O eterno recomeçar

Conheci Antônio numa manhã de sábado cinzenta, em São Bernardo do Campo. Ele logo me chamou atenção. Afinal, era o único homem na sala de aula da professora Gisnelli Bataglia Mincache, especializada em informática para idosos. Mas não foi só por isso. Bem-humorado, sorridente, conversava animado com suas colegas e fazia brincadeiras inteligentes.

Maria Lígia Mathias Pagenotto

 

o-eterno-recomecarAceitou conversar comigo prontamente, para falar um pouco sobre sua história de vida. O papo logo engrenou. Ele me contou da infância difícil em Monte Aprazível, do vilarejo chamado Engenheiro Balduíno, no interior de São Paulo. Referiu-se aos pais, vindos da Espanha, com muito carinho, respeito e orgulho. E com um tanto de compaixão pela vida dura que tiveram.

Durante a entrevista, ele se emocionou muito várias vezes. E eu me emocionei junto. Como ficar incólume à dor de um homem que, olhando para trás, percebe que lhe faltou reconhecimento pelo trabalho realizado? Faltou o olho no olho, algo que o fizesse sentir-se de fato importante no meio de tanta gente, acredito.

Mas ele deu a volta por cima, apesar do sofrimento. Antonio Penhavel Aguera é hoje, aos 64 anos de idade, um homem alto, bonito, de expressivos olhos azuis, pele clara e com muita vontade de viver. Já venceu diversas batalhas e tem muitos sonhos pela frente.
Aqui ele conta um pouco a sua história e nos dá um grande exemplo de como a vida fica mais bela quando não esmorecemos diante dos obstáculos.

A família de origem
“Meu pai me ensinou o que sabia fazer: plantar e colher. Somos em cinco irmãos, todos vivos. Minha mãe se dedicou muito a nós. Meu pai morreu jovem, porque, coitado, tinha como vícios o cigarro e a bebida. Morreu aos 52 anos, não me deixou dinheiro, mas uma herança que agradeço muito até hoje: honestidade e vontade de trabalhar.”

Saindo da cidade natal
“Sentia que aquele lugar era pequeno demais para mim. Queria aprender mais coisas, tinha o sonho de casar, ter filhos. Ali seria mais difícil. Vim então para São Paulo, mais precisamente para trabalhar na Volkswagen. Tinha o sonho de fazer faculdade, mas isso eu não consegui. Na Volks, consegui dar continuidade aos estudos, cursando o Senai e me formando técnico em mecânica.”

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O trabalho
“Foram anos muito difíceis. A Volkswagen é uma empresa muito dura para trabalhar. Mas eu não quero só reclamar, porque também teve o lado bom. Fiz alguns amigos verdaderios, ganhei meu dinheiro honestamente, criei minhas filhas. Mas não foi fácil. Sacrifiquei o convívio com minha família e tinha muito pouco tempo para mim, porque me dedicava muito ao trabalho. E quando estava perto de me aposentar, tive uma decepção muito grande. Senti que queriam me ver na rua logo, fui pressionado a sair.” (Nesse momento, Antônio se emociona demais, lembrando toda sua trajetória de vida na fábrica. Faz menção à mãe, que lhe dizia sempre para nunca sair de um emprego). “Sinto que não fui reconhecido. Dediquei boa parte da minha vida à empresa e, na hora de sair, ninguém fez questão que eu ficasse, mal agradeceram o tempo de dedicação. Isso não é justo. Eu não fui preparado para enfrentar a vida na aposentadoria. Saí definitivamente aos 51 anos e logo depois tive dois aneurismas, que levaram a um AVC. A falta de reconhecimento é o que mais me dói.”

A sua doença
“Eu acho que a perda do trabalho foi um fator que desencadeou o AVC. Eu não tenho pressão alta, meu colesterol está dentro do normal, não tenho diabetes. Fiquei um bom tempo sem conseguir mexer um dedo. Fiz muita fisioterapia, muito tratamento. Agora, apesar de algumas sequelas, já ando, dirijo meu próprio carro. Vou à luta, não me entrego. Meu carro é adaptado e eu estou bem contente de poder dirigir, pois isso me mantém independente, apesar do problema. E continuo lutando. Cada dia é mais um dia para mim.”

A doença da filha
“Passei por uns momentos muito duros. Foi quando descobri que minha filha do meio sofria de câncer ósseo, aos 10 anos de idade. Fiz o que pude para salvar sua vida e consegui. Procurei o melhor médico, vendi um carro zero para pagar a cirurgia. Levava ela para fazer o tratamento bem cedo, em São Paulo, no Hospital do Câncer, e depois voltava para São Bernardo, para trabalhar. Foi uma luta, mas vencemos. Minha filha hoje está muito bem.”
(Emociona-se muito novamente, ao contar esse episódio).

A família atual
“Sou muito ligado à minha família. Minha mulher, Regina, é professora de Educação Artística e minhas filhas, Karina, Sabrina e Janaína, também fizeram faculdade. A mais velha é arquiteta, Sabrina é fisioterapeuta, e Janaína é formada em turismo. A mais nova agora mudou para Brasília, para trabalhar lá, está muito feliz. Mora com o namorado e a mais velha também é casada. Daqui a pouco será a vez da segunda. Gosto muito dos meus genros e estou esperando com ansiedade a hora de ser avô. Tive três filhas, sou muito feliz com elas e nunca tive o sonho de ser pai de um menino. O curioso é que quando conheci a Regina sofri muito preconceito. Diziam que eu tinha um nível muito inferior ao dela, pois não fiz faculdade. Mas tudo isso foi superado por nós.”

O sonho da faculdade
“Eu queria muito ter feito um curso superior de Economia. Gosto muito da área, leio sempre tudo o que se refere a esse assunto. Acompanho muito política também. Acho que temos de estar sempre atualizados. Quero participar cada vez mais da vida política do Brasil. Acho que há muita coisa a ser feita. O país tem que melhorar. Não que esteja ruim como está, já melhoramos muito de um tempo para cá. Mas sei que podemos melhorar muito mais ainda. Quero colaborar com isso de alguma forma.”

Informado e informatizado
“Uma das melhores coisas que me aconteceu na vida foi ter conhecido o CRI – Centro de Referência do Idoso. Aprendi muita coisa e ainda tenho muito o que aprender. Estou muito feliz de estar aprendendo informática. Não tem dinheiro que pague o contato com as pessoas pelo computador, a troca de e-mails, o relacionamento no Facebook. Tudo isso é maravilhoso. O curso que a Gisnelli dá é exatamente o que eu queria aprender. Ajuda para que eu me mantenha atualizado.”

Aprendizagem
“Não podemos parar de aprender nunca. A vida é curta para o tanto que a gente ainda tem que aprender. Por isso vou continuar estudando, lendo muito, viajando na medida do possível.”

Seus planos
“Quando me aposentei resolvi que tinha de fazer alguma coisa útil para o mundo, ajudar os outros. Hoje sou conselheiro da saúde de Santo André. Quero contribuir para mudar a saúde, a educação, a política e o meio ambiente do Brasil. Espero e confio num Brasil melhor, para que meus netos possam usufruir.”

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