Nos bastidores da velhice

Voltando à questão, respondi na época que uma “coisa é estudar o envelhecimento, outra coisa é envelhecer”. Posto isso, hoje eu me pergunto: as duas coisas ajudam ou atrapalham?

Marisa M. Feriancic

 

De forma alguma eu negaria a importância da informação em qualquer aspecto da vida, mas sabemos que a informação por si só não é e nunca foi suficiente para mudar comportamentos. No caso da velhice é um pouco isso. Sabemos que exercícios físicos fazem bem à saúde, mas quantos de nós o fazemos por prazer?

Quando somos jovens a velhice está muito distante de nós. Não pensamos nela. À medida que envelhecemos e ela se aproxima, nos damos conta de que já não somos mais os mesmos. As articulações doem, a força diminui, sentimos mais canseira, às vezes bate uma tristeza sem motivo, e assim vai…

Devemos reconhecer de antemão que velhice não é doença terminal, e sim repositório de tradições e histórias, que deveriam outorgar ao velho prestígio e reverência. Com isso podemos até dizer que envelhecer é um termo inadequado para fazer menção ao amadurecimento. Mas a verdade é que o corpo se desgasta muito antes de deixarmos vago o nosso lugar no planeta e envelhecemos muito antes de ficarmos velhos.

A tanatóloga Ligia Py nos lembra que “o desejo de imortalidade é implícito na fantasia humana. Esse desejo aponta para várias formas de tentar sua realização, uma delas é a religião.”

Ao analisarmos a trajetória da vida humana, percebemos que o envelhecimento não é uniforme em suas diversas manifestações. O declínio motor e perceptual é o mais evidente e a fantasia da imortalidade sempre se faz presente.

Contra o tempo nada podemos fazer, a não ser que interrompamos nosso ciclo de vida. Sabemos também o quanto é difícil nos tempos modernos resistir aos múltiplos esforços da medicina e da estética para apagar as marcas do envelhecimento. São formatações e restaurações do corpo, disfarçando superficialmente as marcas do tempo. Mas como ainda não existem plásticas psíquicas, nos valemos das nossas histórias e resgates primordiais e primeiros para preservar a memória do corpo.

Conhecer sobre os fatores que levam ao envelhecimento poderá ajudar a envelhecer melhor e até prevenir doenças, mas não previne a velhice. É difícil sim envelhecer e, com certeza, pior nos países subdesenvolvidos.

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Envelhecimento não é sinônimo de patologia, mas à medida que envelhecemos não podemos deixar de pensar nas doenças, na solidão, na questão econômica, na falta de autonomia e na independência que ameaçam nossa liberdade de expressão e de movimentos.

O espelho, quando bem-vindo, mostra que nossa aparência física está constantemente mudando e nos percebemos cada vez mais velhos. Essas alterações são sentidas como perda de atração, de possibilidades e geram frustrações. Embora necessitamos rever esses valores culturais, esses sentimentos são reais. Perdemos agilidade. A pele fica mais seca, mais pigmentada. Nossa estatura diminui. Ganhamos gordura, flacidez muscular e dores articulares. Não quero com isso parecer pessimista, mesmo porque tenho na “voz do idoso” vários exemplos do bom envelhecimento.

Se os fatores físicos são facilmente visíveis o mesmo não se pode afirmar quanto aos limites do declínio mental, que não tem referência direta com a idade cronológica.

Acredito que este é o grande desafio da Gerontologia: auxiliar na preparação da velhice. Se fantasiarmos ou idealizarmos demais será desastroso envelhecer. Temos que nos preparar para as limitações que vão se apresentando. Isso não significa passividade. Nem perda de autonomia. É importante a manutenção da atividade mental, dos projetos e o cuidado com as relações interpessoais.

É importante sentir-se e fazer-se útil, mantendo-se permanentemente ativo perante a vida. A peça “O Rei Lear”, de Shakespeare, é um bom exemplo de domínio ativo perante a vida. Lear, um velho homem de 80 anos, com a percepção de que sua morte está próxima, decide dividir o reino com suas filhas evitando que seja destruído por outros, após sua morte. Antecipando-se e abandonando o poder, ele demonstra uma atitude construtiva e realista de aceitação da sua inevitável morte. Essa atitude não é geralmente o que acontece na nossa sociedade, que reforça a passividade nos velhos, negando a morte e marginalizando a velhice.

Cada dia que passa ficamos todos mais velhos. Cada um da sua forma. Cada um com sua história. Precisamos enxergar e respeitar o sentimento e a dificuldade do outro envelhecer. Muitas vezes queremos convencê-los com discursos vazios, de que a velhice é linda, que eles precisam sair, se distrair, participar de programas culturais, etc. Como se tudo dependesse somente da força de vontade.

A idade avançada não indica o fim, mas os sabores da vida são degustados de formas diferentes. Às vezes o sentimos amargo, em outros mais docinho. O segredo talvez seja aprender a saboreá-los mais lentamente, um de cada vez, sem pressa, sem ansiedade.

Uns dizem que é bonito envelhecer. Outros que é feio. E eu digo: não é bonito nem feio. É simplesmente difícil envelhecer. Com ou sem teoria sobre o que é o envelhecimento.

Há três anos venho testemunhando a “voz do idoso” e confesso que as diversas vozes têm me ajudado a repensar, e muito, nesta etapa da vida. Com elas estou aprendendo a comemorar os anos a mais que a vida nos dá. Aprendendo a conviver bem com eles.

Este mês o Portal do Envelhecimento faz três anos: Parabéns à coordenação geral, executiva, técnica e a todos os amigos e colaboradores que envelhecem comigo.

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