“O cuidado é feminino e familiar”, confirma pesquisa

“O cuidado é feminino e familiar”, confirma pesquisa

O relatório da pesquisa “Envelhecimento e Cuidado: estudo sobre cuidadoras familiares de pessoas idosas”, realizada pelo Cebrap e Itaú Viver Mais, está disponível online


Se existir uma mulher na jogada é ela que vai assumir esse tipo de cuidado. Infelizmente não é uma coisa dividida, isso não é perguntado, não te dão chance nem de você falar nada. (Cuidadora 1)


Identificar os impactos da responsabilidade do cuidado familiar na vida profissional, social e emocional das mulheres cuidadoras familiares de idosos foi o objetivo principal da pesquisa Envelhecimento e Cuidado: estudo sobre cuidadoras familiares de pessoas idosas, realizada pelo Núcleo de Desenvolvimento do Cebrap, sob a coordenação de Priscila Vieira e as pesquisadoras Florbela Ribeiro e Juliana Shiraishi, com apoio do Itaú Viver Mais. A pesquisa aponta lacunas e oportunidades para intervenções do poder público, do setor privado e da sociedade civil.

A pesquisa, qualitativa, utilizou a estratégia de entrevistas em profundidade, para compreender as seguintes dimensões que envolvem o cuidado familiar:

1 – as situações de cuidado (demandas e necessidades);

2 – as decisões que levaram ao arranjo de cuidado existente;

3 – a rotina e as atividades desempenhadas;

4 – os arranjos financeiros familiares que viabilizam o cuidado familiar;

5 – a existência e composição de uma rede de apoio;

6 – a (im)possibilidade de conciliar o cuidado com outras atividades pessoais e profissionais;

7 – os impactos emocionais;

8 – o acesso e o conhecimento de serviços e equipamentos públicos voltados para o cuidado da pessoa idosa.

O relatório de pesquisa destaca que a falta de planejamento para o envelhecimento leva as famílias a elaborarem arranjos improvisados em torno do cuidado com os familiares idosos. Nesse contexto de improviso, as mulheres se tornam as principais responsáveis pelo cuidado – devido ao vínculo afetivo ou pela possibilidade de dispor de seu tempo. Essa disponibilidade pode se relacionar ao fato de a mulher estar desempregada no momento do aumento das demandas do cuidado ou ter filhos. Mesmo que elas tenham um emprego, se alguém da família precisar renunciar a ele para cuidar de um familiar idoso, provavelmente será uma mulher.

O cuidado envolve afazeres cotidianos, como alimentação e higiene pessoal, tarefas geralmente associadas como femininas. Há também uma questão moral – “ela sempre cuidou de mim, agora devo cuidar dela” – que leva as mulheres a enxergar o cuidado como uma missão de vida. Assim, elas não enxergam o cuidado como um trabalho. Há uma forte recusa por alternativas de cuidado exteriores à família, porque podem ser vistas como descaso ou negligência com o familiar idoso.

As pesquisadoras apontam no estudo a receptividade das informantes. Segundo elas, “as entrevistas abordaram temas sensíveis e delicados e produziram relatos profundos e emocionados, que passaram por reflexões sobre envelhecimento, vulnerabilidade e morte, além de desabafos sobre solidão e exaustão.”

Debate

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Da esquerda para a direita: Laís Abramo, Luana Pinheiro, Nadya Guimarães e Priscila Vieira

No lançamento do relatório de pesquisa, realizado no auditório do Cebrap no dia 20/07, em São Paulo, estiveram presentes Laís Abramo (Secretaria Nacional dos Cuidados e Família – MDS); Luana Pinheiro (Diretora de Economia do Cuidado – MDS) e Nadya Guimarães (professora da USP e pesquisadora do CEBRAP), as quais destacaram alguns dos principais achados da pesquisa.

Laís Abramo pontuou o processo de feminização do trabalho de cuidador; as cadeiras intergeracionais do cuidado que vão se modificando nas gerações, como a avó que cuidou da neta para que a filha pudesse trabalhar e hoje é a neta que cuida da avó; a carga emocional de cuidar da pessoa idosa que é diferente de cuidar de uma criança; o trabalho de cuidados que ainda é fortemente racializado; a importância da rede de suporte e como a rede compõe e financia os próprios cuidados da pessoa idosa; o desconhecimento e desconfiança de políticas públicas existentes; a falta de políticas de respiro, como o PAI – Programa Acompanhante de Idosos (São Paulo) e o Programa Maior Cuidado (Belo Horizonte) que permitem um descanso às cuidadoras; e a necessidade de uma transformação cultural que possa promover a corresponsabilidade do cuidado entre homens e mulheres.

Luana Pinheiro destacou o desamparo financeiro das mulheres cuidadoras; a carga de cuidado que vai aumentando no envelhecimento e este vai se complexificando ao longo do tempo, encapsulando as mulheres cuidadoras, ou seja, prendendo-as dentro da casa, ao ponto da casa se tornar uma verdadeira “prisão” para elas.

Por sua vez, Nadya Guimarães chamou a atenção para a falta de literatura e de políticas de cuidado no país. Assinalou a existência de pesquisas que apontam que 8 em cada 10 domicílios não têm como pagar serviços de cuidado. Ou seja, apenas 2 domicílios de cada 10 é que conseguem contratar serviços de cuidadoras, consequentemente o cuidado é familiar. Destacou ainda no estudo realizado pelo Cebrap e Itaú Viver Mais que o trabalho de cuidadoras de pessoas idosas aparece como missão de vida; que o encargo não é transitório, mas sim permanente e não tem hora para terminar; a rota que liga o cuidado familiar ao cuidado formal; a necessidade de ampliar a extensão do reconhecimento de direitos, pois há ausência dos mesmos; a gestão de gastos e dívidas do cuidado como cumulação de tarefas; e a importância de planejamento das incertezas e riscos.

Exaustão, todo mundo querendo, querendo, querendo algo de você o tempo todo. O cuidado das pessoas é exaustivo. Você está sempre cuidando de alguém e você fica muito de lado. (Cuidadora 3)

Leia na íntegra o relatório de pesquisa:

Sobre o CEBRAP – Núcleo de Desenvolvimento
O Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) é uma instituição de pesquisa na área de ciências humanas que desenvolve estudos multidisciplinares sobre a realidade brasileira. O Núcleo de Desenvolvimento realiza estudos para subsidiar e orientar ações para o desenvolvimento socioeconômico em diferentes níveis de gestão territorial- local, municipal, estadual e federal- e para diversos grupos populacionais (moradores de áreas urbanas e rurais, populações tradicionais e grupos em diferentes ciclos de vida).

Sobre o Itaú Viver Mais
O Itaú Viver Mais é uma associação sem fins lucrativos focada no público com mais de 50 anos, que emprega esforços no fomento do poder público, da sociedade civil organizada e da iniciativa privada, promovendo o acesso e a ampliação de direitos, melhorando a qualidade de vida nas cidades e fortalecendo o poder de transformação das pessoas por meio do investimento social privado. Para saber mais acesse: itauvivermais.com.br e pelas redes sociais @itauvivermais.

Assista ao evento de lançamento do relatório de pesquisa:

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