Ecléa Bosi é premiada por seu trabalho com idosos

Apaixonada por memórias. Essas são algumas características de Ecléa Bosi, professora de pós-graduação do Instituto de Psicologia (IP) e coordenadora do programa Universidade Aberta à Terceira Idade (Uati).

Alessandra Goes Alves 

 

eclea-bosi-e-premiada-por-seu-trabalho-com-idososO trabalho desenvolvido no programa rendeu-lhe o prêmio Averroes 2011, que reconhece o pioneirismo e o talento de pesquisadores, professores e profissionais em compartilhar conhecimento em diversas áreas de atuação. “Não esperava ganhar o prêmio. Fiquei gratíssima, sobretudo pela oportunidade de conhecer aqueles profissionais.”

Criado em 1993, o Uati é voltado para maiores de 60 anos e propõe a inserção social do idoso. “O intuito não é oferecer cursos, mas promover a convivência entre idosos e os jovens da graduação.” Todos preparam trabalhos, seminários e pesquisas e, ao fim do curso, o idoso recebe uma nota e um certificado, o que caracteriza uma “vida normal de estudante”, como disse a professora.

A importância do projeto também se relaciona à oportunidade de escolher o que quer estudar. A docente conta que uma das glórias do UATI se refere aos idosos que foram trabalhadores manuais ao longo da vida e, por isso, não tiveram oportunidade de estudar. “Nossa realização é ver esses idosos, tendo pleno direito ao conhecimento”, diz, emocionada. “O melhor do projeto é devolver o que devemos a esses cidadãos.”

Nascida em São Paulo e moradora da rua Melo Alves, no Jardim Paulista, Ecléa Bosi é filha de Emma e Antônio. Irmã do psicanalista Sérgio e do cientista social Celso Frederico, ela diz que a educação recebida dos pais influenciou a escolha profissional dela e dos irmãos: “Nossos pais eram pessoas simples, mas muito abertas e sensíveis às questões sociais. Aos 86 anos, Dona Emma era dona de casa e escrevia cartas a ditadores pedindo a libertação de presos políticos.” Já o pai, além de funcionário público, era um grande contador de histórias. “Ele nos contava episódios da velha São Paulo. Daí o meu interesse em ser, mais tarde, uma escutadora de memórias.”

eclea-bosi-e-premiada-por-seu-trabalho-com-idososEla conta que sua escolha pela psicologia também se explica por seu interesse pelos problemas de identidade, memória e vivência do ser humano. “Você pode compreender São Paulo de uma forma histórica, política e urbanística. Agora, como o ser humano vive o seu cotidiano na cidade, o que se reflete no interior de cada um, é do campo da psicologia.”

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A paixão por memórias e por São Paulo originou um de seus livros mais famosos, Memória e Sociedade, um ensaio da história social da cidade, incluído pelo Ministério da Educação entre as Cem Obras sobre o Brasil que devem compor as bibliotecas das escolas públicas e a do professor. A intersecção entre memória e velhice feita no livro mostra o papel fundamental do idoso de relatar suas memórias aos mais jovens, o que faz dele a memória viva da sociedade.

Ecléa Bosi construiu sua vida acadêmica na USP, onde cursou graduação e defendeu mestrado e doutorado, cujo título é “Leitura de operárias: um estudo de um grupo de trabalhadoras de São Paulo”. Transformado posteriormente em livro, sua tese de doutorado mostra como a cultura é entendida e vivida no meio operário na época da ditadura militar. Ela conta que o estudo na classe operária tinha grande significação e era inspirador para os estudantes da época. “Foi uma escolha muito consciente: era um desejo político nosso que a cultura fosse mais acessível e não se refugiasse tanto na Universidade”.

Ao comentar suas memórias da Cidade Universitária, ela lembra a USP da Rua Maria Antônia: “Sinto saudades porque lá se vivia a interdisciplinaridade. Se havia uma tese de química ou de filosofia interessante, todos iam ver. Havia uma vibração por uma cultura mais universal e menos especializada como a de hoje. Essa era a marca da [rua] Maria Antônia”.

Docente do Departamento de Psicologia Social, Ecléa Bosi se dedica hoje a estudos sobre como as transformações da cidade se refletem na memória. “É um tema que sempre me interessou muito como pesquisadora. Cada mudança vivida pela cidade se reflete na existência e na identidade do cidadão.” Apesar da paixão pela área, ela diz haver muitas áreas que gostaria de estudar: “Talvez botânica ou agricultura, porque tenho uma pequena horta e gosto muito de plantar”.

Quando vai ao exterior, ela revela ter saudades dos amigos de São Paulo e conta que, se morasse em outro lugar, gostaria de viver em uma região litorânea. “O mar é como a memória dos velhos: ele repropõe as suas ondas assim como eles repropõem as suas histórias. O idoso conta as mesmas histórias, mas sempre com algo diferente.” Para ela, talvez isso só tenha paralelo na natureza com o mar, que, infinito como a memória, repropõe as suas ondas, sendo uma diferente da outra.

Apesar de ter realizado estágios, pesquisas e ter lecionado na França, ela acha que o pesquisador deve voltar sua atenção para o seu país. Esposa de Alfredo Bosi, crítico literário e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), a docente diz admirar o trabalho do marido pelo fato de sua obra estar voltada para o Brasil. Mãe de José Alfredo, economista, e de Viviana, professora de teoria literária da FFLCH, Ecléa Bosi tem dois netos. Perguntada se ela se considera uma avó coruja, responde, rindo: “Só acho eles as melhores pessoas do mundo”.
O prêmio Averroes reconhece o trabalho desenvolvido por Ecléa e pelos participantes do Uati, desde a sua fundação. O programa vem crescendo: em 1994, recebeu 847 participantes, número que chegou a 10.577 em 2010.

O Uati é organizado pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão e é oferecido em todos os campus da USP. Os cursos ocorrem semestralmente e as vagas são oferecidas pelos docentes que ministram as disciplinas de graduação. Os temas de estudo variam, podendo tratar de chinês à física nuclear, de botânica à fotografia. Após escolher as disciplinas, os interessados devem se inscrever nas unidades de ensino.

Mais informações e períodos de inscrições no site. Acesse Aqui

Fonte: Revista Espaço Aberto 142: Acesse Aqui em 31/10/2011.

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