Idosos no mercado de trabalho: uma demanda crescente

Idosos no mercado de trabalho: uma demanda crescente

Deparamo-nos ainda com a parca presença de pessoas idosas no mercado de trabalho, demanda que exige enfrentamento diante da exclusão e preconceitos

Por Anelise Crippa e Cíntia Liesenberg (*)


Pela definição cronológica, consideram-se pessoas idosas as que completaram 60 anos de idade. Em termos demográficos, esse é o grupo etário que mais cresce entre a população e que tem se tornado cada vez mais participativo em diversos espaços sociais. Tal condição se reproduz também como demanda para a esfera do trabalho.

Não raras as vezes, vemos pessoas nessa faixa etária buscando novas oportunidades laborais, seja pelo desejo de ressignificação de sua trajetória profissional ou de mudança de vida, seja pela necessidade de recolocação por demissão ou ainda para complementação de renda após a aposentadoria, entre outros motivos.

No entanto, apesar desse cenário e das últimas regras previdenciárias que impelem os sujeitos a uma atuação mais longa nessa esfera, deparamo-nos ainda com a parca presença de pessoas idosas no âmbito organizacional ou poucas iniciativas para sua inclusão, diante das demandas que a nova realidade exige.

Ainda que dados divulgados em maio de 2023, pelo Serviço Nacional de Indústrias e Comércio (SENAI), apontem para o aumento de contratações para pessoas com 50 anos ou mais, a colocação profissional fica aquém do necessário. A isso soma-se o próprio recorte 50+ dos estudos, ou seja, para o mercado o indicador etário de envelhecimento fica abaixo dos parâmetros demográficos. A abordagem etarista para essa faixa da população, isto é, a discriminação de uma pessoa por razão de sua idade, é apresentada como um dos critérios que a afasta desse mercado, o que leva a baixas oportunidades de inclusão, de geração de emprego e renda.

A expressão do preconceito etário nas organizações se apresenta de diferentes maneiras e acentua rótulos depreciativos dessa população. Segundo Capellos e Pereira Filho (2018), as pessoas idosas são taxadas como resistentes às tecnologias, menos produtivas e mais custosas. Todavia, há estudos que desconstroem tais narrativas, a exemplo de uma pesquisa apoiada pelo Edital Itaú Viver Mais e pelo Portal do Envelhecimento sobre a apropriação digital de idosos, que demonstra a forte e diversificada presença dessa população na utilização e criação de conteúdos em espaços digitais, como também outros que demonstram que a experiência das pessoas idosas contribui para um melhor ambiente de trabalho e resultados para as organizações (LANCMAN; SZNELWAR; JARDIM, 2006; NERI, 2002).

A questão é complexa, uma vez que implica diferentes variáveis, muitas delas internalizadas culturalmente na visão destitutiva da velhice. Tal realidade é resultante de uma sociedade que vive em tempo acelerado e na qual a juventude e um determinado estilo de vida associado a ela são tidos como um valor a ser mantido a qualquer preço. Assim, a importância do tema extrapola o universo interno e das políticas específicas de uma organização, uma vez que, diante do idadismo vivenciado, observa-se a violação de um direito social e o desrespeito à dignidade da pessoa humana, no caso a pessoa idosa.

O direito ao trabalho postulado no artigo 7º da Constituição Federal do Brasil, de 1988, é claro ao resguardar a igualdade ao trabalho sem distinção da idade. O Estatuto da Pessoa Idosa, em seu capítulo VI, reforça o direito à profissionalização e ao trabalho para essa população. Além disso, é importante ressaltar que o direito ao trabalho pode levar à concretização de outros direitos sociais, uma vez que permite a autodeterminação, com maior autonomia, independência e possibilidade de contribuição social, tendo em vista o sistema econômico.

Assim, direitos como lazer, saúde e educação podem ser custeados por meio da remuneração advinda da inserção da pessoa idosa no mercado de trabalho (SILVA et al., 2021). Ademais, destaca-se seu importante papel no sustento ou apoio à manutenção de seu lar e família, conforme dados apresentados por Camarano (2020), com apoio em dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 2018.

Apesar desses aspectos relativos a vários âmbitos da esfera social, legal e de exercício de cidadania, ainda assim o mercado tem se atentado pouco para essa população. É preciso que haja incentivo e criação de políticas públicas para a inclusão da pessoa idosa no mercado de trabalho, com valorização de suas contribuições e dos benefícios ocasionados com a intergeracionalidade, como também de iniciativas das próprias organizações, sejam elas públicas ou privadas.

Recentemente, foi publicada a análise de dados de um ranking de cinco empresas que se destacaram em ações voltadas para a contratação, retenção de pessoas 50+, incluindo ações intergeracionais no ambiente de trabalho. Os dados foram colhidos em 2020, resultado de seleção entre 54 empresas inscritas. Estes, no entanto, mostram que apesar do incentivo e da aplicação das iniciativas, em média apenas 3% de pessoas com 50 anos ou mais trabalham nessas organizações (GPTW, 2020).

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Esse dado denota preocupação, pois as empresas que buscam estar nesse ranking têm um baixo número de pessoas idosas inseridas em seu quadro de funcionários. Ademais, os que ali estão têm, na maioria das vezes, cargo de direção/gestão organizacional, o que insere essa população em um nicho restrito de atuação e abarca um perfil específico de trabalhadores.

Por outro lado, a exemplo do ranking mencionado, recentemente tem se observado maior visibilidade da temática nas mídias, incluindo a divulgação de novas iniciativas que têm como foco a população idosa. Discursos empresariais começam a incluir a questão etária e da intergeracionalidade entre as suas políticas e ações voltadas para um ambiente organizacional mais diverso, acenando para a relevância do tema diante de uma população que envelhece a passos largos e que, embora seja aquela com menor percentual entre os grupos inseridos no mercado de trabalho, vem crescendo na ocupação de espaços laborais, mesmo com todo o preconceito e etarismo que ainda se observa.

Nesse contexto é que atualmente desenvolve-se pesquisa com apoio do Itaú Viver Mais e Portal do Envelhecimento, visando ao levantamento e à promoção de iniciativas que contribuam para que outras empresas atuem voltadas para um ambiente interno e organizacional mais inclusivo e acolhedor para as pessoas idosas e que fomentem relações intergeracionais mais salutares, como requer a realidade dos tempos atuais.

Nota
O presente trabalho faz parte de pesquisa selecionada pelo Edital Acadêmico Itaú Viver Mais 2022 em parceria com o Portal do Envelhecimento.

Referências
BRASIL. Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm. Acesso em: 31 maio 2023.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 31 maio 2023.
CAMARANO, Ana Amélia. Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres? Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, p. 4.169-4.176, 2020. Doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320202510.2.30042020.
CEPELLOS, Vanessa Martines; PEREIRA FILHO, João Lins. Envelhecimento nas empresas. Sociedade e Gestão, v. 17, n. 2, p. 50-59, 2018. Doi: https://doi.org/10.12660/gvexec.v17n2.2018.74751.
CONTRATAÇÃO de trabalhadores 50+ cresce quase três vezes mais que estoque geral de empregos. Portal da Indústria, 18 maio 2023. Disponível em: https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/educacao/contratacao-de-trabalhadores-50-cresce-quase-tres-vezes-mais-que-estoque-geral-de-emprego/. Acesso em: 31 maio 2023.
GREAT PLACE TO WORK (GPTW). Destaque GPTW 50+. 2020. Disponível em: https://conteudo.gptw.com.br/estudo-destaque-gptw-50. Acesso em: 31 maio 2023.
LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte Idal; JARDIM, Tatiana Andrade. Sofrimento psíquico e envelhecimento no trabalho: um estudo com agentes de trânsito. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, v. 17, n. 3, p. 129-136, 2006. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v17i3p129-136.
NERI, Anita L. Envelhecer bem no trabalho: possibilidades individuais, organizacionais e sociais. Terceira Idade,v. 13,n. 24, p. 7-27, 2002. Disponível em: https://issuu.com/sescsp/docs/a_terceira_idade_n___24_envelhecer_. Acesso em: 31 maio 2023.
QUESTÕES para a previdência social no Brasil. Textos para discussão, 2016. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7132/1/td_2230.pdf. Acesso em: 31 maio 2023.
SILVA, Dayane Martins; OLIVEIRA, Jéssica Tayanne Azarias de; ALMEIDA, Maikiane et al. A inserção do idoso no mercado de trabalho como instrumento garantidor da dignidade. Vianna Sapiens, v. 12, n. 2, 2021.

(*) Anelise Crippa – Advogada. Mediadora Judicial e Extrajudicial. Doutora e mestra em Gerontologia Biomédica. Professora e coordenadora do Curso de Direito do Centro Universitário Metodista (IPA). Líder do Núcleo Interdisciplinar de Envelhecimento e Direito do IPA. E-mail: [email protected]
Cíntia Liesenberg – Relações Públicas. Doutora e mestra em Ciências da Comunicação. Professora da Escola de Comunicações e Artes da PUC-Campinas e Integrante do MidiAto – Grupo de Estudos Linguagem: Práticas Midiáticas e do Núcleo Interdisciplinar de Envelhecimento e Direito do Centro Universitário Metodista (IPA). E-mail: [email protected]

Foto destaque de Ono-kosuk/pexels

Atualizado às 10h21


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