Entrevistas sobre Odontogeriatria – I

LFR: Dr. Montenegro, o que é a Odontogeriatria no sentido amplo para o dentista e para a sociedade?

FLBM: É uma nova área da Odontologia no Brasil, oficializada como Especialidade desde 2001, mas que existe na Europa e Estados Unidos há mais de 5 décadas. Devido à maior expectativa de vida nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, as pessoas vivem mais anos e com cada vez mais dentes naturais presentes.

Fernando Luiz Brunetti Montenegro* Luis Fernando Russiano *

Ter dentes em bom estado ou próteses adequadamente adaptadas, garante poder mastigar alimentos com os melhores nutrientes, ter uma boa aparência que vai mantê-la inserida na Sociedade e o ganho na sua auto-estima por manter o que o é seu , por toda uma vida. Para os dentistas, já que é uma população que cresce,no País, em termos de 650.000 indivíduos novos por ano, representaria um potencial de trabalho como jamais houve nos últimos anos do século passado, por exemplo.

LFR: Há quanto tempo começou a se falar em Odontogeriatria no Brasil e como ela é tratada no ambiente Acadêmico?

FLBM: No Brasil, em Cursos nos Congressos, Entidades, em atualizações e/ou especializações, não mais de 8 anos, mas existem artigos científicos desde 1977 no País (e década de 50 na Europa e Estados Unidos). Mas todos os dentistas sempre tiveram pacientes idosos entre seus clientes,mas sem informes específicos para esta faixa etária ,que muito poderia lhes ajudar na prática diária.No ambiente Universitário, não mais de 5 escolas a têm como Disciplina inserida no Currículo e outras 6 como Optativa e/ou à distância, o que é uma lástima,pois a Odontogeriatria acadêmica está florescendo numa época de cortes de cargas horárias e demissões em massa , especialmente nas escolas particulares, que são as em maior número no País.Some-se a isto a não obrigatoriedade de constar, ainda, no Currículo mínimo exigido pelo MEC, o que é uma perda enorme na criação de recursos dirigidos numa faixa etária que tanto os necessita.

LFR: Qual a importância da Odontogeriatria, no seu modo de ver, Dr. Fernando?

FLBM: Com o passar dos anos e o surgimento de diversas doenças nos pacientes de mais idade, alguns parâmetros de trabalho clínico e de condutas devem ser readequados. Envolve estudar todas as áreas da Odontologia Clínica para reenquadrá-las dentro das particularidades dos pacientes de mais idade. Parece simples quando assim escrito, mas o estudo disto tem consumido nosso tempo livre, nos últimos 10 anos, para procurar identificar e correlacioná-las clinica e cientificamente, para criar um corpo consistente e significante de conhecimentos sobre as pessoas de 3a Idade, e que vão muito além de só “os dentes” ….

LFR: Como está o ensino de Pós-Graduação em Odontogeriatria?

FLBM: A Odontogeriatria tem tido tanto vertente universitária (Disciplinas de Graduação) como em Cursos de Iniciação, de Atualização e com as Especializações na ponta da pirâmide clínica. As atividades são tanto em Faculdades Públicas como Particulares e os Cursos, normalmente posteriores à Graduação, são tanto em Faculdades como em Universidades (UFGRS, UNICAMP, USP, UFSC, UFMG, UBC, UNIVALE) como também em Entidades particulares de Dentistas: APCD, ABO, ABENO, ABOs. Como tudo com pouco tempo de existência (no Brasil, ao menos), ela está em desenvolvimento e as Turmas vão se sucedendo e crescendo a cada ano. Acanhadas há 10 anos atrás, hoje quase enchem as salas de Congressos em diversos Estados do Brasil. Mas é um mercado em crescimento e não desenvolvido na sua plenitude, tanto entre profissionais, como entre os pacientes.Os Cursos de Atualização/Iniciação geralmente são semestrais,uma vez por semana e os de Especialização ,com clinica forte,por 18 meses por 3 dias por mês, onde, na maioria deles ,os pacientes idosos são atendidos a preços de custo. Cursos de Mestrado e Doutorado na Área ainda são bem raros no país, especialmente por esta não-obrigatoriedade curricular, o que é uma lástima,infelizmente.

LFR: Por que é preciso preocupação com a saúde bucal no processo de envelhecimento da população?

FLBM: Por mais lógico que pareça, é porque a boca faz parte do corpo humano,onde todos os sistemas são interdependentes. Logo um problema bucal, como um abcesso, uma periodontite, uma saburra lingual aumentada ou a diminuição do fluxo salivar tem conseqüências na saúde geral, especialmente dos idosos, e nos mais debilitados fisicamente. A interrelação de problemas bucais com doenças cardiovasculares, diabetes, pneumonia aspirativa e até problemas estomacais é cada dia mais discutida na literatura cientifica e comprovada na pratica clinica com pacientes mais velhos, ainda mais quando estes se encontram acamados ou em UTIs. Por isto a interdisciplinaridade do atendimento do idoso é extremamente necessária e, com certeza, os odontogeriatras devem conviver nos grupos de atendimento geriátrico em hospitais, casas de repouso e instituições de longa permanência.

LFR: Qual(is) o(s) desafio(s) para o dentista quanto à Odontogeriatria?

FLBM: Com certeza são inúmeros, mas podemos destacar: a) Conhecer o universo da pessoa idosa muito mais além da parte medica e odontológica apenas, para atendê-lo com um enfoque abrangente e gerontológico; b) Outro ponto é estudar muito as particularidades médicas daquele paciente idoso que vai atender e suas implicações nos aspectos odontológicos do caso; c) Dominar os fármacos usados pelos idosos no que tangem à efeitos colaterais na cavidade bucal que 60% deles causam e que influenciam muito nos tratamentos; d) Conhecer amplamente as técnicas reabilitadoras protéticas para poder indicar as melhores opções para um determinado caso, sempre levando em conta as possibilidades econômicas do indivíduo; e e) Estudar e se aprofundar nos meandros do envelhecimento, seja na literatura científica, seja nos jornais diários.

LFR: Quais os meios preventivos que a população pode ter para chegar à velhice com boa saúde bucal?

FLBM: ATENÇÃO/DEDICAÇÃO: Diária, constante e com controles semestrais por dentistas. Boa Dieta (sem alimentos cariogênicos). Uso correto da escova de dentes a cada alimento ingerido, fio dental-passado com muita calma e detalhe pelo menos uma vez por dia. Manter uma indicação de escovas interdentais feita por um dentista. Visitar um profissional anualmente para verificar como próteses totais, removíveis e as próteses fixas e os implantes estão funcionando bem e especialmente nas 2 primeiras, onde uma perda de adaptação nas bases acaba levando à uma reabsorção óssea que cada vez mais dificulta seu uso. E limpar a língua com um limpador de língua plástico: isto vai garantir um bom hálito por toda a vida!

Também previna males maiores sempre fazendo o quê foi (desde que bem explicado antes) pedido em algum momento por um dentista: retardar um tratamento de canal ou periodontal só faz com que a chance de perder aqueles dentes seja bem maior que antes. Também repor os dentes posteriores (“do fundo”) perdidos sempre ,pois quando só os da frente mastigam os alimentos, eles vão logo se perder, abrindo “ em leque” e ficando “moles” .

É o descaso com estes itens acima que leva as pessoas às próteses totais (“dentaduras”) e não um “azar infernal” que se abateu sobre ela ou uma herança familiar. Tudo, em saúde bucal, passa pela prevenção. Não existem cremes dentais ou bochechos “ milagrosos”. Só existe o real remover de restos dos alimentos em cada canto de sua boca e dentes a CADA ingestão de alimentos. Isto é que funciona!

Em tempo: FLUOR, MUITO FLUOR (Converse com seu dentista a este respeito)

LFR: Quais são as doenças bucais mais comuns na 3a Idade?

FLBM: A doença bucal mais comum na 3a Idade é a Periodontite, um problema de inflamação gengival que se agrava e vai levando à perda do osso de suporte dos dentes, deixando-os amolecidos. Mas ela NÃO é característica do envelhecimento e SIM decorrente de um CUIDADO INADEQUADO com os dentes por TODA a vida, porque as pessoas não seguem adequadamente os cuidados preventivos propostos acima.

Outra afecção são as Cáries, especialmente as de raiz, onde o flúor diário ajudaria muito na sua prevenção, somada à escovação e uso de fio-dental/escovas interdentais todos os dias, mas feitos sob uma orientação prévia de um cirurgião-dentista, que as precisa adequar à realidade da boca de CADA idoso em particular.

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O Mau hálito, ainda que tenha muitas outras origens extra-bucais, está intimamente ligado à NÃO limpeza da parte posterior da língua com limpadores de língua plásticos e a uma não limpeza cuidadosa das próteses, mesmo totais, que o idoso use.

Mas TODAS as doenças acima e ainda a candidíase bucal são em muito aumentadas quando a pessoa tem uma diminuição do fluxo salivar (chamada Xerostomia) que é causada pelo efeito colateral bucal de cerca de 60% dos remédios que o idoso ingere normalmente. Conhecida por “boca seca”, além de aumentar as cáries, doença periodontal, saburra na língua e mau hálito, impede uma mastigação adequada dos alimentos, que obrigam a pessoa mudar a consistência de sua dieta, que vai causar problemas digestivos. Suas próteses totais superiores caem com facilidade e aí eliminam as fibras da dieta, prejudicando a absorção de bons nutrientes e retardando o transito estomacal, aumentando a constipação intestinal, um problema muito comum nos idosos com este histórico acima descrito.Também se perde a percepção de gosto dos alimentos e aí o idoso coloca mais açúcar e mais sal no que come, influenciando no controle da diabetes e da pressão arterial, respectivamente. Formam-se mais colônias de bactérias na boca, que além de permitirem maior chance de contaminação pulmonar (e pneumonia aspirativa), acabam, via gengivas inflamadas, entrando na corrente sanguínea e atingindo órgãos vitais como o coração e todo o sistema circulatório.

Assim, a xerostomia é a mais devastadora dos doenças bucais, mas seu tratamento é multidisciplinar, pois exige mudança/diminuição nas medicações o que só pode ser feito por médicos.

E como dito anteriormente, ainda existem as interferências periodontais de uma diabetes mal controlada, uma hipertensão que dificulta certos trabalhos odontológicos, estados anêmicos gerais que ajudam a causar traumas nos tecidos bucais e depressões do sistema imunológico do idoso,que somadas à xerostomia, causam um aumento exagerado do número de bactérias na boca.

Como se vê, não se pode separar saúde bucal da saúde geral do indivíduo, nem considerar que problemas sistêmicos (de todo o organismo da pessoa) não tenham repercussões bucais de média e alta significância.

Por isto é que ser odontogeriatra exige tempo com o paciente, seus familiares e cuidadores, analisando fichas, falando com médicos e isto obriga a conhecimentos expandidos e mais retornos do paciente. Os idosos não podem ser tratados como muitas vezes fazemos com adultos e jovens, com alta eficiência e produtividade, mas sem qualquer profundidade nas suas condições clínicas, que, por sua idade, devem estar bem controladas, mas isto não pode ser detectado só com fichas clinicas mais minuciosas. Tempo clínico é a necessidade. E isto envolve custos, mas que podem evitar outros custos MAIORES depois….tanto por parte do paciente como por parte da empresa que o assiste, tanto na parte médica como na odontológica.

LFR: Quais os tratamentos mais adequados e normalmente utilizados para o tratamento dos problemas bucais na terceira idade?

FLBM: Usam-se todos os recursos da moderna odontologia clínica, apenas adequando-os à realidade/necessidades de cada paciente. Tudo que se propõe como opções de tratamento para outras idades pode ser aplicado na 3a Idade, inclusive Ortodontia, mas deve-se ajustar os planejamentos de acordo com as doenças gerais apresentadas pelos pacientes idosos e com sua expectativa de vida provável.

Um critério estético tão imprescindível aos mais jovens no mercado de trabalho, felizmente, não é algo tão importante para a média dos idosos, o que torna nossa missão pouco mais fácil, ao menos neste aspecto.Mas continuam vaidosos e exigentes, sim !

Cáries e doença periodontal, altamente freqüentes, são atenuadas com Prevenção abrangente e controlada com freqüência que pode chegar até mês a mês em casos mais avançados, média de 3 meses nos moderados e semestral para os idosos saudáveis. O ensino de escovação e o reforço são demorados e não podem estar “incluídos” dentro de outros procedimentos profiláticos como algumas empresas o fazem…Escovas especiais, suportes de fio dental e instruções aos cuidadores fazem parte das tarefas do profissional com profundo compromisso preventivo com seus pacientes idosos, especialmente os mais debilitados, aí tendo de contar com a colaboração e entendimento dos cuidadores dos pacientes.

Próteses: devem ser reembasadas sempre que necessário. A freqüência de retorno maior pode exigir menor tempo de carência para nova realização de procedimentos, perante outras faixas etárias. Cuidados detalhados para sua limpeza, com escovas especiais, devem ser instituídos e mantidos sempre, para que elas não se tornem um verdadeiro depósito de bactérias dentro da boca…

Xerostomia: Médicos atentos aos efeitos bucais dos medicamentos em idosos e usando do armamentário alopático o mínimo necessário, sempre. Qualidade de vida não é ter medicamentos em profusão e sim evitar usá-los ao máximo. Os geriatras e os odontogeriatras sabem como isto é verdade…

LFR: Prof Fernando Montenegro, por favor, faça suas considerações finais acerca da Odontogeriatria, já que o nosso tempo e espaço está terminando, infelizmente…

FLBM: No âmbito das conceituadas empresas que compõem o Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo – SINOG, é incluir a Odontogeriatria para os funcionários mais velhos e aposentados. Mas nunca como um mero “apêndice” do tratamento de adultos.

Quem se propõe a atender estes pacientes deve ser qualificado para isto. Deve ter diploma especifico que o capacite a ver os problemas destas pessoas, especialmente nos casos de idade mais avançada. Deve ter experiência e capacidades técnicas que evitem gerar problemas que podem até levar ou contribuir significativamente para o óbito dos pacientes idosos, gerando uma espiral de custos interminável e que pode levar uma empresa à prejuízos de monta.

É criar uma tabela voltada à Área, que contemple o maior tempo clínico gasto para que se faça uma boa análise das condições de saúde destes indivíduos. E que também se dê valor ao tempo gasto no tratamento destas pessoas, sendo o profissional qualificado recompensado adequadamente por isto.

Cursos, treinamentos e atualizações constantes a estes profissionais, mas voltados diretamente à pratica clínica de seu dia-a-dia e não aqueles normalmente oferecidos à toda a rede credenciada. Planos voltados à este segmento populacional podem até serem criados, mas o debate com aqueles que vivem isto (os próprios idosos! ) é prioritário antes de seu lançamento. Atendimentos em Hospitais, casas de repouso e um serviço odontológico domiciliar também devem ser contemplados numa análise abrangente deste grupo etário.

*Fernando Luiz Brunetti Montenegro (FLBM) – Mestre e Doutor pela FOUSP. Coordenador Curso Especialização em Odontogeriatria ABENO e UBC. Pesquisador mentor do Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected]

**Luis Fernando Russiano (LFR) – Jornalista SINOG. Revista Medicina Social. E-mail: [email protected]

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Fonte: Entrevista dada em 30/11/2006. Texto resumido publicado na Edição Revista Medicina Social da Abramge, v.23,n.196,p.27-8,Jan-Março 2007.

Observação: Os artigos postados nesta sessão são encaminhados pelo Dr. Fernando Luiz Brunetti Montenegro

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