“Histórias Mínimas”, para quem não teme a velhice

“Histórias Mínimas”, para quem não teme a velhice

Quem teme a velhice, sentirá um estranhamento, alguma dificuldade para digerir o filme Histórias Mínimas, de Carlo Sorín.

 

Don Justo tem 80 anos e passa o tempo tomando mate diante da mercearia tocada pelo filho e a nora e contando os raros carros que passam diante dos seus olhos que cada vez enxergam menos.

Don Justo não pode sequer ficar de pé. O filho corre a socorrê-lo: deixe que eu faço; deixe que eu pego, deixe a vida comigo. Don Justo permanece sentado, como diria Raul Seixas, esperando a morte chegar. Não pode desfrutar o jantar, a nora corta e recorta o bife até esmigalhá-lo para não exigir esforços do sogro velho e cansado. Don Justo vive uma vida insossa. Vive a morte na vastidão da Patagônia.

Três histórias se cruzam no filme “Histórias Mínimas”, de Carlo Sorín, mas é a história de Don Justo que se destaca. O velho, herói fora de hora, recebe um chamado à aventura. O arauto, um empoeirado caminhoneiro, diz acreditar ter visto Malacara, o inseparável cão de Don Justo que o largou depois de sofrer uma grande decepção, em um canteiro de obras na província de San Julian.

Há poucos dias o velho havia ganho de um alpinista uma bota novinha. O objeto mágico manda sinais, convence o velho que pode levá-lo a qualquer lugar. Don Justo atende ao chamado.

Outros dois moradores da região seguem na mesma direção atendendo a chamados distintos. Maria Flores, sorteada para participar de um programa de TV tipo Roda da Fortuna, deseja não apenas o grande prêmio, mas aparece para o mundo dentro daquele quadrado mágico. Roberto, vendedor ambulante, segue para San Julian com o objetivo de comemorar o aniversário de Rene, filho da mulher dos seus sonhos, uma viúva que perdeu o marido em um raro acidente provocado por um raro carro.

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Don Justo renasce ao iniciar sua jornada no nascer do dia. 300km de poeira separam Fitz Roy de San Julian. Nenhum motorista acredita que Don Julian consiga alcançar seu intento com as próprias pernas. De carona em carona ele chega ao canteiro de obras onde seu cão foi visto.

A peãozada comemora o fim da jornada com música, bebida e churrasco. Don Justo entra na dança, bebe, saboreia nacos de carne rasgadas com os dentes e baila com a vida. Don Justo vive. Dorme no alojamento e no dia seguinte tem uma conversa muito séria com o cão fujão.

Contando assim não dá para se ter uma ideia dos meandros dessa história que tem início no consultório de um oftalmologista e termina com Don Justo alcançando o perdão que fará com que os últimos anos de sua vida se tornem mais leves.

A história de Don Justo está umbilicalmente ligada a do vendedor Roberto. Eles não sabem, e se você cochilar é provável que fique sem saber. Mas isso não altera em nada a beleza do filme, das jornadas empreendidas por cada personagem e o resultado inusitado de cada uma delas.

Quem teme a velhice, sentirá um estranhamento, alguma dificuldade para digerir o filme. Embora tenha outras duas histórias marcantes, a história de Don Justo é a que impacta mais. Faça um teste e depois nos conte como foi assistir a Histórias Mínimas do diretor argentino Carlo Sorín com o brilhante roteiro de Pablo Solarz.

Mário Lucena

Jornalista, bacharel em Psicologia e editor da Portal Edições, editora do Portal do Envelhecimento. Conheça os livros editados por Mário Lucena.

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