Brasileiros. Ilustração: Splirit, especial para Saúde!Brasileiros. Texto disponível Aqui

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