Múltiplos olhares sobre a ‘pílula do câncer’

O Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos da ENSP debateu as evidências experimentais, os argumentos do judiciário e a necessidade de as instâncias de poder caminharem ao lado da ciência para a tomada de decisões em relação à eficiência da “pílula do câncer”. O expositor da ENSP questionou a fragilidade das avaliações. “Sobre a eficácia da fosfoetanolamina sintética para tratar o câncer, o que há são apenas rumores que não têm, até agora, qualquer apoio em evidência empírica cientificamente válida.”

Informe ENSP (*)


O Centro de Estudos Miguel Murat de Vasconcellos da ENSP reuniu os olhares acadêmico, científico, jurídico e legislativo para discutir a “eficácia” da fosfoetanolamina sintética para fins terapêuticos. A atividade, que recebeu o coordenador do Laboratório de Toxicologia da ENSP, Francisco Paumgartten (foto), a advogada e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, Miriam Ventura, e o vereador (RJ) Paulo Pinheiro, debateu as evidências experimentais, os argumentos do judiciário e a necessidade de as instâncias de poder caminharem ao lado da ciência para a tomada de decisões. Em relação à eficiência da “pílula do câncer”, o expositor da ENSP questionou a fragilidade das avaliações. “Sobre a eficácia da fosfoetanolamina sintética para tratar o câncer, o que há são apenas rumores que não têm, até agora, qualquer apoio em evidência empírica cientificamente válida.”

Paumgartten, que em maio deste ano concedeu entrevista ao Informe ENSP afirmando que as evidências científicas utilizadas para respaldar o uso da fosfoetanolamina estão longe de indicar utilidade no tratamento de algum tipo específico de câncer, e menos ainda de neoplasias em geral, reiterou seu argumento. “Não há evidência experimental que a fosfoetanolamina sintética ou a fosfoetanolamina atue em alvo molecular relevante para tratamento do câncer. Ademais, a segurança da administração repetida da fosfoetanolamina sintética não foi adequadamente avaliada quer em estudos não clínicos, quer em ensaios clínicos.”

Ao citar o clamor popular provocado pelo uso da substância, explicou o fenômeno da psicologia social conhecido como bandwagon effect, ou o “efeito manada”, segundo tradução.

“O clamor que está na sociedade merece alguma consideração, do ponto de vista da aceitação de ideias populares, e não tem qualquer fundamento científico. Trata-se de fenômeno de psicologia social relativamente comum em várias outras áreas, como a política, os comportamentos de consumo os hábitos sociais: o bandwagon effect. O caso da fosfoetanolamina, em suas implicações sociais, é um exemplo típico disso, que pode ser traduzido como um ‘efeito manada’. A ampla adesão popular à ideia de que a pílula pode ser a última salvação do paciente com câncer não é em si um fenômeno excepcional. O que torna esse episódio original e único é o grande número de políticos e autoridades que embarcaram nesse efeito manada e seus desdobramentos”, ponderou.

A advogada Miriam Ventura, por sua vez, situou o caso da fosfoetanolamina no âmbito da judicialização – fenômeno que, segundo ela, constitui um fato político-social, não um fenômeno de natureza biológico. “Nos referimos a um fenômeno que trouxe para nosso cotidiano a reflexão acerca de diversos temas, com base numa forma judicial de raciocínio. Você apresenta um pedido, as provas e os argumentos serão ponderados e chegará a uma decisão em conformidade com o direito, mesmo que isso afronte ou invalide determinada lei.”

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O caso da “pílula do câncer” envolve analisar, de forma ponderada, se houve infração indevida à regulamentação de pesquisa no país, cujas bases são consideradas uma das melhores do mundo e legitimada internacionalmente. “Temos que ter cuidado com o largo caminho de construção que seguimos. Mas precisamos refletir sobre nosso processo de produção científica e tecnológica e a aplicação das inovações em saúde no contexto de uma forte cidadania biológica. É preciso refletir: Quais são as justificativas éticas e legais que levaram a isso? O clamor popular justificaria eticamente a decisão e uma autorização legal excepcional? Em que medida as leis afrontam o direito ético e de garantia de saúde?”

Na condição de parlamentar, o vereador Paulo Pinheiro afirmou que os dilemas debatidos durante o Centro de Estudos da ENSP poderiam ser resolvidos no âmbito do Legislativo e do Executivo, caso as instâncias tivessem se preparado de maneira mais adequada e alinhados à academia. “A parceria com a academia poderia dar embasamento para vetar o projeto ou permitir a apresentação de emendas para modificá-lo.”

Segundo Pinheiro, o Legislativo deve ter conhecimento a respeito da inconstitucionalidade ou não de um Projeto de Lei, além de revelar que a indução é um fator importante em relação ao tratamento médico. “Quando vamos ao Parlamento, não somos obrigados a saber de tudo. Mas é necessário discutir com os técnicos”.

(*)Informe ENSP relata evento intitulado “O Ceensp Fosfoetanolamina sintética, a pílula do câncer: ciência, política, regulação e ética”, ocorrido no dia 10 de agosto de 2016. Saiba mais Aqui

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