Minha Querida Dama

Minha Querida Dama

O solitário Mathias Gold (Kevin Kline) herda do pai uma grande casa em Paris. Quando ele viaja a capital francesa para tomar posse do imóvel, descobre que o local é habitado por Mathilde Girard (Maggie Smith), uma senhora de 90 anos de idade, sem pretensões de se mudar e, também por sua filha, a triste Chloé (Kristin Scott Thomas). A partir daí, estranhamentos, lembranças amargas e dores da existência vem à tona, tornando a convivência dos três um exercício, digamos, particular e delicado.

 

Você concorda com a afirmação de que “o hoje é a sombra do amanhã”? Então, sinto frustrá-lo ou frustrá-la, mas não sei dizer.

Algumas vezes me parece que sim, outras, fico confusa com a ideia da “sombra” como algo que persegue, julga silenciosamente e determina o que será, coisas como causa/consequência (terríveis, deterministas demais!).

A incômoda frase em questão surge logo na primeira cena do filme “Minha Querida Dama” (My Old Lady, 2014, direção: Israël Horovitz) quando o solitário americano Mathias Gold (Kevin Kline) chega a Paris, a charmosa cidade luz, aquela das paixões rasgadas, da tensão nos olhares, de um certo biquinho nas palavras quase sussurradas.

Mas, aquilo que parece romance, se torna um amargo pesadelo quando o desajeitado Mathias descobre que a bela casa de Paris, herança do pai, já está ocupada por Mathilde Girard (Maggie Smith), uma senhora de 90 anos de idade, e sua melancólica filha Chloé (Kristin Scott Thomas) que, pior, nem pensam em se mudar.

Parece comédia, mas não se engane pelo trailer: a partir daí, estranhamentos, lembranças amargas e dores da existência vem à tona, tornando a convivência dos três uma experiência, digamos, particular e delicada.

Até seria possível que o americano solicitasse, gentilmente, ou não, que a inquilina de idade avançada se retirasse de sua propriedade, se não fosse um sistema francês muito particular: o preço do imóvel é mais em conta, mas o comprador se obriga a pagar um aluguel ao vendedor até a sua morte.

Trata-se de um esquema maluco de apostar na morte das pessoas, o viager: “um jogo do destino – se a pessoa morrer, logo não tem como substituí-la, e se a pessoa não morrer é seu destino pagar para ajudá-la a viver”.

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Resumindo: esse tipo de contrato com o finado impede o herdeiro de ter controle sobre o imóvel até o idoso ou a idosa morrer.

A Sra. Girard tem duas fontes de renda: algumas aulas de inglês que ministra para alunos particulares e uma taxa mensal que o pai de Mathias lhe pagava, nada mais nada menos que 2.400 euros e que agora deve ser assumida por ele.

A idosa tem uma personalidade um tanto ácida – “Tenho 90 anos, sutileza é algo que não me interessa” –, o que concede um humor quase britânico a alguns diálogos. Mais adiante, ela funcionará como uma espécie de mentora para Mathias, alguém que lhe anuncia a incômoda verdade sem piedade ou qualquer tolerância, um soco certeiro na sua frustrada existência.

Falido, Mathias percebe a enrascada em que, sem saber, se meteu, além de outras amargas descobertas. Uma lição de casa e tanto para um cinquentão sem perspectiva, “sem lenço nem documento”.

Mas como sempre encontramos um rasguinho de luz no fundo do túnel, o nosso inquietante Mathias encontra sua metade na melancólica Chloé, uma mulher tão problemática quanto ele que mantém um relacionamento amoroso com um homem casado.

E num momento de intimidade, apenas um homem e uma mulher, nada mais, um sensível Mathias declara simples e lindas palavras de amor, mas Chloé, já sem esperança, lamenta: “Não sou linda, sou quase velha”.

Um homem que conhece a alma de uma mulher, de “sua mulher”, saberá responder que “a flor perfeita é quase velha”.

Se não bastasse a bela história, ver esses três magníficos atores juntos, Maggie Smith, Kevin Kline e Kristin Scott Thomas é sempre um grande prazer, um momento raro de encantamento e aprendizado com a ficção e seus inconstantes personagens.

Isso é cinema, um complicado exercício de amor, representações de compreensão e tolerância, mas também de dores e sombras: “Se não me amas não deverei ser amado” – Samuel Beckett. Trailer Acesse Aqui 

Luciana Helena Mussi

Engenheira, psicóloga, mestre em Gerontologia pela PUC-SP e doutora em Psicologia Social PUC-SP. Membro da Comissão Editorial da Revista Kairós-Gerontologia. Coordenadora do Blog Tempo de Viver do Portal do Envelhecimento. Colaboradora do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected].

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