A eterna irreverência de Edy Star, parceiro de Raul Seixas na Sociedade Kavernista

Edy Star – cantor, dançarino, ator, produtor teatral e artista plástico – ao que consta, sempre soube rir de si mesmo e dos outros, chocando às vezes, com certeza, muita gente. Mas o segredo para seguir em frente foi nunca ligar muito para a opinião alheia.

Maria Lígia Mathias Pagenotto, da Redação Portal

 

a-eterna-irreverencia-de-edy-star-fotoPioneiro, no Brasil, em diversas áreas, com 73 anos de vida, está repleto de planos e não demonstra cansaço algum. A não ser quando lhe perguntam sobre “sua relação com Raul Seixas”. Aí a conversa desanda. “Querida, não suporto essa pergunta.”

Fico sem graça, mas ele me “consola” dizendo que “tudo bem, ela é inevitável!”. Então me explica, sem responder à questão, como reage a ela quando, vira e mexe, na internet, alguém lhe faz essa pergunta, especialmente pelo MSN (sistema de mensagem instantânea). Edy é direto na resposta: “Eu digo alguma obscenidade ou respondo com um absurdo qualquer e deleto na hora aquela pessoa. Tenho preguiça dessa conversa. Ué, como poderia ser minha relação com Raul?”

Debochado, irreverente, politicamente incorreto – há muitas formas de definir Edy Star. Mas eu prefiro simplesmente arriscar e dizer que ele é dono de um bom-humor contagiante. Difícil não ficar fascinada com as muitas histórias que Edy tem para contar sobre o cenário artístico brasileiro dos 1960/70. Sua memória é afiadíssima e seu espírito crítico idem.

Começo a perguntar sobre seu início na vida artística, ele desanda a falar. Mas no meio do caminho diz para eu acessar a internet e pegar mais dados lá. “Ah, você quer muitos detalhes!” Tropicália, baianidade, rock n’roll, MPB, o mundo pop, o submundo, o teatro alternativo, as boates, o transformismo – Edy Star tem uma trajetória longa nesses meios todos e em muitos outros, certamente. “Sou polifacético”, brinca, falando de suas múltiplas facetas.

O início de tudo

a-eterna-irreverencia-de-edy-starNascido Edivaldo Souza, em Juazeiro, na Bahia, começou sua carreira artística em Salvador, para onde se mudou ainda bem pequeno. Leitor voraz e desenhista, também enveredou para o campo das artes plásticas. No início dos anos 1960, na capital baiana, já se apresentava cantando nas rádios Sociedade da Bahia e Cultura da Bahia. E foi numa delas que fez amizade com o também baiano Raul Seixas, que integrava o grupo Os Panteras. Dizem que no começo a amizade dos dois não era lá essas coisas. Mas aos poucos se entenderam e Edy passou a fazer parte do círculo de Raulzito.

Sexualidade sem hipocrisia
De Salvador foi para o Rio e São Paulo. No Rio, Edy Star ganhou mais destaque, fazendo apresentações em boates com um visual andrógino, novidade até então no Brasil. Por isso é tido como o primeiro artista transformista do país. Também foi ele quem primeiro rompeu a barreira da hipocrisia no meio artístico e assumiu em público, no Brasil da ditadura, a sua homossexualidade. Mesmo estando à época casado com uma “manequim famosa, já falecida.”

Sobre Raul
Não há fã de Raul que não conheça Edy. E, claro, é inevitável mesmo tocar no tema: Edy foi amigo do cantor e compositor desde os 15 anos. Imaginem a dupla: dois iconoclastas reunidos no cenário político dos anos 60/70. Raul Seixas o chamava de Edy Bofélia.

Atualmente, Edy é o único remanescente do grupo intitulado “Sociedade da Grã Ordem Kavernista”, criado por Raul Seixas, na época produtor da CBS. Por que esse nome? Uma pessoa presente no local da entrevista arrisca dizer que a tal “kaverna” poderia ter sido inspirada no mito da caverna do filósofo grego Platão. Edy não perde o humor: “Sei lá de onde veio esse nome. Raul inventou. Ele adorava esses nomes assim, meio misteriosos. Agora, dizer que tem a ver com a caverna de Platão.. não sei não, será?…”. E solta mais uma resposta irreverente – impublicável, diga-se –, ao fazer uma analogia com uma outra “caverna”.

O disco da tal sociedade kavernista foi lançado em 1971, ignorado pelo público e pela crítica, com o nome completo de “Sociedade da Grã Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez”. Além de Raulzito e Edy, participaram também Sérgio Sampaio e Miriam Batucada. Por conta deste legado, em 2009, Edy retornou de Madri, na Espanha – onde morou durante anos – para se apresentar na Virada Cultural de São Paulo, mostrar seu trabalho com Raul, uma programação artística que dura 24 horas, em vários pontos da cidade. Foi quando percebeu que podia voltar a viver no Brasil. Nem é preciso dizer o sucesso que faz seu show.

Saúde

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a-eterna-irreverencia-de-edy-starFico animada de ver Edy Star aos 73 anos esbanjando alegria, saúde e disposição. E pergunto de onde vem tanta energia. “Que é isso, menina, já tive uma depressão braba nos anos 1990, pensei em me matar. Eu estava muito desanimado com a vida artística, com as minhas perspectivas. Tinha de cantar com playback, já imaginou isso? Não tinha mais conjunto nos programas e nos shows para tocar ao vivo. Fui ficando péssimo.”

Para alegria dos fãs, graças à sua assumida falta de coragem, Edy continua entre nós até agora. Fora isso, também conta, para minha surpresa, que teve câncer de próstata há quatro anos. E está em permanente observação. “Não digo que estou curado, mas estou bem. Perdi muitos amigos com câncer, é difícil”.

Afirma que viveu tudo o que tinha direito nos “loucos anos 60/70” em termos de sexo, com homens, com algumas mulheres também, e drogas. “Mas se não me cuidasse não chegaria a essa idade, certo?”

Sobre a doença, disse que receber o diagnóstico foi traumatizante. “Sou de uma geração que câncer significa morte. Caí no choro, mas encarei o tratamento. No hospital, eu ia animado para as sessões de quimio e de radioterapia e tentava animar os outros pacientes também. Eu me tratei na Espanha, onde morava, fui muito bem atendido sempre.”

Na Europa
Desanimado com o Brasil, foi para a Espanha em 1992, sem conhecer ninguém. “Três dias depois já estava fazendo show numa boate. Fiquei quase 20 anos na Espanha e aproveitei para viajar muito também. Recentemente, estava trabalhando como mestre-de-cerimônias num cabaré.” Direto como sempre, Edy Star diz, mas em outras palavras, que a casa é um lugar onde “meninas”, dos 18 até os 70 anos, mais ou menos, fazem programa. “Adoro trabalhar em lugares assim, com mulheres.”

Carnaval e Bahia
Sobre sua energia que surpreende, garante que não é “forçada”. “Sempre fui assim. Não faço exercícios, mas em cada show fico umas 2 horas e meia pulando. De um tempo pra cá, exijo um balão de oxigênio para me acompanhar, mas ainda não precisei usar.” Afirma que, apesar de todo esse pique, não suporta o atual Carnaval baiano. Aliás, admite que em Salvador hoje só vai para visitar a família, por quem tem muito apego. “Não gosto daquele cenário que virou Salvador. De um lado uma pobreza extrema, de outro aquele mundo para turista ver. É tudo falso. Por isso agora vou morar em São Paulo – sou do rock’n’roll, do teatro. Vou fazer o que naquela terra que só tem espaço hoje para o axé?”

Sexualidade
A doença na próstata baqueou um pouco Edy Star também sexualmente. “O médico disse que eu iria ficar por um tempo sem ereção. Fiquei chateado, claro. E quis fugir do tratamento: ‘Mas doutor, logo agora que eu estou com uma clientela ótima?’ Ele disse que a escolha era minha. O sexo poderia ser feito depois, se eu me tratasse. Então escolhi viver.” Disse ter tido dificuldade para se relacionar seriamente na Espanha. “Eu sou um homossexual das antigas, gosto que meu parceiro seja macho. Hoje está difícil achar um homossexual assim. Com o tempo e a doença, aprendi a me adaptar. Já não tenho todo aquele fogo, mas minhas relações são mais qualitativas. Hoje acho que sexo não é o primordial, mas sim o companheirismo. Adoro ficar conversando, me esfregando.”

Politicamente incorreto
“Não gosto dessa onda do politicamente correto, soa falso. Hoje tudo o que a gente fala pode dar processo, um saco. Eu odeio a palavra gay, por exemplo – fica muito bonita nos Estados Unidos, mas no Brasil não dá. Temos um monte de outras palavras para se referir a quem é gay, que são muito melhores (e fala todas). E na Bahia não dá para falar a palavra negro mais, é tudo afrodescendente. Faz sentido?”

Morte e religião
“Fui criado no catolicismo, mas respeito outros credos, embora com algumas ressalvas. Não gosto de quem enriquece com religião. E não tenho medo da morte, não. Só de morrer. Imagina, deixar tanta coisa boa no mundo, ô meu Deus… E tenho medo de morrer sozinho também. Quero uma mão pra segurar, nem que seja uma de plástico.”

Planos e hobbies
“Tenho vários projetos encaminhados, como shows e peças de teatro. Além do show para lembrar os 40 anos da Sociedade Kavernista e promover o relançamento do meu primeiro disco, também estou trabalhando com a Maria Alcina, num show chamado ‘Salve o prazer’, em que só cantamos Assis Valente. Faço uma média hoje de uns três shows por mês, adoro isso, adoro dançar. Além disso, nas horas vagas, adoro bater um bolo! Também gosto muito de desenhar e costurar as roupas dos meus shows.”

Bom-humor

a-eterna-irreverencia-de-edy-star“Faço graça comigo mesmo e com os outros quase todo o tempo. Isso me ajuda. Sem fazer gozação com as coisas, fica tudo mais difícil. Mas tem assunto que trato com muita seriedade, como a minha saúde e o meu trabalho.”

Velhice
“Velhice? Ah, quando eu começar a envelhecer vou pensar nisso. Ainda não comecei. Acho que isso vai muito da compleição física de cada um. Tem muita gente de 40 anos com compleição de 80. E vejo um monte de gente com 50 anos cansada. Eu digo ‘imagina quando você tiver a minha idade, como vai ser?’. Acho que o importante, para ficar bem, é gostar do que se faz e também gostar de você mesmo. Tenho sorte, porque sempre trabalhei em coisas que gosto. Deixei de ganhar dinheiro, claro, quando disse não algumas vezes. Passei dificuldade, mas isso não me fez mal, ao contrário. E sempre digo pra mim mesmo, diariamente: ‘Sou bonita e gostosa, o resto que se f…’. Acho que esse deve ser o segredo da minha energia, sei lá!”

Numa pesquisa na internet, leio que no show de encerramento de uma Virada Cultural, Edy Star levou o público ao delírio ao cantar “Todo mundo está feliz aqui na terra”. Todo mundo não sei. Edy está, garanto.

 

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