Envelhecer, para quê?

Envelhecer, para quê?

Envelhecer é possibilidade de ensinar e aprender. Ensinar o arcabouço de experiências e aprender as inovações contemporâneas.

Edicarla Queiroz dos Santos (*)

 

Numa sociedade em que a valorização do ser jovem está em alta, o envelhecimento fica sedimentado no desvalor, deixando passar a chance de refletir e viver os ensejos do tempo da velhice. O envelhecimento acontece a cada instante. A cada novo dia estamos mais velhos, que agonia (para muitos)!

Envelhecer, para quê? Para poder ter as oportunidades de fazer diferente, de ser a diferença, de desvincular-se do sofrimento, daquilo que ao longo dos anos pode ter sido dispositivo de angústia.

“Por que não dar mais vida aos anos?” Costumamos ouvir esta frase em discussões a respeito da temática. Pois diante do modelo social do valor dado ao objeto, da nossa era consumista, fica difícil desvincular o termo velho do que não mais funciona, que deve ser descartado, que não presta mais, e com isso as pessoas passam a viver sem perceber as possibilidades nesta fase na vida, na velhice, e vivê-la da melhor maneira, buscando a sua qualidade de vida. Envelhecer é possibilidade existencial.

O maior trabalho consiste em desvincular a velhice da ideologia consumista. Penso que o que se pode fazer nesta direção será a psicoeducação do envelhecimento. Isto é,  abordar o tema nas relações familiares, escolares, em grupos sociais, sendo fundamental para a aceitação do velho e do envelhecer.

A homogeneidade de vivências entre grupos de idosos e crianças, idosos e adolescentes, também seria uma excelente ferramenta para que socialmente houvesse mais aceitação do envelhecer como parte da vida.

Quando a população infanto-juvenil tiver a prática da convivência com o idoso, respeitando a sua história de vida, poderá experimentar o outro como ‘espelho’ de que chegará, dentro do esperado, o seu tempo de ser velho, e assim perceber a integração da vida.

Os pais e responsáveis que tratam a velhice com tal naturalidade, provavelmente estarão gerando em sua descendência o respeito a esta fase.

Para Teixeira e Neri (2008), citando Phelan et al., 2004), “[…] a principal característica do envelhecimento saudável é a capacidade de aceitação das mudanças fisiológicas decorrentes da idade […]”. Ao se perceberem velhos, em modificações pertinentes a todos, e não se desvalorizarem, mesmo que com habilidades rebaixadas, possivelmente os velhos terão o envelhecimento saudável em sua subjetividade, pois psicologicamente procurarão estar nesta etapa como processo em que podem buscar novos projetos de vida, com a perspectiva de estarem no mundo, que agem no mundo e continuam sendo modificados por ele.

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Estudos demonstram a dificuldade do indivíduo idoso se empoderar de si, conforme assinalam Schneider e Quarti Irigaray (2008) devido à questão de não se ver e sentir inserido na sociedade. No capitalismo, modo ocidental de viver, aquele que produz, que executa tarefas em que tragam desenvolvimento econômico tem mais valor, aniquilando a história, muitas vezes, daquele sujeito que já contribuiu em sua totalidade de dispor físico. Não valida que no tempo da velhice continua a contribuir, de forma menos ativa, com o seu conhecimento adquirido na experiência e passada aos iniciantes de modo formal ou não.

Em algumas profissões a valorização da juventude se sobressai, porém há de se considerar que na medicina, para muitos, o lugar do médico velho, ainda sim, é respeitado e valorizado. Principalmente se ele continuar seu trabalho baseando-se nas ferramentas de proximidade, contato direto, do exame físico, e com elas os exames de imagens.

Ao pensar do ponto de vista da história laboral, volto àquela pergunta: envelhecer, para quê? Para ser a memória de práticas que ainda podem ser utilizadas.

Envelhecer é possibilidade de ensinar e aprender. Ensinar o arcabouço de experiências e aprender as inovações contemporâneas.

No poema de Carlos Drummond de Andrade, Reinauguração, podemos refletir a beleza de compreender que a velhice é vida.

[…] Nessa idade – velho ou moço – pouco importa.
Importa é nos sentirmos vivos e alvoroçados mais uma vez,
e revestidos de beleza, a exata beleza que vem dos gestos espontâneos
e do profundo instinto de subsistir enquanto as coisas em redor se derretem e somem como nuvens errantes no universo estável.
Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos olhos gulosos
a um sol diferente que nos acorda para os descobrimentos.
Esta é a magia do tempo.
Esta é a colheita particular […]

A percepção de que velhice é tempo de enfermidade traz o afastamento das aberturas que o dia-a-dia pode estar oferecendo. Existem muitos que têm medo de envelhecer por vinculá-la ao ato de adoecer.

Em várias discussões no curso de Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, realizado no primeiro semestre de 2018, os professores, profissionais de áreas de conhecimento diferentes, abordaram o enraizamento do pensamento implícito e explícito incorporado no imaginário das pessoas de que ficar velho significa receber “um pacote” de doenças, o que não sustenta, pois a doença pode vir sobre qualquer tempo do viver, inclusive na gestação. Sabemos que no declínio funcional do ser humano, a doença poderá fazer parte da vida individual, mas cada qual a vive de maneira singular, assim como a velhice (e, em outros tempos da vida) é um tempo singular a cada qual.

Envelhecer, para quê? Para poder ver aquilo que semeou na terra da vida; para poder ser diferente; para reinventar-se e inventar-se na direção de sentir-se livre; para sentir o tempo trabalhando ao seu favor; para ter a oportunidade de plantar a semente do fruto o qual ainda projeta em ceifar.

Por fim, no escrito de Mario Quintana: “nascer é uma possibilidade, viver é um risco, envelhecer é um privilégio” que nossas ações sejam de sustentar o envelhecimento como discutido acima, como “oportunidades e possibilidades”, tendo a questão “envelhecer, para quê?” respondida por cada um de nós a caminho do desvelar de oportunidades que o existir pode subsidiar.

Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Reinauguração. In: ANDRADE, Carlos Drummond de: Receita de Ano Novo. Editora: Record.
QUINTANA, Mario. Os melhores poemas de Mario Quintana.
SCHNEIDER, Rodolfo Herberto; QUARTI IRIGARAY, Tatiana. O envelhecimento na atualidade: aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos e sociais. Estudos de Psicologia [online], 2008, Disponível em:<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=395335892013>. Acesso em: 21 jun. 2018.
TEIXEIRA, Ilka Nicéia D’Aquino Oliveira; NERI, Anita Liberalesso. Envelhecimento bem-sucedido: uma meta no curso da vida. Psicol. USP [online]. 2008, vol.19, n.1, pp.81-94. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0103-65642008000100010>. Acesso em: 21 jun. 2018.

(*)Edicarla Queiroz dos Santos – Psicóloga clínica formada pela Universidade Paulista (UNIP). Práticas em trabalho clínico e grupal com idosos e atendimento psicológico domiciliar. Texto escrito no curso Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, ministrado pela PUC-SP, no primeiro semestre de 2018. E-mail: [email protected]

 

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