Idosos tendem a ficar mais religiosos com o passar da idade?

No Quiz de Palmore a resposta a esta pergunta é não. O que acontece segundo o pesquisador é que a geração atual de pessoas mais idosas tende a ser mais religiosa que a geração mais jovem. Ou seja, a questão está mais na diferença de gerações e não de idade. Será? Leiam o que a revista mais60 já escreveu a respeito e depois nos dê sua opinião.


A pergunta título desta matéria é na realidade a questão 23, e última, do Quiz de Palmore adaptado. O Quiz foi elaborado em 1977 por Erdman Palmore, baseado em pesquisas qualitativas sobre o envelhecimento humano. Ainda hoje este instrumento de investigação analisa os preconceitos que se tem em relação à idade, ou seja, o ageísmo e, inclusive, o autoageísmo (preconceito à sua própria idade).

No Quiz de Palmore, a frase “idosos tendem a ficar mais religiosos com o passar da idade” é uma afirmativa, aguardando um “verdadeiro” ou “falso”. Palmore diz que esta afirmação é Falsa. Portanto, a resposta ao nosso título é um estrondoso NÃO. Para ele, religiosidade pode ser definida como sendo o conjunto de atributos relativos a uma crença ou espiritualidade e de como se estabelece uma relação entre um ser ou força superior e o homem. O que ocorre, segundo ele, é que a geração atual de pessoas mais idosas tende a ser mais religiosa que a geração mais jovem. Ou seja, a questão está mais na diferença de gerações e não de idade. Autores como Faria e Seidl, assinalam que muitas pessoas, independente da idade, recorrem a Deus como recurso cognitivo, emocional ou comportamental para o enfrentamento de seus problemas de saúde. Neri destaca que a partir de um estudo feito em uma população que em 1940, entre 0 e 9 anos de idade e que em 2000 já na classificação cronológica de idosos, mostrou que, à medida que a faixa etária aumentou, houve tendência de abandono das religiões de maneira geral. Já Coutinho e colaboradores verificaram que, em relação a idosos que sofrem de depressão, além dos tratamentos reconhecidos, é comum o uso de modalidades ancoradas na religiosidade, que remete à fé e à crença em Deus.

Apesar de todas essas explicações, na semana passada ao aplicar este teste em um grupo de profissionais que atua com idosos, percebi que muitos não ficaram satisfeitos com esta resposta, afirmando que os velhos com os quais se relacionam, são bem religiosos, a maioria deles. A discussão foi grande e muito enriquecedora. Será mesmo que esta questão está mais relacionada à idade ou à geração? Então lembrei de dois artigos lidos há muito tempo na revista mais60: estudos sobre envelhecimento (antiga A Terceira Idade), do Sesc São Paulo.

O primeiro deles é de 2001, uma entrevista, com a escritora Adélia Prado, que costuma dar atenção em seus escritos a temas que a afetam em seu próprio cotidiano, e que, segundo ela, envolve as perguntas básicas que fazem parte da vida e, portanto, da literatura: o quê, o como e o porquê, o que sou, de onde vim, para onde vou. Nessa entrevista, a revista fez a seguinte pergunta à escritora: “Na sua opinião, o sentimento religioso se exacerba, se intensifica na velhice?”. A resposta da escritora foi a seguinte:

Na juventude a pessoa tem uma grande ilusão de poder: ‘Eu sou jovem, sou belo, sou forte, minhas pernas me obedecem, tenho ótima visão, reflexos perfeitos’. Você absorve esse conteúdo divino do poder, da vida eterna, etc., e vive como tal. Estou falando de um jovem comum. Não estou falando de pessoas neuróticas, mas de pessoas ‘normais’, ‘normais’ entre aspas (risadas). Quando chega à Terceira Idade, a pessoa defronta-se com o limite, o corpo não lhe obedece como antes, necessita de determinados auxílios, o seu poder fica em xeque. Aí a pessoa se volta naturalmente para aquilo que de fato é o poder, a força, a vida verdadeira, e isso é sempre de ordem espiritual. É aí que muitas pessoas se reencontram e voltam à sua religião de juventude, realmente se convertem a uma piedade verdadeira. Essa maior proximidade da morte e das doenças tem essa vantagem. Quando não tem, a gente vira um velho patético.”

O segundo artigo lido, aliás, justamente um ano depois, em 2002, também é uma entrevista, realizada pela revista mais60 ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns (14/09/1921-14/12/2016), na época com 81 anos, e símbolo das lutas pelos direitos humanos e pela justiça social no Brasil, tendo recebido, por isso, aqui e em outros países, centenas de títulos e homenagens. Na ocasião a revista fez a seguinte pergunta a ele: o senhor acha que a fé, a oração, a religiosidade enfim ajudam na velhice a se ter uma relação melhor com a morte?

“De fato senti isso na minha própria vida. Quando mais moço, nunca tinha pensado propriamente na morte. Sofri vários desastres, onde quebrei a perna, o pé, machuquei muito a cabeça, perdi parte do ouvido, parte da vista etc. Mesmo assim nunca pensei na morte, que era para mim uma coisa distante. Hoje eu penso muitas vezes nela. Penso com amor, que essas coisas incômodas da Terra vão acabar, que não posso mais fazer tudo como gostaria de fazer. Por exemplo, escrevi mais de 50 livros, mas é difícil escrever agora um livro que seja original, que satisfaça totalmente. Mesmo escrevendo todos os dias, falando duas vezes por dia em rádio, sinto que não sou mais o mesmo. Então chega um momento em que a gente pensa: “Tá bom Deus, já chega. Pode me chamar, porque lá em cima é muito melhor do que aqui”. João XXIII dizia: “Os meus amigos na eternidade estão dizendo: ‘Venha Joãozinho, aqui está muito mais bonito do que aí embaixo’”.

Ambas as entrevistas associam a religiosidade na velhice à realidade da morte, à nossa finitude, afinal, nessa etapa estamos mais próximos de nosso fim neste planeta e partida para outra dimensão. Trata-se de um tema em que a maioria da população não fala a respeito. Não falava ontem nem fala hoje. “A morte é um assunto tabu. Imagina! Nós somos ‘eternos’”, ironiza Adélia Prado em sua entrevista. Mas é categórica: “todo mundo morre, e para enfrentar isso, a pessoa realmente precisa de uma parada, de silêncio interior, de suplicar forças para administrar o problema da morte”.

Adélia Prado diz que para ela só tem um caminho, e que este não é a ciência, “porque a ciência prolonga a vida, dá mortes menos dolorosas, etc., mas aquilo que dá sentido à minha vida e, portanto, à minha morte é de ordem espiritual, é religioso”. A escritora afirma então que “A morte estando próxima, a religiosidade costuma renascer em muitas pessoas e constituir-se no que deveria ter sido a vida toda: alento, amparo na caminhada, motivo de esperança e alegria”.

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E você leitor, o que acha: os 60+ tendem a ficar mais religiosos com o passar da idade? Ou não?

Referências
KOCH FILHO, Herbert Rubens et al. UM INSTRUMENTO DE PESQUISA PARA A INVESTIGAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE O ENVELHECIMENTO HUMANO NO BRASIL: o questionário de Palmore adaptado. Archives of Oral Research, v. 3, n. 2, 2007. Disponível em: https://periodicos.pucpr.br/index.php/oralresearch/article/viewFile/23106/22187
FARIA, J.B; SEIDL. E.M.F. Religiosidade e enfrentamento em contextos de saúde e doença: revisão de literatura. Psicol Reflex Crít. 2005;18:381-389.
NERI, M. A ética católica e o espírito da revolução feminina. 2005. [Citado 2006 Jun 06]. Disponível em: URL:http://www.fgv.br/cps/religioes/Apresentação/valor.doc
COUTINHO, M.P.L.; GONTIÊS, B.; ARAÚJO, L.F.; NOVA SÁ, R.C. Depressão, um sofrimento sem fronteira: representações sociais entre crianças e idosos. Psicol-USF. 2003;8:192-3.
A Terceira Idade. Entrevista Adélia Prado.  Publicação técnica editada pelo SESC SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO, São Paulo, v. 12, nº 23,  p.70-83, nov 2001.
A Terceira Idade. Entrevista Dom Paulo Evaristo Arns. Publicação técnica editada pelo SESC SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO, São Paulo, v. 13, nº 25, p.86-104, ago-2002.

Foto de destaque: Eduardo Braga


Serviço
A revista mais 60: estudos sobre envelhecimento é uma publicação multidisciplinar, editada pelo Sesc São Paulo, de periodicidade quadrimestral, e dirigida aos profissionais que atuam na área do envelhecimento.
Tem como objetivo estimular a reflexão e a produção intelectual no campo da gerontologia. Seu propósito é publicar artigos técnicos e científicos nessa área, abordando os diversos aspectos da velhice (físico, psíquico, social, cultural, econômico etc.) e do processo de envelhecimento.
Caso você queira escrever para esta revista, saiba que ela aceita artigos de forma contínua. Para saber mais basta enviar e-mail para: [email protected]
ISSN 1676-0336


Este workshop visa apresentar os jogos cooperativos como ferramenta de sensibilização e discussão sobre experiências do envelhecer, aplicadas em espaços de convívio.
Inscrições abertas: https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/workshop-dinamicas/

Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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