Envelhecer, uma dor?

Envelhecer, uma dor?

Hugo Aguilaniu, geneticista da École Normale Supérieure de Lyon, na França e integrante do Programa Cátedras Francesas do Estado de São Paulo passou duas semanas no Brasil para ministrar um curso sobre genética do envelhecimento na pós-graduação da USP – a convite de Alicia Kowaltowski. E, na véspera de sua volta para a França, deu uma entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, a partir da qual tecemos este artigo.

 

Pode parecer estranho ao leitor quando lê sobre “a cura dos idosos”. O que seria exatamente isso? Será que à medida que os anos passam ficamos doentes de velhice e precisamos de um remédio chamado popularmente de juventude? Nada disso.

Hugo Aguilaniu, provavelmente, fez esta reflexão para entender os mistérios e a busca incessante da longevidade. Acreditamos que seu objetivo foi abrir a caixa de pandora, através da ciência e descobrir os enigmas, tudo que essa nossa estranha existência guarda a sete chaves.

Nesse processo científico que deve ter durado anos e porque não dizer “da alma”, o pesquisador descobriu “que seu trabalho ia além das pesquisas genéticas sobre o envelhecimento. Que não bastava avançar nos estudos para aumentar a longevidade sem encarar outra importante missão: a cura dos idosos”, diz a reportagem de Thais Arbex.

Como bem ressalta a matéria, “a discussão é pertinente”. Principalmente quando se sabe que no Brasil, já são 23,5 milhões de idosos (12% da população) – de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2011. E a cada censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é comprovada a tendência de envelhecimento do País.

Aguilaniu esclarece: “A população brasileira está envelhecendo cada vez mais rápido, os franceses já ganharam seis horas de expectativa de vida por dia. No Brasil, essa velocidade é ainda maior, de nove horas por dia. Isso quer dizer que o bebê que nasce hoje terá uma expectativa de vida nove horas superior ao que nasceu ontem”.

Para o pesquisador, frisando sua emoção ao usar a palavra “infelizmente”: “envelhecer ainda dói”. Hoje, segundo ele, as pesquisas mostram que os idosos sofrem, em média, 15 anos por causa das chamadas doenças associadas ao envelhecimento. “Queremos acabar com esse longo período ruim pelo qual passamos na velhice”.

E como se daria isso? Aguilaniu responde: “Já conhecemos moléculas capazes de aumentar a longevidade de mamíferos. A chance de se chegar a uma droga que aumente a vida do ser humano é enorme. E vai acontecer logo”.

Como não se trata apenas de viver mais e mais, o pesquisador lembra um dado fundamental nas questões do nosso longeviver – ir longe + vida vivida, na acepção da palavra -: “Temos outra missão: a de matar os mitos. Todos queremos encontrar a fonte da juventude, mas é preciso pensar como sociedade, não individualmente. Imagine se todos nos tornássemos imortais?”

Atenção leitores, a longevidade não nos cabe, já diria a escritora francesa Simone de Beauvoir no livro “Todos os homens são mortais”.

A seguir trechos da entrevista de Hugo Aguilaniu ao Jornal O Estado de S.Paulo.

O Brasil já está velho?

Hugo Aguilaniu – E cada vez mais rápido. Na França, ganhamos seis horas de expectativa de vida por dia. Um bebê que nasce hoje terá uma expectativa de vida seis horas superior ao bebê que nasceu ontem. No Brasil, essa velocidade é ainda maior, de nove horas por dia. São quatro meses e meio por ano. Isso mostra que o problema do envelhecimento da população é muito importante. A população da França já está velha. Aqui no Brasil, o problema é maior, porque a população ainda é jovem, mas vem envelhecendo muito rápido. E tem um outro fator essencial: a queda da taxa de fecundidade.

Qual é a maior dificuldade do Brasil em relação ao envelhecimento?

Hugo Aguilaniu – Este é o debate político que tem de acontecer imediatamente. São muitos os idosos que precisam de ajuda. Na França, que convive com o envelhecimento da população há um tempo, já é difícil, já não se dá conta do recado. A velhice tem um custo muito alto. Quem cuida dos idosos cobra um valor extremamente elevado. E há também os custos com hospital, medicamentos. É um impacto enorme sobre a sociedade e seu crescimento econômico.

A sociedade tem essa noção?

Hugo Aguilaniu – Não. As pesquisas têm evoluído muito rápido e, hoje em dia, já conhecemos moléculas capazes de aumentar a longevidade de mamíferos. Isso quer dizer que a chance de chegarmos a uma droga que aumente a longevidade do ser humano é enorme. E vai acontecer logo. Se pensarmos que a população já está envelhecendo muito rápido e que, de repente, entrará uma molécula que prolongará ainda mais a vida, a demografia vai explodir. Poderia matar o crescimento do Brasil de um dia para o outro, por exemplo.

Na sua opinião, qual é o papel do poder público?

Hugo Aguilaniu – A França só agora está se dando conta de que envelheceu. Mesmo falando há anos sobre a importância de se pensar em políticas para a velhice, só recentemente comecei a receber ligações de pessoas do governo preocupadas com a questão do envelhecimento. Ganhamos 25 anos de vida, vivemos até os 85, mas as pessoas ainda querem viver como se fossem morrer aos 60. É preciso reorganizar a sociedade. E fazer com que as pessoas percebam que elas não farão o mesmo trabalho a vida toda. Passaremos a ter o trabalho para os jovens e o trabalho para os mais velhos. As empresas terão de se reorganizar. Será uma mudança global.

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Nesse contexto, qual o impacto da sua pesquisa?

Hugo Aguilaniu – Nosso trabalho, nesse momento, é melhorar a qualidade do envelhecimento. Sabemos que é possível alterar em qualquer animal – inclusive no ser humano – a percepção do tempo.

E como se faz isso?

Hugo Aguilaniu – Mexendo com os genes, para que eles mandem informações “erradas” sobre o tempo. A partir daí, o corpo passa a viver com um tempo que não é o real, tendo uma longevidade maior. Em 1993, um grupo de pesquisadores da Califórnia encontrou o primeiro gene capaz de passar por esse processo. Hoje, já sabemos que 50 genes têm tal capacidade. No momento, a pesquisa não está mais apenas focada em estender a vida, mas, sim, em melhorar a qualidade do envelhecimento. Nosso objetivo é que as pessoas possam viver com boa saúde até a morte. Queremos eliminar o longo período ruim pelo qual passamos na velhice. Hoje em dia, idosos sofrem, em média, durante 15 anos. É muito tempo. Se conseguirmos diminuir isso em 10%, já será uma grande vitória.

E o limite da ética? Até quando é possível estender a vida?

Hugo Aguilaniu – Biologicamente, acredito que ninguém possa responder a essa pergunta. Trabalho com um verme – o Caenorhabditis elegans – que tem longevidade normal de 19 dias. Mas hoje, em nosso laboratório, temos animais de quase 1 ano de idade. Se fizermos a transição para o ser humano, são 800 anos. Mas claro que não é tão simples assim. Não dá para saber se há um limite biológico, mas o ético, com certeza, existe. As pessoas querem viver muito. Todos têm a fantasia da imortalidade, de encontrar a fonte da juventude, mas é preciso pensar como sociedade, não individualmente. Imagine se todos nos tornássemos imortais? É um pensamento que pode parecer filosófico, mas é biológico também.

Como você vê essa obsessão pela juventude?

Hugo Aguilaniu – A estética não prolonga o tempo de vida. Ela apenas melhora a aparência. Não é ruim, mas é o “viver o agora”. As pessoas querem ser bonitas e jovens hoje, porque não sabem o que será amanhã. Porém, há outro ponto: a vontade de viver muito. As pessoas estão dispostas a fazer qualquer coisa para prolongar a vida. Mas temos de tomar muito cuidado com toda essa fantasia. E uma política de estado é capaz de regular isso.

Como?

Hugo Aguilaniu – Do mesmo jeito que existem restrições para os fumantes, para bebidas, tem de haver ações que mostrem para a população que não adianta tomar pílulas em busca de mais anos de vida. Até porque ainda não conhecemos a pílula que vai funcionar. Existirá, com certeza, mas ainda não existe. As pessoas que tomam um monte de pílulas para viver mais estão se enganando. Não funciona.

Até porque as questões do envelhecimento vão além do aspecto físico.

Hugo Aguilaniu – Envelhecer é muito difícil para todo mundo. Temos de aceitar que vamos perder nossas características físicas. E mais: envelhecer dói. Quando visitamos os idosos e perguntamos como é ser velho, a resposta – quase que em 100% dos casos – é “dói, todo dia dói”. E é horrível ouvir isso. Um de nossos principais objetivos é diminuir a dor dessas pessoas.

É muito comum as pessoas chegarem à velhice sozinhas.

Hugo Aguilaniu – Exato. Ao envelhecer, é psiquicamente essencial aceitar ajuda. Na França, que é um país muito mais individualista, as pessoas estão sofrendo também de solidão. Elas não aguentam a ideia de que precisam de alguém.

Mas há quem queira cuidar desses idosos?

Hugo Aguilaniu – As pessoas não conseguem conceber o fato de que podem receber os pais quando ficam velhos. O que seria natural, afinal, é uma troca. Pais criam seus filhos e, depois, chega a hora de os filhos ajudarem os pais. Na França, as pessoas ficam sozinhas e morrem sozinhas. E, muitas vezes, se passam muitos meses até que se encontrem os idosos mortos em casa – o que é absurdo. Em alguns casos, eles não têm mais família. Mas o que choca é que muitos têm, sim. Eles estão, simplesmente, abandonados.

É capaz de responder quanto tempo mais a gente vai viver?

Hugo Aguilaniu – Qualquer pessoa que garanta saber a resposta está mentindo. Não dá para saber. Muitos pesquisadores dizem que, se conseguirmos reparar todas as coisas que “quebram” – como em um carro -, não haveria limite, alcançaríamos a imortalidade. Não faço parte dessa linha de pensamento. O que acho possível é uma expectativa de vida de 120, 125 anos. Mas é mera especulação.

E você quer viver quanto?

Hugo Aguilaniu – Quero viver hoje e só. O amanhã é o amanhã. Minha filosofia é viver cada dia como se fosse o último.

Referências

ARBEX, T. (2013).’Queremos acabar com a dor de envelhecer’, diz Hugo Aguilaniu. Disponível Aqui . Acesso em 01/04/2013.

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