Marvin, um drama sobre respeito à diversidade

Marvin, um drama sobre respeito à diversidade

Acompanhamos em Marvin os momentos onde as feridas são produzidas e o momento onde as cicatrizes resultantes são elaboradas na produção da própria vida.

Karla Helena Coelho Vilaça e Silva (*)

 

O filme Marvin é baseado na autobiografia escrita por Édouard Louis, um dos mais novos nomes da literatura francesa. O livro, lançado no Brasil em junho de 2018 com o título “O fim de Eddy”, é um romance autobiográfico que retrata a infância de um garoto que lhe é dado a identidade de gay e tem que enfrentar relações familiares conturbadas e que sofre principalmente com a pobreza e alcoolismo. Família que é reflexo de uma sociedade machista, homofóbica, xenofóbica e de um sistema capitalista devastador que cria um ambiente asfixiante.

Marvin é um longa que nos permite experimentar os dramas de um jovem em busca de aceitação e afirmação. A narração não linear (que vai ao passado e volta ao presente por meio das memórias de seu ator principal), expõe a infância até a fase adulta de Marvin (interpretado por Finnegan Oldfield e quando criança por Jules Porier).

Marvin é um filme emocionante, um drama sobre respeito à diversidade sexual conduzido com sensibilidade pela cineasta Anne Fontaine, cujo ponto alto está nas relações familiares, mesmo que nocivas. Ao longo do filme, são mostradas cenas extremamente conflituosas e violentas da vida de Marvin tanto na escola com insultos homofóbicos dos colegas nos corredores, quanto da sua família, com a mãe (Catherine Salée) ausente, que sequer olha para o filho, o pai (Grégory Gadebois) bruto e o irmão mais velho revoltado.

A família é operária e pobre que vive em uma aldeia da Picardia situada no norte da França, e de acordo com as passagens do filme, observa-se o bullying que ele sofria constantemente, além da rejeição e a humilhação proferida pelos moradores da aldeia, local tomado pela homofobia.

Com o apoio e o incentivo de Madeleine Clément (Catherine Mouchet) a nova diretora da escola, o garoto é então encaminhado para uma nova atividade: o teatro. E ali o menino começa a descobrir uma forma de encenar seus dramas e colocar para fora as emoções represadas.

Como esperado, nenhum acontecimento da vida de Marvin interessa à sua família, nem mesmo quando ele consegue uma vaga em uma disputada escola de teatro em Paris. A partir daí, nesta nova cidade o jovem começa a se envolver com pessoas mais gentis e mais educadas e descobre um novo mundo. Conhece pessoas que viveram seus mesmos dramas, identificando-se e, pela primeira vez na vida, sentindo-se pertencente a um lugar.

No entanto, sua carreira no teatro não deslancha prontamente, além disso ele continua tendo que lidar com uma homossexualidade que ele não compreende e não aceita bem, dependendo, para isso, de outro encontro definidor, desta vez com um professor de teatro, Abel Pinto (Vincent Macaigne). A amizade com esse professor ajuda Marvin e se entender e a se definir como profissional e como pessoa.

Outro encontro notável foi com a atriz Isabelle Huppert, que interpreta seu próprio papel e a partir daí Marvin finalmente decola no sentido de assumir sua nova identidade, passando a se chamar Martin Clément. Isabelle o ajuda também a compor um espetáculo teatral em que expõe sua vida familiar. Um espetáculo intenso, que invariavelmente faz sua carreira deslanchar e nesse momento o que se observa é que Martin vivencia uma catarse emocional e consegue depois disso voltar à sua casa e ter uma conversa renovadora com seu pai, que parece entender, finalmente, seus pontos de vista.

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Os debates

No contexto dos debates sobre o filme no projeto Itaú Viver Mais Cinema em parceria com o Portal do Envelhecimento, ocorrido logo após a sessão do filme realizada em 25 de setembro em Salvador, Curitiba, Porto Alegre, Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, observamos que os assuntos mais citados pelos idosos foram tolerância, respeito, resiliência e educação Familiar. Vários ressaltaram a superação de Marvin, apesar da família que tinha, de tanto desrespeito e crueldade, com a ajuda do teatro, fez um novo caminho, perdoou a família, conquistou a dignidade e mudou de nome. Outros assuntos elencados foram a importância e o papel da diretora da escola na vida do Marvin (Madeleine Clément, daí inclusive o sobrenome escolhido), o preconceito e a discriminação que o garoto sofreu em toda sua infância, o papel da família e da escola e a importância do amor e diálogo.

Não podemos deixar de citar que estávamos apreensivos quanto ao tema norteador do filme e das possíveis observações dos idosos sobre preconceito e sobre as cenas fortes de carinho entre homens. No público presente em algumas salas de cinema, houve pessoas que não ficaram confortáveis para assistir a algumas cenas. Em algumas delas, idosos saíram antes de o filme terminar e em outras, idosos comentaram que “não tinham mais idade para ver essas coisas”. Mas de forma geral houve aceitação do tema no debate entre os idosos e o diálogo foi surpreendentemente rico e livre de preconceitos. Mais uma vez o cinema mostrou ser um excelente espaço de educação e de aprendizagens permanentes, como foi colocado por uma idosa.

Outro assunto muito debatido foi a necessidade de aceitação e acolhimento com as pessoas, principalmente dentro da família e do valor da arte para expressão e superação das dores e realização do ser. O que se pode notar com a discussão é que cada sujeito reage de formas diferentes com a constante agressão, especialmente das pessoas que deveriam lhe acolher, como a família. Quantos Marvins no Brasil e no mundo passam por essas violências e não têm o mesmo final feliz?

A reflexão mais frequente nos debates foi de que muitas vezes aceitamos o diferente na família dos outros, mas não na nossa família. “Precisamos aceitar nossos filhos, netos e bisnetos como eles são. Eles precisam se sentir aceitos”, foi outra fala muito importante de uma idosa.

Enfim, os debates, extremamente ricos, permitiram refletir sobre a tentativa de ajuste à realidade, seja familiar, da comunidade ou da sociedade, levando ao enfraquecimento da Potência de Vida de uma pessoa o que causa um tipo de adoecimento no ser que tenta a todo custo se adequar ou se adaptar para ser aceito e ter o seu lugar garantido e respeitado.  A pessoa nestas condições não vive, ela apenas sobrevive. O filme permitiu ainda a oportunidade de repensarmos um caminho de mais acolhimento e de aceitação às diferenças, para que todos os indivíduos, indistintamente, possam construir sua autonomia e descobrir seu lugar no mundo. Assim como fez Marvin, que soube recriar sua vida como narrativa própria, lidando com o que sofreu, e reconstruindo-se como arte.  Acompanhamos em Marvin os momentos onde as feridas são produzidas e o momento onde as cicatrizes resultantes são elaboradas na produção da própria vida.

Ficha técnica do filme
Nome: Marvin
Nome Original: Marvin ou la belle éducation
Origem: França
Ano de produção: 2017
Gênero: Drama
Duração: 115 min
Classificação: 16 anos
Direção: Anne Fontaine
Elenco: Finnegan Oldfield, Charles Berling, Isabelle Huppert

(*) Karla Helena Coelho Vilaça e Silva – Fisioterapeuta, mestre e doutora pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo-FMRP/USP. É professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB). E-mail: [email protected]

 

 

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