Estamos mesmo envelhecendo melhor?

Estamos mesmo envelhecendo melhor?

Pesquisas revelam que as pessoas estão envelhecendo melhor, mas não de forma generalizada. Educação faz uma enorme diferença.


Hoje, dia 11 de janeiro, retomamos as atividades do Portal do Envelhecimento e Longeviver neste ano de 2021 e iniciamos perguntando se de fato estamos envelhecendo melhor, incentivados por duas grandes pesquisas realizadas na Finlândia – uma sobre o envelhecimento físico e outra sobre o envelhecimento cognitivo – que apontam que estamos, sim, envelhecendo melhor, mas não de forma generalizada, e que a educação faz uma diferença enorme.

A educação, tão menosprezada no Brasil, um direito constitucional que se vê cada vez mais negado, terá impacto enorme nas futuras velhices. Sem educação não há ciência. Ah, a ciência, que vem sendo também tão desacreditada por alguns, tem grande responsabilidade pelo sucesso da civilização, ou seja, pela longevidade humana. A imunização a diversas doenças faz parte desse sucesso e vem permitindo há algumas gerações envelhecerem melhor.

Aliás, o mundo todo entrou em 2021 com um grande desafio, o de manter a população a salvo do Coronavírus e evitar as diversas sequelas que prejudicam um bom envelhecer. O Brasil não seria diferente, seu desafio é imunizar uma população de mais de 210 milhões de habitantes distribuída em um território muito desigual e com envelheceres muitos distintos, apesar de muitos de nossos representantes lutarem contra. Pesquisas futuras certamente nos apontarão as barreiras, todavia existentes entre a ciência e a política e seus impactos no envelhecer. E torço para que os responsáveis por essas barreiras sejam de fato um dia punidos.

Mas voltando às pesquisas da Finlândia, ambas comprovam de forma impressionante alguns dos detalhes da mudança geracional que o senso comum vem nos dizendo nestes últimos tempos apenas olhando fotos antigas de nossos pais, avós e bisavós (dependendo da idade que cada leitor tenha) e atuais: que 60 é o novo 50, 70 o novo 60, e assim por diante.

As pesquisas, supervisionadas pela gerontologista Taina Rantanen, da Universidade de Jyväskylä (Findândia), comparou adultos nascidos em 1910 e 1914 com aqueles nascidos cerca de 30 anos depois. As duas faixas etárias foram avaliadas em 1989 e 1990 e em 2017 e 2018, respectivamente. Ambos os grupos foram examinados pessoalmente aos 75 anos e novamente aos 80 com a mesma bateria substancial de seis testes físicos e cinco avaliações de cognição. A maior parte dos estudos deste tipo analisa uma gama mais restrita de avaliações e muitos deles se baseiam em autoavaliações.

As pesquisas tinham como objetivo investigar a suposição de que temos envelhecido melhor, e a pretensão de medir em quais esferas os idosos mais recentes têm mostrado melhoria. Os resultados mostram que em algumas áreas houve melhoras, mas esses ganhos não estão distribuídos igualmente, parecem depender de fatores sociais, comportamentais e econômicos.

Quais foram as melhoras?

Os fatores que mais se destacaram como importantes para esse envelhecer melhor apontados em ambos os estudos foram atividade física constante e boa nutrição. O grupo que nasceu mais tarde conseguia andar mais rápido, tinha um aperto de mão mais forte e podia exercer mais força com a perna. Essas métricas são indicadores confiáveis de deficiência e mortalidade. Em testes cognitivos, o mesmo grupo teve melhor fluência verbal, teve tempo cronometrado de reação mais rápido em uma tarefa complexa de movimento do dedo e pontuou mais alto em um teste combinando números com símbolos.

Em quais áreas não estamos envelhecendo melhor?

A memória de curto prazo e função pulmonar não mostraram variações entre os grupos estudados, mostrando que nem tudo mudou ao longo das gerações: as medidas da função pulmonar eram surpreendentemente estáticas, e não houve melhora na tarefa de memória de curto prazo de recordar uma série de dígitos – possivelmente porque a memorização mecânica perdeu a ênfase na escola e no dia a dia nas últimas décadas, é o que os pesquisadores supõem.

Estas descobertas só comprovam o que outros estudos vêm anunciando, como a pesquisa realizada na Holanda e publicada em 2018 sobre envelhecimento cognitivo, e que já tinha mostrado que adultos idosos nascidos entre 1931 e 1941 ofuscaram os adultos da mesma idade nascidos na década de 1920 em uma série de medidas cognitivas – embora, novamente, não na memória de curto prazo.

Um outro estudo, dinamarquês, de 2013, revelou também que as diferenças relacionadas ao ano do nascimento podem persistir até uma idade muito avançada: os de 95 anos nascidos em 1915 superaram os de 93 anos nascidos em 1905 em um exame cognitivo. O grupo nascido posteriormente neste estudo não se saiu melhor nas medidas de velocidade de marcha e força de preensão, mas seus membros eram mais adeptos às atividades da vida diária – como tomar banho e vestir-se – talvez por causa de seu estado cognitivo melhorado.

Por que se envelhece melhor?

Os estudos citados apontam que há muitas razões pelas quais as pessoas estão envelhecendo melhor, incluindo melhores cuidados médicos e uma queda no tabagismo. De acordo com a pesquisadora Kaisa Koivunen, da Finlândia, os fatores que mais se destacaram no estudo finlandês, de função física, se devem que os adultos nascidos mais tarde eram mais fisicamente ativos e com corpos maiores, o que sugere melhor nutrição. Ela lembra que em 1943, a Finlândia tornou-se o primeiro país do mundo a exigir almoço gratuito universal nas escolas. Para o funcionamento do cérebro, segundo ela, a chave parece ser mais anos de educação. Tanto no estudo finlandês quanto no holandês, as diferenças cognitivas entre os grupos desapareceram amplamente quando os pesquisadores controlaram esse fator.

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Educação

Há muito tempo sabemos que a educação é fundamental para um melhor envelhecer e essa é a razão de nossa existência. No final do ano passado, uma de nossas últimas matérias anunciava isso: “Dar, receber e retribuir confere sentido às ações do Portal do Envelhecimento e Longeviver, um espaço dialógico solidário de circulação de saberes em redes, como dons e dádivas, envolvendo profissionais, idosos, familiares e sociedade em geral, nas trocas e interfaces sociais, referentes às questões que envolvem o processo de envelhecimento. O conceito de dádiva – a obrigação de dar, receber e retribuir, envolvendo não os indivíduos, mas as comunidades – surge dos estudos de campo do antropólogo Marcel Mauss (1872-1950), e não envolve ganhos financeiros, o que gera o sentido de ‘gentileza’, como aqui proposto”.

A educação, a partir de informações qualificadas sobre o longeviver, tem norteado nossa produção de conteúdos de credibilidade, dando assim suporte a muitos profissionais, familiares e idosos elementos para um maior e melhor cuidado e, consequentemente, um envelhecer com maior qualidade de vida.

Luigi Ferrucci, diretor científico do Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos, em declarações à mídia internacional, disse o seguinte: “Com mais educação, você provavelmente terá uma renda maior, o que significa que terá mais probabilidade de ir ao médico, ter uma boa nutrição e ter um trabalho que não dilacere seu corpo”.

Não é à toa que se vive mais em países desenvolvidos, como também se vive mais e melhor nas regiões do Brasil mais desenvolvidas, basta olhar a tábua da vida ou tábua completa de mortalidade e ver as diferenças nas expectativas de vida: quem nasce em Santa Catarina tem a possibilidade de viver cerca de 10 anos mais do que quem nasce no Maranhão, por exemplo. Nos países cuja distribuição é mais equitativa do que nos Estados Unidos e no Brasil, as vantagens da educação prolongaram a vida e garantiram uma melhor qualidade de envelhecer.

Não é o nosso caso, que em muito se parece com o que Luigi Ferrucci diz em relação aos EUA, “ainda temos muitas pessoas que não podem tomar os medicamentos de que precisam porque não podem pagar por eles, e podem não ter acesso a alimentos saudáveis e oportunidades de exercícios e aprendizado que prolongam nossos anos vitais”.

Tudo isso para dizer que não dá para generalizar resultados de pesquisa pois por aqui o Estudo Sabe (Saúde, Bem-estar e Envelhecimento), que começou em 2000 numa iniciativa da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), em sete centros urbanos na América Latina e Caribe, e que avalia como os idosos estão lidando com os desafios da velhice, mostrou que os idosos de hoje do Município de São Paulo, infelizmente, estão envelhecendo pior do que os velhos de ontem.

Por isso iniciamos 2021 com mais educação para nossos leitores, como também lutamos para que o direito à Educação seja respeitado. Não só, lutamos para que os direitos constitucionais sejam de fato respeitados por aqueles que foram eleitos para defendê-los e não desmontá-los, como o corte da gratuidade do transporte público para idosos de 60 a 64 anos por um decreto publicado em 31 de dezembro pelo governador do estado de São Paulo, que foi suspenso pela justiça no dia 7/1, mas que o governo está recorrendo.

Esse fato movimentou a sociedade e o Coletivo Direitos da Pessoa Idosa de São Paulo (CDPI) foi criado. Esse Coletivo, que reúne representantes de várias entidades, movimentos sociais e lideranças da sociedade civil, está chamando um “Ato Virtual” para o próximo dia 17 de janeiro, domingo, às 16 horas, pela
página da entidade no Facebook.

Enfim, com mais educação, além de nos cuidarmos melhor individualmente, também estaremos mais empoderados sobre nossos direitos e assim lutarmos por velhices melhores, hoje e amanhã!

Imagem destaque de Kjell Meek por Pixabay


https://edicoes.portaldoenvelhecimento.com.br/produto/envelhecimento-feminino/

Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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