Família, envelhecimento e novos tempos

Família, envelhecimento e novos tempos

A família tradicional, hierarquizada, verticalizada, já não existe. Isto também se reflete no modo como os membros mais jovens se relacionam com os mais velhos, sinalizando uma transformação na construção dos vínculos, subjetivação, das vivências dos desafios enfrentados na velhice e o impacto disto na família.


Família, família……Vovô, vovó, sobrinha……janta junto todo dia…Nunca perde essa mania” (Titãs)

As transformações socioculturais que hoje assistimos, impactam diretamente na forma como os indivíduos se relacionam com o mundo e com o outro, não sendo diferente quando nos referimos às relações na velhice.  Velhice esta que como todas as outras fases do ciclo vital, também enfrentam mudanças significativas nos modos tradicionais de funcionamento, fazendo com que seja necessário ressignificar e reinventar os papeis e funções sociais em meio a tantas mudanças.

O ciclo vital envolve diferentes fases da vida do indivíduo, todas permeadas pela presença da família, núcleo inicial da vida humana, responsável pela formação subjetiva, cultural, religiosa e social.  

A família, como conhecemos, tem sofrido grandes mudanças em sua estrutura, que se reflete nas relações com seus membros, nas formas de cuidado e apoio aos mais frágeis, sendo estes pontos importantes quando nos referimos a idosos e envelhecimento. Até mesmo o estado mudou seu olhar, a partir da constituição de 1988, ao perceber que o importante são os vínculos de afeto, que são construídos ao longo das histórias de vida dos indivíduos, conforme podemos observar no texto do jurista Lobo (1989): 

A família patriarcal, que nossa legislação civil tomou como modelo, ao longo do século XX entrou em crise, culminando em sua derrocada, no plano jurídico, pelos valores introduzidos na Constituição de 1988. A família atual está matrizada em um fundamento que explica sua função atual: a afetividade. Assim, enquanto houver affectio haverá família, unida por laços de liberdade e responsabilidade, desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão de vida não hierarquizada. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado”.

Isto nos leva a compreender a definição de família como grupos de pessoas ligados pelos vínculos afetivos, transformando o modelo tradicional que conhecíamos, hierarquizado, consanguíneos. Sendo assim, a família tradicional, hierarquizada, verticalizada, já não existe, principalmente nos centros urbanos. Isto também se reflete no modo como os membros mais jovens se relacionam com os mais velhos, sinalizando uma transformação na construção dos vínculos, subjetivação, das vivências dos desafios enfrentados na velhice e o impacto disto na família.

Nas famílias contemporâneas podemos observar diferentes estruturas e formatos, com casamentos mais tardios, recasamentos, separações, casamentos homoafetivos, redução do número de filhos ou ausência destes, reestruturação da relação conjugal, insuficiência de cuidados aos membros mais frágeis, estes podemos entender as crianças e os velhos. Diante de tudo isto se faz necessário uma mudança de observação e compreensão dos profissionais que trabalham junto a estas estruturas. 

Buscar compreender como a velhice se apresenta nestas estruturas, sua complexidade, seus desafios e dinâmica faz com que o trabalho junto a esta população seja realizado com respeito e responsabilidade, atendendo as demandas destes novos tempos.

Mesmo assim, ainda nos deparamos com mitos e expectativas, não somente dos idosos e familiares, mas também dos profissionais que trabalham com famílias de idosos. 

Um exemplo que assistimos é a ideia de que a família, a vida ao lado das gerações mais jovens é a única e melhor opção para os idosos, quando esta pode não ser a opção preferida pelas pessoas idosas e nem a melhor opção para eles.

Se estamos nos referido que a observação deve ser aos vínculos que se estabelecem entre os sujeitos do grupo familiar, não podemos deixar de admitir que assim como existem vínculos saudáveis, há a possibilidade de vínculos tóxicos, que adoecem o sujeito.

Na minha prática, todos os dias, me deparo com famílias de todas as formas, angustiadas, solitárias, sem acolhimento e sem informações sobre os desafios do processo de envelhecimento. Também profissionais despreparados para acolher e compreender a família que vivencia a velhice em suas novas demandas. O trabalho destes profissionais deve ser o de orientar e sinalizar alternativas e possibilidades para que este momento, a velhice, que muitas vezes vem permeada pela doença, dor e sofrimento, vividos não somente pelo idosos, mas também pelos outros membros da família, possa ser suportável e permeada de vínculos saudáveis.

Receba as últimas notícias!

Não perca nossas principais notícias e notícias que você precisa saber todos os dias em sua sua caiza de entrada.

Não podemos esquecer que novas gerações de idosos estão aí, iniciando suas velhices, levando em suas bagagens histórias familiares diversas, que não correspondem mais àquilo que conhecíamos como modelo família.

Em um futuro muito em breve o verso da música do Titãs talvez possa ficar assim:

…  Vovó, Vovó (casal), sobrinha (por vínculo afetivo), meus filhos, seus filhos, nossos filhos, papai que casou com a sua mãe, mamãe que casou com seu pai …… jantam junto todo dia, nunca perdem esta mania”

Referências

LOBO, P, I, N.A.  “Repersonalização das relações de família”. In: BITTAR, C, A., O direito de família e a constituição de 1988. São Paulo: Saraiva. 1989.

Foto de destaque: Robert Stokoe


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/cursos/

Margherita de Cassia Mizan

Margherita de Cassia Mizan – Psicóloga com Especialização em Teoria Psicanalítica-PUCSP, Terapeuta sistêmica Casal e Família _ UNIFESP-SP, Especialista em Gerontologia Hospital Israelita Albert Einstein, Especialização em Psicogerontologia – Instituto Gerações, Mestre em Gerontologia Social PUCSP, com quase 14 anos de trabalho em ILPI, referência na cidade de São Paulo. Idealizadora da Empresa Senior Services Gestão e Cuidado a Idosos, com 6 anos no mercado. Email: [email protected]

Compartilhe:

Avatar do Autor

Margherita de Cassia Mizan

Margherita de Cassia Mizan – Psicóloga com Especialização em Teoria Psicanalítica-PUCSP, Terapeuta sistêmica Casal e Família _ UNIFESP-SP, Especialista em Gerontologia Hospital Israelita Albert Einstein, Especialização em Psicogerontologia – Instituto Gerações, Mestre em Gerontologia Social PUCSP, com quase 14 anos de trabalho em ILPI, referência na cidade de São Paulo. Idealizadora da Empresa Senior Services Gestão e Cuidado a Idosos, com 6 anos no mercado. Email: [email protected]

Margherita de Cassia Mizan escreveu 5 posts

Veja todos os posts de Margherita de Cassia Mizan
Comentários

Os comentários dos leitores não refletem a opinião do Portal do Envelhecimento e Longeviver.

LinkedIn
Share
WhatsApp

Descubra mais sobre Portal do Envelhecimento e Longeviver

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue lendo