Eu, idoso(a), e os marcos de minha trajetória de vida

A “Conversa no Sofá” com Paulo Canineu e Ligia Py, promovida pelo Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia 2016, realizado recentemente em Fortaleza, levaram-me à escrita deste relato: “De tão encantada que estava, desejei poder ser uma velha. Agora. Já. Imediatamente. Quem sabe assim não poderia ter algumas respostas para as inúmeras perguntas que eu, com 51 anos, não paro de indagar. Mas em meio a todas essas questões, a certeza da grandeza do afeto como importância para a nossa constituição como pessoa, era evidente, para os dois ‘palestrantes’.”

Cristiane T. Pomeranz *

 

eu-idoso-a-e-os-marcos-de-minha-trajetoria-de-vidaNuma conversa despojada dois grandes ícones da Geriatria e Gerontologia: Dr. Paulo Canineu e Dra. Ligia Py (veja abaixo quem são), compartilharam com o público informações sobre as suas trajetórias de vida, suas conquistas e suas perdas, além de falarem como lidaram com suas frustações profissionais e pessoais. Um momento ímpar em que conhecemos como estes dois importantes especialistas vivenciam o processo de envelhecimento.

A conversa foi realizada no dia 11 de junho, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza (CE), como encerramento do Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia 2016.

Começo a desenhar este texto na minha cabeça e no meu coração aqui do alto.

O corpo cansado pela correria desses dias não impede minha mente de voar. E meus pés não estão no chão. Na verdade nunca os tive fincados na terra. Estou sempre em plena altitude, mas neste momento, o meu voo é verdadeiro em todos os sentidos.

Estou à milhas do solo, voando de volta para casa e aqui do avião percebo que eu, inteira, estou nas nuvens.

Participei como ouvinte de uma linda conversa no sofá, evento proposto pela SBGG, Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, para encerrar o XX Congresso Brasileiro de Geriatria e Gerontologia com chave de ouro.

Como convidados deste bate-papo estavam o Prof. Dr.Paulo Renato Canineu, médico Geriatra e Gerontólogo e a Dra. Ligia Py, Psicóloga e Gerontóloga.

A mesa dos palestrantes foi desmontada para que o palco ganhasse sofás, vasos de plantas e mesa de centro.

Nós éramos convidados deste encontro e a sensação era a de estar, em plena sala de casa, tamanha informalidade.

Mediada pelos atuais presidentes da SBGG Maria Angélica e Dr. João Bastos, a fala desses dois ícones da Gerontologia e Geriatria me tiraram do chão num arremesso alto e voraz, talvez mais distante do que a altitude que este avião me leva agora.

Quando perguntaram para Dr. Canineu e para Dra. Ligia sobre a questão da passagem do tempo, a resposta demonstrou, logo no início da conversa, o que viria pela frente.

Tratava-se de um bate-papo com duas pessoas lindamente humanas além de exímios profissionais.

eu-idoso-a-e-os-marcos-de-minha-trajetoria-de-vidaProfessor Canineu nos contou que o convívio familiar o mantém jovem apesar de ter seu dia-a-dia envolvido com o envelhecimento. São 12 filhos e 11 netos que, sem sombra de dúvida, o fazem ser dono de uma riqueza incalculável.

Seu trabalho com idosos o mantém atento às questões do envelhecer que experimenta em seu próprio corpo.

Para Ligia Py, a passagem do tempo não é algo pacífico. Quando fez 56 anos, comparou-se a sua avó que nessa mesma idade era bastante envelhecida e muito enrugada. Algo ali não fazia sentido para ela que, nesta fase de vida, vivia o auge da sua vida profissional.

Agora, aos 71 anos, nos conta já ter experimentado a fragilidade do corpo ao adoecer. O tempo apronta, diz ela, e a enfermidade é uma oportunidade de superação da doença pela saúde. Um momento de superar a fragilidade e a vulnerabilidade.

Eu, ali na primeira fila, estava visivelmente extasiada tamanho encantamento que tomava conta de mim.

Pensava em questões minhas e desejava envelhecer assim como eles: donos de olhares únicos, para a vida e para o viver.

Ligia Py afirma que é no espaço da alma que ocorre a passagem do tempo, mas o envelhecer, nem sempre é fácil, pois a mulher velha passa a não ser mais, sendo ainda muito mais. Portanto é preciso buscar novas significações e se recriar a todo o momento, sendo mais.

Cada palavra dita era impregnada e eu percebia que estava sendo tocada e remexida. Vivia ali um momento mágico. Único, onde percebia nitidamente o quanto envelhecer pode ser especial.

De tão encantada que estava, desejei poder ser uma velha. Agora. Já. Imediatamente. Quem sabe assim não poderia ter algumas respostas para as inúmeras perguntas que eu, com 51 anos, não paro de indagar.

Mas em meio a todas essas questões, a certeza da grandeza do afeto como importância para a nossa constituição como pessoa, era evidente, para os dois “palestrantes”.

Lembranças da infância que deixaram marcas na trajetória pessoal e profissional foram divididas com o público.

Lembranças da mesa de domingo, da presença das avós que foram para Ligia, um privilégio na sua formação humana. Convívio que influencia a maneira dela se relacionar com as netas e que influenciaram diretamente na sua conduta como psicóloga. Com as avós, aprendeu a escutar e a calar, condições essenciais na sua profissão.

Ao responder sobre os aprendizados e sobre o ensinar, percebemos estes, serem pontos cruciais na vida desses dois profissionais, envolvidos com o ensino e com o compartilhar do saber.

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Ligia Py diz ter sido alfabetizada sentada no colo de Mariquinha e mais do que isso: Aprendi o mundo no colo de uma velha.

Afeto que ela vivenciou e que faz questão de transmitir aos seus alunos e que podemos perceber através da maneira com que ela conduz sua fala.

Para o Professor Canineu a troca de conhecimentos que mantém com os alunos, garante a ele novos aprendizados. Sempre.

Devo aqui ressaltar que a palavra Compartilhar parece ser a expressão de ordem para esse mestre e eu, me sinto honrada pela oportunidade de ser sua aluna.

Para Canineu, que nasceu no dia do professor, a luta do pai e da mãe sempre foram referência. Aprendeu que é preciso ser o melhor que puder ser e que isso só acontece através dos estudos. Quem tem a chance de, assim como eu, ter aulas com ele, percebe o tamanho de sua seriedade e preparo para compartilhar saberes. Nós, alunos, nos engrandecemos a cada aula.

Ao perguntarem sobre planos futuros, o contato com a família vem em forma de realização plena. Vontade de escrever um livro sobre essa experiência de ser pai e avô de uma família tão grande faz parte de seus desejos.

Em seus planos, a vontade de continuar compartilhando a vida, com filhos, netos, amigos e alunos, afinal, segundo Canineu, vale a pena viver e ser um apaixonado pela vida.

E por falar em paixão, Ligia diz que este é um sentimento que traz sofrimento e que algumas pessoas não se apoderam dele com medo de sofrer. Não entendem que ausência não é uma falta. É sim uma presença em nós mesmos. Não devemos, portanto, ter medo do sofrimento e da ausência.

A vida, segundo ela, é para se arriscar, para ir atrás e sofrer.

Dra.Ligia Py tem planos. Alguns singelos como voltar a costurar e a bordar.

Deseja escolher caminhos que lhes deem um narcisismo bom, que a faça ser aquilo que é. É preciso ser competente existencialmente, diz ela.

Diz gostar de viver e de sentir prazer. Não gosta do sofrimento, mas o aceita com resignação.

Trabalha com a morte. A morte como parte da vida e tem pensado muito na impermanência e na finitude. No seu próprio fim.

Diz ter perdido a esperança no eterno com a morte da irmã e outras mortes brutais na sua família. Minha família tem a mania de morrer, disse Lígia.

A dor de perder o pai numa UTI foi um sofrimento que desabou de forma destrutiva. Não tem como ser elaborado, disse ela.

A morte deve ser algo sublime que possa reter nossa história.

Referência em Cuidados Paliativos, a Gerontóloga Ligia Py deseja manter-se empolgada até o fim da vida. Fazer planos simples, ler mais poesia, sonhar acordada e ter devaneios.

Celebrar a vida em toda sua plenitude.

O avião inicia sua descida. Apertem os cintos. Inclinem a poltrona na posição vertical.

Aterrisse! É preciso aterrissar!

Ligia Py e Paulo Renato Canineu me colocaram nas nuvens. Agora é hora de voltar. Depois deste voo, dificilmente serei a mesma. Sei disso.

O comandante anuncia uma área de turbulência. O avião começa a trepidar. Acho que tinha mesmo que ser assim.

Ainda em êxtase, é preciso voltar para a realidade. Só mesmo com um chacoalho.

Dos alto-falantes ouvimos: Pouso autorizado.

Em solo, a vida segue. Modificada e cheia de paixão.

eu-idoso-a-e-os-marcos-de-minha-trajetoria-de-vidaQuem são

Paulo Canineu é médico, especialista em Geriatria pela SBGG, mestre em Ciências Biológicas e doutor em Gerontologia. Diretor Geral do Instituto de Memória e Envelhecimento “Paulo Canineu” de Sorocaba. Professor do Departamento de Ciências Fisiológicas e de Pós-Graduação de Gerontologia na PUC-SP e da Universidade São Camilo de SP. Professor e médico convidado, voluntário do LIM 27 do IPqHCFMUSP, supervisor de ambulatório de Psiquiatria Geriátrica Participou ativamente da SBGG como integrante de diretoria e comissões.

Ligia Py é psicóloga, mestre e doutora, com estudos na área do envelhecimento e morte na velhice. Especialista em Gerontologia pela SBGG. Na SBGG participou como integrante da diretoria, conselho consultivo e comissões. Na seção Rio de Janeiro ocupou a presidência do departamento de gerontologia. Vem atuando como professora convidada em cursos de especialização, mestrado e doutorado de Universidades de diversos Estados, com os temas envelhecimento e finitude humana. Integra, atualmente, o quadro de Professor Colaborador do Instituto de Psicologia da UFRJ, é membro do Conselho de Bioética do INCA e da Câmara Técnica sobre a Terminalidade da Vida e Cuidados Paliativos do CFM. Acesse Aqui

* Cristiane T. Pomeranz é arteterapeuta, entusiasta da vida e da arte e mestranda em Gerontologia Social PUC-SP. Email: [email protected]

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