Entrevista: Marília Berzins

A nova presidente do OLHE, recém-eleita – 27 de agosto –, tem em Vinicius de Moraes um de seus poetas preferidos, e de sua poesia escolhe: “A vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida”. Sua vida, nestes 55 anos, parece que se baseou, toda ela, no que escreveu e cantou o famoso “poetinha”.

Guilherme Salgado Rocha / Fotos: Alessandra Anselmi

 

Pois foi assim que houve encontros com a cidade de São Paulo, com o trabalho no Centro de Controle de Zoonoses, assim com o envelhecimento. E com o marido Reinaldo, uma história de amor dessas de filme romântico. Com o programa Cuidar é Viver, do OLHE, e agora o “encontro” com a presidência da instituição, da qual é membro-fundadora. “Tarefa difícil, mas perfeitamente capaz de ser enfrentada com apoio amplo e irrestrito”, ressalta. O que certamente não faltará. Marília foi entrevistada na tarde de segunda-feira, 23 de setembro, em sua agradável casa, na Zona Norte de São Paulo, cercada de verde e harmonia. Uma conversa tranquila, serena, “interrompida” apenas pela Graça, que trabalha com Marília há 16 anos, e que lhe dá suporte para tantas e múltiplas atividades. Ah, além do gato Godot, que vez ou outra nos espreitava, mas sem perturbar…

entrevista-marilia-berzinsPortal – Boa tarde, Marília. Na verdade, boa tarde, Marília Anselmo Viana da Silva Berzins…

Marília – Bem-vindos. O nome é extenso. Sou filha de Francisco Anselmo da Silva e de Ilda Viana da Silva, que já faleceram. Ele há 21 anos, e minha mãe há oito. Tenho cinco irmãos, comigo seis. Cinco moram em São Paulo, e apenas um está longe, mora em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Nasci em Belo Horizonte, mas a família veio para cá há muitos anos, em 1974, por isso sou muito mais paulista e paulistana do que mineira.

Portal – E o marido?

Marília – Sim, fundamental. Sou casada há 20 anos com Reinaldo Berzins, economiário, muitos anos funcionário da Caixa Econômica Federal, trabalha com tecnologia da informação. Não temos filhos, nunca tive muito forte em mim essa veia de ser mãe. Sou assistente social, me formei em 1983, sou especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, mestre em Gerontologia Social pela PUC-SP, e doutora em Saúde Pública pela USP.

entrevista-marilia-berzinsPortal – Você dizia que com o Reinaldo houve um desses encontros, dos quais falava Vinicius?

Marília – História de amor. Fomos namorados na juventude, até meus 20 anos mais ou menos. Aí nos separamos, cada um foi viver sua vida. Exatamente 15 anos depois nos reencontramos e percebemos que era amor mesmo, que nada tinha se perdido com o tempo. Voltamos a namorar e nos casamos. E isso já faz 20 anos…

Portal – Falemos um pouco do seu percurso na área do envelhecimento.

Marília – Claro. Sempre digo que o envelhecimento me escolheu, ou seja, outro grande encontro em minha vida. Isso começou quando o Maluf foi eleito prefeito de São Paulo e, em uma iniciativa autoritária e descabida, implantou o famigerado PAS na cidade. Eu trabalhava na Secretaria Municipal de Saúde, no Hospital João XXIII, carinhosamente chamado de “Joãozinho”, rebatizado como Ignácio de Proença Gouveia, na Mooca. De um dia para o outro fui transferida para o Centro de Controle de Zoonoses do município, que fica na rua Santa Eulália, 86, na Zona Norte. O Maluf, querendo bagunçar o meu coreto, me colocou diante do tema que passou a ser o grande norteador da minha vida profissional e da minha vida pessoal, sem dúvida, pois é impossível lidar e tratar o envelhecimento sem uma dose imensa de amor. Um amor sempre recíproco, que segue de nós para os idosos e, muito mais, deles para nós.

Na verdade, o que o envelhecimento tem me ensinado é que quando falamos da velhice do outro, estamos falando na nossa própria velhice. Brinco sempre nas minhas apresentações referindo-me à música do Capital Inicial: “Demorei muito pra te encontrar, agora quero só você… estava cansada de te procurar… agora quero só você”. É mais ou menos isso. Encontrei na temática da velhice a minha satisfação profissional e pessoal.

entrevista-marilia-berzinsPortal – Nesse momento veio aquele misto de indagação e exclamação sobre o qual você comentava: ‘uma assistente social no controle de zoonoses?! Vou ser assistente social de gatos e cachorros?!’.

Marília – Estávamos em 1996, e quando cheguei ao CCZ não esperava ter a recepção tão carinhosa que tive. Os veterinários e biólogos que lá trabalhavam admitiram, quando comecei a trabalhar, que era grande a expectativa em relação à minha chegada, pois eles enfrentavam, no cotidiano, alguns problemas sérios. O principal deles era encontrar, nas casas, a presença de pessoas, em sua grande maioria idosas, vivendo em companhia de 10, 20, 30 e até 100 gatos ou cachorros, ou até mesmo as duas espécies juntas.

entrevista-marilia-berzinsPortal – E então…?

Marília – Bem, eu perguntava a elas o porquê de terem tantos bichos e as respostas eram muito semelhantes: “eles são a razão da minha vida; eles são os meus filhos; eles me fazem companhia; bichos são melhores do que gente”. E foi uma lição, pois eu achava que sabia tudo sobre as pessoas e suas relações…

E me deixava perplexa ainda intensidade da relação que se estabelecia com todos aqueles animais. Com cada um dos animais havia uma relação singular e permeada de profundo significado.

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Portal – Foi esse o tema sua dissertação de mestrado.

Marília – “Velhos, cães e gatos: interpretação de uma relação” foi o título. E essa dissertação me levou a percorrer o Brasil falando, expondo, debatendo o tema, que era inédito nas universidades brasileiras.

Portal – Pelo curso de Gerontologia da PUC?

Marília – Quando estava imersa no trabalho do CCZ fui procirar a professora Suzana Medeiros, que conhecia somente de nome. E de “bom nome”, por sinal. Estava sendo criado o curso de pós-graduação em Gerontologia. Conversamos e ela me incentivou a levar para a universidade esse tema. Fui da primeira turma de mestrado, a partir de 1997. E ali encontrei a compreensão teórica do envelhecimento. Os significados que a pesquisa procurou desvendar são aqueles relativos à identidade de velho e velhice. Interessaram-me não apenas os significados que os próprios velhos atribuem à relação com os animais, mas, principalmente, descobrir significados distintos, ainda não revelados, que os velhos possuem sobre si próprios.

Portal – E continuava no Centro de Zoonoses?

Marília – Fiquei lá até 2001, quando a Marta Suplicy assumiu seu mandato, e fui para o gabinete da Secretaria Municipal da Saúde. E lá a Gerontologia se concretizou mais intensamente na minha vida profissional. Continuei estudando, fiz o doutorado e hoje estou mergulhada na temática do envelhecimento.

A Gerontologia abriu e continua abrindo várias oportunidades na minha vida profissional. Na Secretaria Municipal da Saúde, por meio do então secretário, Eduardo Jorge, foi implantado o SUS na nossa cidade, e fui convidada para trabalhar na Área Técnica de Saúde da Pessoa Idosa da Secretaria. E ali permaneci até 2012, quando me aposentei do serviço público. Fui trabalhar na área técnica planejando, implantando e acompanhando políticas públicas de saúde para a população idosa da cidade de São Paulo. O Programa Acompanhante de Idosos desenvolvido pela SMS em São Paulo teve a minha participação técnica durante todo o processo de criação, planejamento e execução. E tive contato com o tema da violência contra a pessoa idosa no Projeto Resgate Cidadão. Motivada pelo desconhecimento do tema decidi estudar novamente, e em 2005 fui aprovada pela Faculdade de Saúde Pública da USP para fazer o doutorado, concluído em 2009 com a pesquisa sobre violência institucional contra a pessoa idosa. Meu percurso profissional nos últimos 22 anos se deu e se dá a partir desse encontro com a Gerontologia. Atualmente trabalho como consultora e presto assessoria a diversos municípios e instituições. Dou aula em distintos cursos de Gerontologia.

Portal – Falemos do OLHE, então. Recém-eleita presidente…

Marília – Fui eleita no dia 27 de agosto, e sei que estes três anos de mandato serão um grande desafio, sem dúvida. Venho do setor público, completamente diferente do que agora viverei. Se me perguntar quais são os planos imediatos e mediatos, digo que é fazer o OLHE crescer. Temos, não só eu, mas todos os membros do Conselho Gestor, que encarar essa verdadeira missão. Devemos avançar em novos projetos, adensar os já existentes, recuperar os que estão parados. O OLHE já é referência na área do envelhecimento, e há o grande desafio de nos sustentarmos financeiramente.

Portal – E isso em uma sociedade que não prioriza o envelhecimento.

Marília – Não, não prioriza. Temos o grande evento nacional do Criança Esperança, mas defendo que haja o Velho Esperança. Gosto muito da frase de uma gerontóloga amiga: “O velho é o futuro do Brasil”. Isso é extremamente significativo. Não defendo uma cultura anticriança, o que seria um absurdo, mas luto, com o OLHE, para mostrar que os velhos fazem parte do futuro e do presente do nosso país.

Portal – Estamos terminando a entrevista, Marília.

Marília – Opa! Não, ainda não.

Portal – Por quê?

Marília – Você não me perguntou sobre a minha menina dos olhos do OLHE, o Programa Cuidar é Viver. Uma menina dos olhos que está crescendo. É o curso para cuidadores de idosos, e nele me reencontro, nos encontros da vida. Porque esse tempo todo na gestão de políticas públicas impede que o centro do trabalho seja a atenção.

Portal – São duas turmas?

Marília – Duas. Uma em São Bernardo do Campo e outra no Colégio Rocha Marmo, na rua Sena Madureira. Atualmente 80 alunos compõem as duas turmas, com apenas três homens. O programa Cuidar é Viver existe há três anos, já formamos 240 alunos. As mulheres vêm de longe para estudar, de bairros distantes, e todas elas realmente vestem a camisa do OLHE.

Portal – Você falava em Paulo Freire.

Marília – No Cuidar é Viver, como assinalei, me reencontro com a minha paixão, que é a atenção, a educação. E uma educação que visa à mudança, pois modificamos a pessoa a fim de o idoso ser beneficiado. E ver o idoso beneficiado, com seus direitos, cuidados e exigências respeitados, é a grande motivação de todos nós que fazemos parte do OLHE. E termino fazendo um convite a todas as pessoas interessadas no tema que entrem em contato, se unam, venham colaborar com essa causa absolutamente essencial em nossos dias.

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