“O futuro não é o que era antes”

“O futuro não é o que era antes”

Como despertarmos para as possibilidades de nossas vidas à medida que envelhecemos, a fim de que o futuro e não apenas o passado permaneçam em nosso mapa mental?


Estamos no meio de uma revolução positiva do envelhecimento e de uma revolução do mundo do trabalho também, disse Bliss Browne, presidente da Imagine Chicago, em 2002, na International Federation on Aging Global Conference, realizada na Austrália. Na realidade, ela já apontava na época para uma geração extra de vida que podíamos viver de uma nova maneira. A pergunta que fazia na ocasião, e que continua válida, é como podemos levar vantagem deste dom da natureza para evoluir a espécie humana? Aumentar a expectativa de vida pode ser suficiente para expressar o potencial inexplorado de construir um novo e melhor mundo?

Ela, em sua fala, lembrou que quando tinha 13 anos, um professor de história antiga pediu aos alunos para passar um mês desenhando um continente imaginário e escrevendo sua história. Esse exercício fez com que Bliss pensasse quem moraria lá e como esse continente seria povoado, como o continente resolveria seus conflitos, como seus habitantes criariam significado para suas vidas, qual seria a ordem e propósito da comunidade, ou seja, quais estruturas de governança e religião esse continente teria, como organizariam o comércio, qual língua falariam… Em suma, Bliss e seus colegas tiveram que entender, imaginar e criar a empresa humana em um determinado lugar do planeta. Tudo isso acompanhado de um conjunto de mapas coloridos criados, mostrando como o continente havia surgido e evoluído. Ele lembra que foi uma atividade poderosa e revigorante.

Exercício semelhante, claro que dado as devidas proporções, foi feito 11 anos depois, em 2013, em Bertioga (SP), no Fórum Perspectivas para Ações junto ao Cidadão Idoso, promovido pelo SESC ao completar 50 anos do Trabalho Social com Idosos, o qual reuniu em um amplo encontro democrático diversas lideranças sensíveis e experientes, e de fomento ao respeito e à defesa da cidadania plena das pessoas idosas. O objetivo deste evento era a necessidade de uma mudança de paradigma, pois partia-se de que “os idosos têm confrontado sua invisibilidade social para reivindicar melhores condições de vida e de participação, interferindo nas previsões e planificações para o futuro”.

Acredito que tenha sido o último evento com esta finalidade, pensar o futuro, que tivemos no Brasil. Nenhuma outra entidade foi capaz de aglutinar e levar adiante esta iniciativa tão importante para as velhices de hoje e futuras. Haverá outro? Um dos momentos do Fórum foi exatamente fazer com que todos ali presentes vislumbrassem prováveis cenários futuros para a população brasileira, idosa ou não, a partir de quatro eixos temáticos que contemplassem e articulassem a interdisciplinaridade, intersetorialidade e a intergeracionalidade. Tarefa nada fácil. Difícil sair da caixinha. Difícil sair do mapa da “Terra Antiga” e desbravar novos territórios.

Provavelmente, se Bliss tivesse estado presente, também iria querer saber quais “mapas míticos” foram criados sobre “A Terra do Envelhecimento Positivo” ou “Carta de Bertioga”, quais políticas nos governam, quais são nossas esperanças e medos, como nos olhamos no espelho, como olhamos o outro (um possível de mim?), como produzimos bens, serviços e produtos… Quais mapas do envelhecimento foram de fato desenhados? O que importa agora é saber quais mapas você desenhou para você? Como suas imagens do envelhecimento mudaram com o tempo? Ou não? Você continua pensando no envelhecimento imaginando sua avó e não você?

Poderíamos continuar fazendo mil e uma perguntas e verificar que nesse mapa do envelhecimento não há espaço para outros. Foi o que constatou Bliss, ao trabalhar em comunidades de baixa renda em Chicago. Foi ali que ela passou a reconhecer o envelhecimento não mais como uma terra separada da juventude, pois, por necessidade e sofrimento, muitas avós e avôs estão criando uma segunda geração de crianças porque a geração anterior foi perdida para as drogas ou outras formas prematuras de morte. Os avôs e bisavós agora são guerreiros de oração e detentores de crimes. Eles se sentam em suas cadeiras de balanço e observam atentamente a rua, protegendo bairros com suas orações, olhos e ouvidos, atentos às forças que ameaçam a paz e segurança da comunidade, chamando a polícia antes que o perigo se estabeleça.

Cenário não muito diferente das quebradas deste Brasil afora, onde muitas avós cuidam de seus netos como também muitos netos começam a cuidar de seus avôs e bisavôs.

Bliss comenta que muito do nosso discurso e comentários que fazemos sobre a geração extra de vida estão atados a um discurso depreciativo consumido pela mídia, que foca na biologia (corpo em declínio) e na economia (custo para o estado), discurso ancorado no modelo tradicional da Gerontologia. Por isso ela diz que estamos mais habituados a consumir imagens do que criá-las. E acrescenta, muitas das imagens que temos da velhice foram alimentadas na “Terra Antiga”, superpovoada e cheia de pessoas improdutivas, afetadas por desvantagens físicas e mentais inevitáveis.

Então, ela repete o que Yogi Berra disse uma vez:  “o futuro não é o que era antes”, mas pode ser cheio de vida e propósito. Como despertarmos para as possibilidades de nossas vidas mais alongadas à medida que envelhecemos, a fim de que o futuro e não apenas o passado permaneçam em nosso mapa mental?

Segundo Bliss, três dimensões são especialmente dignas de se anotar para tentar responder à essa questão.

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A primeira delas é o poder do enquadramento positivo. Portanto, as conversas não precisam ser sobre quais são nossos problemas ou necessidades, mas sobre como podemos aproveitar nossas capacidades para tornar nossas vidas e comunidades mais vitais. Bliss é enfática, afirmar positivamente o que valorizamos (no caso a velhice), o que esperamos, o que queremos, nos capacita (assim como outros) a entender e agir em nome dessa visão.

A segunda dimensão tem a ver com as conversas, que só são revigoradas pelo poder de perguntas inspiradoras. De acordo com Bliss, podemos investigar qualquer coisa – problema ou alegria. As perguntas que fazemos definem a agenda e determinam o que encontramos. Assim, perguntas honestas e abertas, feitas com espírito de amizade e interesse genuíno, enriquecem e aprofundam o diálogo; podem esclarecer confusões e abrir novas imagens e entendimentos. Numa época em que as respostas em mãos não são suficientes para os desafios atuais, fazer boas perguntas se torna ainda mais urgente.

A terceira dimensão trata da escuta ativa. Segundo Bliss, o diálogo genuíno é criativo; algo novo acontece no espaço “intermediário” que a escuta cria. Quando as pessoas ouvem profundamente um ao outro, elas se honram e cultivam a confiança e os relacionamentos tão cruciais para o sentido de uma vida comunitária. Elas começam não apenas a ver, mas também a ‘ouvir’ as possibilidades do futuro de seus coletivos.

Bliss assinala que em todo o mundo, as comunidades estão lutando para nomear o que valorizam e organizar parcerias através das quais esses valores podem ser vividos. Mas parcerias exigem compreensão e reconhecimento que não há respostas para tudo, pois somos todos vulneráveis.

Essas três dimensões são importantes para a vida, pois à medida que envelhecemos, podemos examinar e sondar os padrões de nossas vidas, permitindo-nos acolher e não nos opormos ao mistério da vida, ao mistério do envelhecimento, ao convite que este nos faz, de tornarmo-nos mais conscientes, mais despertos para uma vida mais espiritualizada.

Terminamos esta reflexão repetindo o que Bliss disse: “Acolher toda a vida em sua riqueza é um ato ousado, um ato que estabelece o domínio da vida sobre a morte em um mundo em que isso está se tornando um ato urgente de esperança”.

E esperança é o que nos move ao futuro!


Workshop a ser realizado no Espaço Longeviver tratará de documento essencial para os idosos terem e para os profissionais orientarem! Nesta quinta-feira, das 14h às 16h30. Venha refletir sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, conhecer melhor o tema!

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Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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